Wallace Corbo

Daniel Carvalho Cardinali

A pandemia obrigou o STF a repensar sua estrutura de funcionamento. Uma das mais consequenciais mudanças tem sido o aumento do uso do chamado plenário virtual, por meio do qual foram tomadas<a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/com-pandemia-stf-duplica-numero-de-julgamentos-no-plenario-virtual-31122020"> 90% das decisões proferidas em 2020</a>, consolidando <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-amplia-rol-processos-julgados-plenario-virtual-06062019">a tendência já sinalizada</a>, antes mesmo da pandemia, de que a ferramenta deixaria de ser usada somente para discussões “menores”, como a análise da repercussão geral. Atualmente, até mesmo ações de controle de constitucionalidade sobre matérias inéditas no tribunal vêm sendo julgadas pelo mecanismo.
Com a expansão recente do plenário virtual para a realização também de sessões extraordinárias em matéria urgente, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/julgamentos-virtuais-em-24-horas-podem-mudar-monocraticas-no-stf-09062021">com julgamento em 24 horas</a>, a capacidade da Corte de resolver com agilidade as demandas levadas aos ministros se expandiu em nível até então inconcebível. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/julgamentos-tributarios-no-plenario-virtual-do-stf-na-pandemia-um-novo-recorde-06082020">No campo tributário, por exemplo, uma sucessão de questões de interesse dos entes federados sobre ICMS e ISS e que estavam paradas há mais de uma década foram decididas ao longo de 2020 com rapidez quase vertiginosa</a>. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em que pese a impressão de que 2020 foi um ano em que o STF “queimou estoque” numa velocidade antes desconhecida, a acentuada redução do número total de processos que tramitam do STF é um procedimento que vem se consolidando ao longo dos anos, conforme indica <a href="https://transparencia.stf.jus.br/single/?appid=e554950b-d244-487b-991d-abcc693bfa7c&amp;sheet=ea8942c2-79fa-494f-bf18-ca6d5a3bfb43&amp;theme=simplicity&amp;opt=currsel&amp;select=clearall">gráfico produzido pelo próprio tribunal</a>:
Com isso, a Corte atingiu uma média de processos por ministros (certa de 2,3 mil) que se assemelha <a href="https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/priorizacao-do-1o-grau/dados-estatisticos-priorizacao/carga-de-trabalho-priorizacao/">à realidade encontrada nos demais órgãos e instâncias do Judiciário</a>. Considerando que os ministros contam com uma necessária equipe de apoio e de assessores para auxiliá-los no enfrentamento de questões complexas, é chegado o momento de reconsiderar a afirmação tradicional de que o STF é um tribunal sobrecarregado.
Essa conclusão tem repercussões normativas relevantes. Por um lado, não parece ser mais legítimo o recurso ao argumento da sobrecarga para justificar, por exemplo, a demora da Corte para decidir temas politicamente inconvenientes.
Mais importante, a redução do acervo do tribunal e a adoção de novos mecanismos de julgamento podem ser vistos como uma oportunidade para um “freio de arrumação” nos trabalhos do tribunal. Uma reestruturação da arquitetura decisória da Corte, que pode se dar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-evolucao-do-julgamento-virtual-no-stf-14012021">mediante alteração regimental</a>, poderia avançar o objetivo de implementação de modelos de julgamento capazes de <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/falta-de-manifestacao-no-plenario-virtual-do-stf-sera-considerada-abstencao-30062020">racionalizar</a> e melhorar qualitativamente o processo de tomada de decisão.
Trazemos, aqui, breves reflexões que permitiriam transformar as sessões de julgamento presenciais do STF em verdadeiro lócus de deliberação. Para isso, é preciso inicialmente considerar as vantagens e desvantagens trazidas por meio da adoção das sessões virtuais no STF.
Entre seus aspectos positivos, as sessões virtuais demonstraram como o lançamento dos votos em ambiente virtual pode ser adequado ao menos em importantes planos. No plano da transparência, o ambiente virtual permite conhecer imediatamente o teor do voto lançado. No plano da eficiência, o ambiente virtual permite a cada gabinete conduzir seus trabalhos na ordem mais adequada e parece, inclusive, ter incentivado a dispensa de votos escritos quando se trata de meramente acompanhar outros ministros ou ministras.
