Flávia Treiger Grupenmacher

Já virou até clichê, mas todo clichê nasce por algum motivo. Quem é mulher e acompanha o futebol já ouviu, em algum momento, essa provocação: “Ah, é? Você gosta de futebol? Então me explica aí, o que é um impedimento?”.
Que o futebol é desigual entre os gêneros, todos sabemos. Assim como todos os demais âmbitos do esporte e da vida, no futebol os homens são privilegiados, sim, mas meu objetivo não é ser repetitiva. Queria aproveitar este espaço, o clima de Copa do Mundo para responder essa provocação de uma maneira um pouco diferente.
Então, o que é um impedimento?
Para que um impedimento seja declarado, as árbitras precisam levar em conta dois principais aspectos: posicionamento e influência da jogadora supostamente impedida. Quando há a irregularidade do impedimento, significa que a jogadora não pode continuar a jogada, considerando a posição em que se encontra no campo.
Mas quando há o impedimento? O impedimento é marcado quando uma jogadora que possua influência na jogada que está sendo desenvolvida encontra-se posicionada de frente para a goleira adversária sem ninguém do time adversário entre elas, ou, ainda, quando a jogadora se encontra mais próxima da linha de fundo do que a bola. Porém, mesmo que uma jogadora esteja em posição de impedimento, ele só é marcado quando aquela jogadora tiver alguma influência, direta ou indireta, na jogada em desenvolvimento.
Meu objetivo, todavia, não é explicar o que é a posição de impedimento; para isso, incansáveis fontes esportivas e o próprio regulamento do esporte são suficientes. O objetivo é questionar: por que a regra do impedimento existe?
Veja, a regra do impedimento foi pensada a fim de evitar que o time se encontre com uma vantagem tão grande, que torne o jogo não competitivo. A regra do impedimento, portanto, serve para que a vantagem não seja excessiva a ponto de se tornar quase impossível que o time adversário impeça a jogada de acontecer. O objetivo, vejam só, é manter a paridade, a isonomia, a competitividade e a justiça dentro dos campos.
Pensem na ironia: a regra que define se uma mulher pode ou não se declarar fã do futebol foi pensada, justamente, para evitar vantagens desleais, desigualdades escancaradas e injustiças que tornem o jogo “injogável”. Mas não é justamente isso que nossas jogadoras enfrentam diariamente? Ainda que dentro de campo tenhamos ótimas árbitras, equipes de arbitragem e agora até o árbitro de vídeo (VAR) que cuidadosamente analisa o impedimento a fim de tornar o jogo justo, onde fica essa dedicação para reconhecer os casos de impedimento com relação aos demais direitos?
Não deveríamos nos preocupar se há irregularidade de vantagem indevida, de concorrência desleal, de desigualdade nos demais âmbitos? No futebol em si, entre homens e mulheres, mas também no orçamento, no direito tributário, nos direitos trabalhistas, sucessórios, enfim, nos direitos fundamentais?
Com tamanha preocupação se nós sabemos explicar um impedimento, me impressiona que os fãs de futebol não percebam a irregularidade escancarada em absolutamente todos os aspectos das nossas vidas.
Já está batido, todos reconhecemos: a posição dos homens é irregular. Eles recebem o passe no pé, dominam sem esforço e chutam para o gol sem maiores obstáculos, enquanto o time feminino se esmera no campo de defesa para conseguir montar uma movimentação básica e inicial, com formação mínima para jogar, porque até a presença em campo nos é negada, os jogadores homens trocam passes e goleiam impedidos, sem que a irregularidade seja marcada.
Isso porque me limitei a análise básica e bem superficial entre homens e mulheres: acaso juntarmos os fatores de classe, raça, sexualidade, etnia, acessibilidade etc. na equação, infelizmente, o buraco é ainda muito mais embaixo. A verdade é que não temos muitas vezes nem partida a ser jogada, porque não temos jogadoras escaladas.
De cá, seguiremos lutando pela igualdade mínima para que, escaladas para jogar, ao menos as regras mais básicas, como a do impedimento, sejam respeitadas. Para que o jogo se torne justo e competitivo de verdade, para que as mulheres, na vida fora de quadra, consigam, o mais rápido possível, fazer o que as nossas meninas fizeram na Copa do Mundo de 2023: um jogo lindo, limpo, justo e coeso, que ensina muito a muito futebol masculino por aí. Com dificuldades, como tudo na vida, mas com muita garra para enfrentá-las.
Seguiremos torcendo por elas dentro e fora de quadra, por um futebol mais igualitário, e por uma sociedade em que não questionemos só às mulheres se elas sabem o que é impedimento, ou se elas servem ou não para o futebol, mas que as posições irregulares sejam foco de atenção de todos, e erradicadas, o mais rápido possível.
Se vocês, homens, sabem tão bem o que é o impedimento, levantem a bandeira vocês também. O impedimento é claro, a posição dos homens no nosso cenário é evidentemente irregular, não precisamos de árbitro de vídeo, vocês sabem disso, e – pasmem – nós também sabemos. Impedimento é o que enfrentamos todos os dias, e estamos cada vez mais com a visão treinada para marcá-los.
Foi lindo de ver a seleção na Copa do Mundo, mesmo que o resultado não tenha sido o esperado. Foi lindo ver o país em comoção. Que sigamos apoiando nossas mulheres, em todos os âmbitos.

futebol

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JOTA

É o que nós, mulheres, enfrentamos todos os dias, e estamos cada vez mais com a visão treinada para marcá-los

&#8216;Então me explica aí o que é um impedimento&#8217;: desigualdade de gênero no futebol

'Então me explica aí o que é um impedimento': desigualdade de gênero no futebol

Impedimento é o que nós, mulheres, enfrentamos todos os dias, e estamos cada vez mais com a visão treinada para marcá-los