Wallace Corbo

Lucas Diettrich

José Bento Armond

A pandemia da Covid-19 trouxe à tona uma série de obstáculos enfrentados pelo Estado na resposta às novas e antigas demandas sociais. Especialmente em um contexto como o brasileiro, marcado pela desigualdade extrema e pela discriminação histórica, esses obstáculos afetam de maneira desproporcional e sob diversos ângulos as parcelas pobre, periférica, preta, indígena e quilombola da população.
As dificuldades no plano das políticas públicas e da prestação de direitos fundamentais são ainda intensificadas na medida em que <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-supremo-problema-racial-29062020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o poder público deixe de considerar especificamente as necessidades que esses grupos sociais apresentam,</a> agravando processos de invisibilização social e potencializando o quadro de discriminação indireta que já existia muito antes da pandemia.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato" rel="attachment wp-att-291327"><img class="size-medium wp-image-291327 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/11/jota-pro-poder-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Cabe, aqui, uma breve conceituação. Quando falamos em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/discriminacao-indireta-o-que-e-e-como-supera-la-09112017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">discriminação indireta</a>, nos referimos ao fenômeno pelo qual normas, práticas ou políticas públicas que condicionam o acesso a direitos ou oportunidades sociais produzem efeitos discriminatórios contra determinados grupos.
Diferentemente do que se passa nos casos de discriminação direta, em que as normas adotam parâmetros expressa e/ou intencionalmente discriminatórios (por exemplo, uma política de contratação de uma companhia que exclua mulheres), na discriminação indireta as normas discriminatórias são aparentemente neutras.
A discriminação como negação de direitos é consequência, nestes casos, de estruturas sociais que antecedem e permeiam essas normas, produzindo os efeitos discriminatórios não necessariamente antecipados.
É o que acontece, por exemplo, se um concurso público prevê prova de resistência física que, apesar de igualmente aplicável a todos os candidatos e de eventualmente ter alguma relação com a função a ser exercida, acaba produzindo o efeito de excluir as candidatas mulheres, favorecendo homens.
No plano mais amplo de elaboração e execução de políticas públicas, a discriminação indireta pode implicar ora em negação de direitos fundamentais, ora em sua prestação insuficiente para grupos em situação de vulnerabilização e marginalização social. É o caso da prestação do direito à educação no cenário pandêmico atual.
<blockquote class="jota-article__eye">O setor da educação – sobretudo a educação pública – foi especialmente afetado pelas medidas de isolamento social estabelecidas pelo poder público, notadamente diante da proibição da realização de aulas e atividades presenciais.</blockquote>
De um lado, o fechamento das escolas públicas produziu efeitos sociais danosos que vão além da educação – para muitos alunos, a escola é um dos mais importantes provedores, por exemplo, de alimentação; para a família, especialmente mães solteiras, é à escola que se confia o cuidado da criança, permitindo o exercício de atividade profissional ao longo do dia.
De outro, mesmo no campo do ensino propriamente dito, as medidas de isolamento social impactam de maneira desproporcional a parcela mais pobre e predominantemente negra da população: afinal, tanto para alunos, quanto para escolas, é difícil – senão inviável – o acesso às tecnologias necessárias para a realização de aulas remotas.
Vale destacar que essa dificuldade atinge desde a infraestrutura de telecomunicações propriamente dita – <a href="https://l.messenger.com/l.php?u=https%3A%2F%2Fwww.correiobraziliense.com.br%2Feuestudante%2Feducacao-basica%2F2020%2F09%2F4873174-cerca-de-seis-milhoes-de-alunos-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet.html&amp;h=AT3qph2RPq1wV6rQgWWHxYW8FOMDHtkq1-EKzfZsHYCvohbYvlPNJxpUB0K62RjSdJoowX-6w8ulZXpP5_W4NeuAMXBISFqvxthE4SVrcLjVoOp_iSP9XTxlWZMmnLZT6snK2VtPAET_FO9v9hGU7Q" target="_blank" rel="noopener noreferrer">segundo o IPEA</a>, cerca de seis milhões de alunos não têm acesso à internet no Brasil, sendo 99% deles pessoas pobres – até a obtenção de equipamento e licenças de software pelos alunos e pelas próprias escolas.