Em uma perspectiva republicana, as sessões virtuais também permitiram superar os diversos obstáculos ao julgamento de casos sensíveis, diante dos poderes difusos de ministros de controlarem a agenda do tribunal. É de se indagar se, nesses aspectos, esse modelo não supera a atual exposição da Corte na TV Justiça para a mera leitura de votos, tomando horas que em geral impedem a apreciação integral da pauta de julgamento.
Por outro lado, as sessões de julgamento virtual reúnem elementos indesejáveis. Notadamente em razão da sua opacidade, em especial quanto à capacidade de intervenção das partes e amici curiae no curso do julgamento. Tome-se como exemplo disso as sustentações orais. No ambiente virtual, as sustentações devem ser gravadas e encaminhadas com 48 horas de antecedência da sessão de julgamento. Uma vez encaminhadas, não se sabe como e com que atenção foram ouvidas. Também não se pode, pelo próprio mecanismo, reagir na sustentação a argumentos suscitados na manifestação oral de outras partes. Tampouco é possível reagir aos ministros, que apenas acessarão as sustentações posteriormente.
As sustentações orais são um bom fio condutor dessa reflexão, na medida em que, em tese, operariam como um mecanismo dialógico, em que as partes poderiam influenciar o julgamento do tribunal por meio da exposição oral de seus argumentos. Apenas em tese.
Em regra, o modelo anterior à pandemia concentrou as sustentações orais e a prolação dos votos em uma mesma sessão. Esse expediente reduz sensivelmente a influência que uma sustentação possa ter sobre votos muitas vezes já prontos quando do início da sessão. Daí que, por vezes, sustentações orais no STF acabassem servindo muito mais para a biografia de advogados do que para uma efetiva influência (ainda que raramente houvesse) sobre o posicionamento dos ministros. O que se diz sobre as sustentações orais também se aplica aos próprios ministros – que, enquanto procedem à leitura de votos, raramente dialogam entre si; quando não se tem a situação desconfortável em que, ao final do julgamento, inicia-se nova rodada de deliberação para o tribunal compreender o que se decidiu. A ponto reabre inclusive a saudável reflexão sobre mecanismos de superação do criticado modelo de deliberação agregativo e seriatim adotado no Supremo.
É possível então, coordenar racionalmente e de maneira eficiente as sessões presenciais (ou por videoconferência) e virtuais de forma a aproximar o modelo de deliberação do Supremo Tribunal Federal daquele já encontrado, por exemplo, na Suprema Corte dos EUA e em outros tribunais. No lugar de dedicar horas da grade de programação da TV Justiça e do expediente dos ministros à leitura de votos, as sessões presenciais poderiam ser dedicadas precisamente à escuta das partes e dos amici curiae – com efetivas arguições conduzidas pelos ministros com o objetivo de posterior prolação de seus votos. Nessa linha de raciocínio, o lançamento dos votos poderia, sem maiores prejuízos, ser realizado no ambiente virtual, mais uma vez racionalizando o processo decisório.
Essa proposta não exclui a possibilidade de, residualmente, serem preservadas as sessões presenciais no modelo tradicional de concentração dos atos processuais. Afinal, como apontou <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/plenario-virtual-stf-19032020">o ministro Marco Aurélio</a>, apenas o julgamento presencial permite a troca de ideias síncronas e a intervenção dos advogados durante a prolação dos votos para prestar esclarecimento. Nesse caso, para que seja mantido o sistema misto de julgamento – com plenário virtual e presencial – devem ser tornados claros os parâmetros para afetação de processos a um ou outro ambiente, para além da discricionariedade conferida a qualquer ministro nos termos do art. 21-B, §3º do RISTF.
Sem prejuízo dessa possibilidade, o Supremo parece ter à sua frente uma oportunidade antes inconcebível. Com o acervo reduzido, a Corte não mais necessita de uma incisiva limitação de novas ações e recursos, <a href="https://www.jota.info/justica/stf-precisa-reduzir-de-maneira-radical-numero-de-processos-diz-barroso-02082016">como propunha o ministro Luis Roberto Barroso quando o cenário era outro</a>. Agora é o momento, então, de o Supremo Tribunal Federal expandir seu potencial deliberativo, prestando uma jurisdição efetivamente dialógica e participativa, eficiente e racionalizada.
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JOTA

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