Ana Claudia Borges de Oliveira

A despeito de soar utópica a afirmativa de que o processo carrega em si valores já consagrados pela Constituição Federal e repisados pelo Código de Processo Civil (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CPC">CPC</a>), fato é que a segurança jurídica precede (ou deveria) qualquer debate tangenciando a carga tributária e as reformas em andamento. 
Na última semana de junho de 2023, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>), proferiu decisão no Recurso Extraordinário 1.072.485/PR, com repercussão geral, determinando a suspensão dos processos judiciais e administrativos – aqui incluídos os que tramitam perante o Carf – que versam sobre a natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal (Tema 985 STF). 
Não obstante a determinação de suspensão dos processos administrativos, decidiu-se por oficiar os presidentes de todos os tribunais do país quanto ao teor do decisum, omitindo-se em relação ao <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CARF">Carf</a>. 
De acordo com o CPC, quando um processo judicial é afetado ao rito dos repetitivos, o que pode ocorrer tanto no STF, quanto no STJ, o relator deve determinar o sobrestamento de todos os processos que versem sobre a mesma questão (arts. 1.035 a 1.037), em decorrência da obrigatoriedade de observação dos precedentes vinculantes por partes dos juízes e dos tribunais (art. 927). O Código não inclui, aqui, o processo administrativo fiscal; contudo, afirma, em outro momento, que, na ausência de normas que regulem processos administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente (art. 15). 
O Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, por sua vez, estabelece que, no âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado ao julgador afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, salvo se já tiver sido declarado  inconstitucional por decisão definitiva plenária do STF ou que fundamente crédito tributário objeto de dispensa legal de constituição por ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, súmula da Advocacia-Geral da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/AGU">AGU</a>) ou parecer do advogado-geral da União aprovado pelo Presidente da República (art. 26-A).
Dito isso, e sem olvidar que todos elementos da hipótese de incidência tributária devem estar previstos em lei, indaga-se: quais os limites da vinculação do julgador do Carf?
O Regimento Interno do Carf (art. 62) preceitua que é vedado ao julgador afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, salvo se tiver sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do STF; ou se o fundamento do crédito tributário for objeto de Súmula Vinculante ou decisão definitiva do STF ou STJ, em sede de julgamento de recursos repetitivos. Estabelece, ainda, a obrigatoriedade de reprodução pelos conselheiros do Carf das decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF e pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos.
No âmbito da Receita Federal, os auditores fiscais estão dispensados de constituir crédito tributário de tema decidido pelo STF e pelo STJ, em sede de repercussão geral ou de recurso repetitivo, observada a manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre a matéria abrangida (arts. 19 e 19-A da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002). Hoje, a jurisprudência tida pela Receita Federal como vinculante, relacionada aos tributos que administra, pode ser consultada no <a href="https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/jurisprudencia-vinculante">sítio disponibilizado</a>.
Indo além, indene de dúvidas a vigência em nosso ordenamento jurídico do poder geral de cautela atribuído a juízes e tribunais. 
O comando foi acertadamente aplicado pelo ministro Dias Toffoli quando determinou, de ofício, a suspensão de todos os processos judiciais que versavam sobre a incidência, ou não, de imposto de renda sobre os juros moratórios recebidos por pessoa física (Tema 808 STF) e deferiu, com base no poder geral de cautela, a suspensão de todos os procedimentos administrativos tributários da Secretaria da Receita Federal versando sobre a mesma matéria e consignou que, no período da suspensão, estava suspensa a exigibilidade do crédito tributário, na forma do art. 151 do Código Tributário Nacional, e que não corria a prescrição dos créditos tributários discutidos nos aludidos processos administrativos tributários durante o período da suspensão.
Está em tramitação o PL 2483, de 2002 (PL do PAT), que prevê, entre outras normas, que, no âmbito do processo administrativo tributário, terá efeito vinculante, inclusive para as Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal, as decisões proferidas pelo STF e STJ na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos e que, após a afetação do tema repetitivo enquanto não houver decisão definitiva de mérito, a questão jurídica não será julgada no âmbito administrativo, permanecendo pendente o julgamento do recurso (art. 40). 
Transcrevo, ipsis litteris, trecho da exposição de motivos onde se lê que “em uma das maiores inovações do PL do PAT, o art. 40 estabelece as hipóteses de efeitos vinculantes no âmbito do processo administrativo tributário, com o objetivo de dar celeridade ao processo, trazer segurança jurídica e coerência decisória entre instâncias administrativa e judicial e reduzir a litigiosidade. O dispositivo elenca todos os atos vinculantes a fim de trazer transparência para o administrado, diminuindo a necessidade de remissões à Constituição Federal e a outras normas. Os §§ 1º, 2º e 3° determinam o sobrestamento, no âmbito do Carf, dos processos administrativos após a afetação de tema repetitivo ou de repercussão geral, enquanto não houver decisão definitiva de mérito. Veja-se, após a afetação, e não decisão do tema. Esse tema foi objeto de, praticamente, todas as consultas públicas recebidas por esta subcomissão”.
Faltam palavras para elogiar a motivação, mas ouso dizer que faltou adendo apenas para esclarecer se a decisão definitiva de mérito implica no julgamento dos embargos de declaração, ou não. Ao que parece óbvio sobre alguns olhares, é justamente essa a razão da decisão proferida, agora, pelo ministro André Mendonça no RE 1.072.485/PR, quando suspendeu todos os processos judiciais e administrativos fiscais que discutem a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias – a pendência dos embargos de declaração buscando a modulação dos efeitos da decisão definitiva de mérito proferida em agosto de 2020. 
No acórdão proferido em agosto de 2020, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, a Suprema Corte fixou a tese de que: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”; contudo, em razão da oposição de embargos de declaração, aguarda-se a decisão quanto à modulação dos efeitos e possibilidade de cobrança dos valores não pagos antes de agosto de 2020. 
Em conclusão, na linha do que já venho dizendo, os precedentes vinculantes em matéria tributária quando, e se, bem empregados, desde o processo de formação nos Tribunais Superiores até a aplicação no âmbito do processo administrativo fiscal despontam como importante instrumento apto a aprimorar o sistema, reduzir a macrolitigância fiscal e assegurar os direitos estabelecidos na Carta Magna. 
Trata-se, também, de aprofundar a reflexão quanto ao papel e a importância dos Tribunais Administrativos em matéria tributária, não apenas na redução do números de litígios que chegam aos escaninhos do Poder Judiciário, como pela contribuição que presta para uma melhor e mais ampla compreensão e discussão das questões jurídicas-tributárias e de suas possíveis repercussões.

carf

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JOTA

Quais os limites da vinculação do julgador do Carf?

Entre o sobrestamento no STF e a exigibilidade do crédito, há o Carf no meio

Há de se aprofundar também a reflexão quanto ao papel e a importância dos Tribunais Administrativos em matéria tributária