Eugênio Pacelli

Quando do julgamento da multiconhecida Ação Penal Originária 470, no Supremo Tribunal Federal, ressuscitou-se antiga norma recursal prevista – exclusivamente – no Regimento Interno daquela Corte, a tratar dos Embargos Infringentes em matéria penal, e, mais especificamente, nas ações originárias de competência daquele Tribunal. O endereço era e ainda é o conhecido art. 333 e seu parágrafo único do RISTF.
Para muito além do que ocorre nos embargos declaratórios, que, essencialmente, visam esclarecer dúvidas ou omissões das decisões judiciais e só excepcionalmente as modificam, os chamados embargos infringentes querem muito mais que isso. Procuram, na verdade, e a partir da existência de votos vencidos nos julgamentos dos Tribunais, verdadeira revisão da decisão, abrindo-se à possibilidade de reversão do resultado então obtido, e promovendo, pois, infringência ao julgado. 
Na legislação brasileira, o velho CPP, por primeiro, os contemplam no art. 609, autorizando a sua aplicação nos Tribunais de segundo grau, quando não unânime a decisão condenatória (não podem ser manejados nas decisões absolutórias). Já para os Tribunais Superiores – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça – a Lei 8.038/90, que regulamenta os procedimentos nas ações penais originárias, prevê o seu cabimento nas mesmas condições, e relativamente às decisões das Turmas. Por fim, e antes dela, o RISTF estabelecia os embargos infringentes contra condenações não unânimes, esclarecendo que nos julgamentos do Plenário o recurso somente seria cabível quando houvesse pelo menos 4 voto vencidos ou julgamento em sessão secreta. Por aí se vê bem a idade e a mentalidade de seu tempo...
O que importa, então, é: os embargos infringentes submetem a questão a novo julgamento. E um novo julgamento no mesmo Tribunal somente será possível quando diferentes os órgãos decisórios. Não se trata de repetição do julgamento, mas de sua revisão, repita-se. Por isso, acertadamente, tanto o art. 609, CPP, quanto o art. 29 da Lei 8.038/90 se referem ao julgamento de Turma, de modo a permitir a ampliação do Colegiado para a apreciação do recurso. Somente o art. 333, parágrafo único, do velho Regimento Interno do STF insiste em novo (?) julgamento pelo mesmo Plenário.
Ao tempo, então, daquele famoso julgamento da AP 470, não nos furtamos às críticas à aplicação do citado art. 333, parágrafo único, pelo STF. Nem o argumento do duplo grau de jurisdição salvava a tese: primeiro, porque ele se reporta, historicamente, à jurisdição ordinária e não àquela extraordinária; segundo porque a Constituição da República é livre e soberana para criar julgamentos por meio de ações penais originárias no Supremo Tribunal Federal; e, por último, se necessário ainda fosse, porque o duplo grau reclama dupla jurisdição, exigindo que a pessoa julgada por um juiz tivesse a possibilidade de ver a decisão condenatória submetida a um órgão diferente (Colegiado, em regra).
O que dizer então do art. 333, parágrafo único, do RISTF? Prevê o rejulgamento do processo pelo mesmo órgão da jurisdição, colocando a Corte em posição de Confessionário, à espera do arrependimento daqueles que votaram vencidos ou vencedores. E isso em um julgamento caracterizado, mais que qualquer outro, em qualquer Tribunal do país, pelo debate aberto e franco entre os Ministros, quando não extremamente alongado, durante a votação da matéria. Trata-se de norma evidentemente incompatível com a Lei 8.038/90, que lhe é superior hierarquicamente, e que prevê os infringentes apenas em caso de julgamento de Turmas.
Eis a questão: o STF não os previa! Isto é, as ações penais originárias eram sempre julgadas pelo Plenário! Por isso, a quase nenhuma aplicação do art. 333, parágrafo único, do RISTF, já que não se tem muitas notícias sobre condenações com 4(quatro) votos vencidos naquela Casa!
E eis a novidade: o Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa, e por meio da Emenda Regimental 49/2014, alterou seu Regimento Interno, estabelecendo que o Plenário julgará as ações penais originárias apenas nas hipóteses em que o Presidente e Vice-Presidente da República, o Presidente das Casas do Congresso, os próprios membros do STF e o Procurador-Geral da Repúblicas forem réus. Nos demais casos – maioria esmagadora – caberá o julgamento às Turmas do STF.
Assim, não como penitência ou sequer arrependimento, mas com a altaneira postura que caracteriza a Corte, sabedora de sua enorme responsabilidade política e jurídica, o Supremo reconduziu os embargos infringentes ao seu leito de origem, também para as ações penais nos Tribunais. Não temos dúvida, aliás, que mesmo quando uma próxima oportunidade apresentar o julgamento de ação penal originária pelo Plenário, aquela Corte não manterá a validade do tantas vezes citado art. 333, parágrafo único, do RISTF. E, quem sabe, possamos, então, nos esquecer daquele insuportável maniqueísmo forjado à base da fogueira dos condenados versus o silêncio dos inocentes, tal como armou-se no julgamento da AP 470.

judge gavel

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JOTA

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