Se, por um lado, pode-se dizer que as medidas de isolamento social foram necessárias para combater com alguma efetividade a ainda maior disseminação da Covid-19, por outro, o poder público não pode ignorar a forma pela qual as necessárias medidas sanitárias podem intensificar desigualdades sociais.
Pelo contrário, como decorrência do comando do artigo 3º, inciso IV, da Constituição, cabe ao Estado o papel ativo de combater discriminações de toda sorte, principalmente em cenários de extrema calamidade pública como o atual.
Nos últimos meses, não faltaram exemplos de como o Estado pode atuar positivamente para mitigar os impactos desproporcionais da pandemia no acesso à educação. No Maranhão, o governador Flávio Dino (PCdoB), buscando reduzir impactos desproporcionais sobre estudantes da rede pública, <a href="https://www.educacao.ma.gov.br/governo-distribuira-90-mil-chips-com-internet-estudantes-da-3a-serie-da-rede-publica-estadual-de-ensino/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">implementou medidas de distribuição de chips de internet para os alunos do ensino médio da rede estadual</a>, minimizando assim as perdas acadêmicas.
Em São Paulo, nesse mesmo sentido, o prefeito Bruno Covas (PSDB) realizou a <a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/21/prefeitura-de-sp-diz-que-vai-comprar-465-mil-tablets-para-alunos-de-escolas-municipais-10percent-nao-fizeram-login-nas-aulas-online.ghtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">distribuição de mais de 465 mil tablets aos alunos da rede municipal</a>, possibilitando um aprimoramento das condições de ensino da rede pública durante a pandemia.
No município do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes indicou a possibilidade de adotar medidas semelhantes, sendo certo que, no Estado, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) já <a href="https://www.uerj.br/noticia/uerj-amplia-inclusao-digital-com-oferta-de-tablets-aos-estudantes-alem-de-chips-e-auxilio-a-cotistas/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">estabeleceu programa de inclusão digital</a> que fornece tablets, chips e auxílio técnico aos estudantes cotistas.
A partir desses exemplos pontuais, percebe-se que não há resposta para as graves desigualdades sociais acentuadas pela pandemia que não perpasse algum nível de gasto público – o que mais uma vez nos impõe refletir acerca das limitações impostas pela Emenda Constitucional nº 95/2016 e a incompatibilidade entre o discurso da austeridade subjacente ao teto de gastos e o compromisso constitucional de combate à desigualdade social.
Por outro lado, mesmo com o advento das vacinas – em momento, no Brasil, cada vez mais incerto – vê-se que a tendência no ensino público é a retomada gradual das atividades, possivelmente passando por um modelo de ensino híbrido antes de retomar-se a presencialidade integral.
Significa que, mesmo em um segundo momento, após o ápice da crise pandêmica, o Estado seguirá sendo chamado a fazer escolhas importantes – como quem retornará nesse modelo híbrido e quem preferencialmente permanecerá em casa.
Não só deverá, ao fazer essas escolhas, manter o compromisso com as medidas ativas de combate às desigualdades sociais (já adotadas ou a serem adotadas), como também precisará considerar uma <a href="https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/publicum/article/view/28826" target="_blank" rel="noopener noreferrer">pergunta preliminar e essencial</a>: como a pandemia afeta de maneira desigual diferentes grupos de estudantes, escolas e professores, profissionais terceirizados e servidores técnico-administrativos?
E, além disso, uma outra: quais políticas públicas podem ser adotadas no sentido de minimizar esses impactos desproporcionais aos grupos marginalizados?
É apenas por meio de um compromisso efetivo com medidas ativas de combate à discriminação indireta na pandemia, de um lado, e de adoção de uma postura permeável às diferentes realidades e desigualdades sociais, de outro, que poderemos buscar caminhos para conter o avanço de danos ainda incomensuráveis que a crise econômica, sanitária e política do coronavírus causou sobre o tecido social brasileiro.
Nesse sentido, pensar em formas alternativas e socialmente eficazes de resolução de nossos problemas mostra-se não só importante ao estudo técnico do cenário pandêmico e pós-pandêmico, mas também uma grande necessidade nacional diante da crise.
“Este artigo expressa a opinião dos autores, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.”
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

Escola_Lucas-Sabino

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JOTA

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