Luciano de Souza Godoy

Retomo hoje o tema da advocacia em tempos de crise, <a href="https://www.jota.info/a-advocacia-na-crise-economica">que já tratei há algumas semanas</a>. Chamou-me a atenção esta semana a aprovação pela Câmara dos Deputados da Medida Provisória 681 que amplia o limite do crédito consignado de 30% da renda do tomador do empréstimo para 35%; segue agora para deliberação do Senado da República e possivelmente será aprovada nos próximos dias.
É notório que, nos últimos anos, fruto de uma bem sucedida política pública de inclusão no crédito, inúmeros brasileiros passaram a consumir; e mais, passaram a consumir a crédito, movimentando a economia e estimulando indústria e comércio. Isso não é surpresa ninguém.
As modalidades de tomadores de crédito podem ser divididas em várias prateleiras. Produtos financeiros são itens de varejo e o consumidor acessa cada um conforme seu desejo, sua necessidade e especialmente seu anseio.
O crédito consignado foi regulado pela Lei 10.820/2003 e abriu as portas de crédito para um número vasto de famílias, trabalhadores da indústria formal, funcionários públicos, aposentados, isto é, todo aquele que possui uma fonte de renda fixa, gerada por um folha de pagamento, da qual é descontada a parcela mensalmente. Veio em boa hora. Trouxe a formalização por meio de empréstimo bancário para um camada da população que em regra procurava os agiotas, instituição diabólica ainda presente no país, felizmente cada vez com menor intensidade.
Estipula a lei o limite de 30% como teto da parcela – teto esse que agora se ampliará para 35%. Há aqui dois pontos a serem destacados. A preservação de um valor para a manutenção e subsistência da pessoa, impondo a ela e a própria instituição financeira um limite para proteger o tomador do crédito e a própria instituição de eventual inadimplemento. Ora, o teto é uma dupla proteção – ao indivíduo e ao Banco.
E há inadimplência no crédito consignado. Se por qualquer motivo, o mutuário baixa sua renda (caso de fixação de pensão alimentícia, por exemplo), parte da parcela não pode ser deduzida, havendo inadimplência parcial.
No entanto, muitos outros empréstimos e financiamentos não são incluídos na modalidade de empréstimo consignado e, por isso, ficam à margem do teto. Exemplo – financiamento de automóvel, de eletrodomésticos, de financiamento imobiliário e, outros ainda, contratados diretamente com Bancos sem garantia – cheque especial (ou crédito rotativo) e limite do cartão de crédito.
E hoje, no momento de crise no país, um crise econômica com redução de emprego e renda, desemprego em alta, as famílias estão passando de endividadas para superendividadas - empréstimos de várias naturezas, parcelas de financiamentos, aumento colossal das taxas de juros ao consumidor, tudo isso gera um superendividamento, algumas vezes até mesmo involuntário, decorrente de perda de renda. O comprometendo vai além dos 30% do que as pessoas como salário ou aposentadoria.
Não é o momento de o Congresso Nacional aprovar uma aumento do teto do crédito consignado!
Notemos que cada modalidade de empréstimo à pessoa física possui uma lógica de garantia diferente – ou é um bem móvel ou imóvel (na aquisição de veículo ou imóvel), ou é o salario (no caso do crédito consignado); ou mesmo é o patrimônio da família ao falarmos de cheque especial e cartão de crédito. Entretanto, no fim do dia, a soma das parcelas compõem um valor a ser subtraído da renda da pessoa ou da família, havendo de sobrar um outro tanto para as despesas básicas – alimentação e vestuário, moradia, transporte, educação e lazer.
Uma possível solução se encontra nas regras do cadastro positivo – Lei 12.414/2001 – que hoje é optativa. Por outro lado, o STJ considerou legal o sistema de credit scoring em recurso especial repetitivo – autos n. 1.457.199. Não há como fugirmos da possibilidade de usar uma análise conjunta dos dados de endividamento de um consumidor para analisar o seu risco de crédito, protegendo-o, bem como sua família; e, por outro lado, retirando do Banco o risco de empreender um empréstimo com alto risco de retorno.
O endividamento é bom, constitui meio de crescimento do país, da economia, forma de se acumular patrimônio e bens por meio de empréstimos bancários; o superendividamento é ruim, traz angústia, problemas familiares. E, diferentemente do que acreditam alguns, os Bancos não o querem e trabalham para evitá-lo, traz prejuízos e afasta pessoas que poderiam ter uma relação comercial e saudável com o Sistema Financeiro. Tanto assim que é continuo o apoio dado pela FEBRABAN – Federação Nacional dos Bancos – às semanas da conciliação, promovida pelos Tribunais de Justiça, com incentivo do Conselho Nacional de Justiça.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 283 de 2012 que adapta o Código de Defesa do Consumidor aos novos tempos, trazendo inclusive um novo capítulo sobre superendividamento, que assim conceitua - Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa natural, de boa-fé, de pagar o conjunto de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, que comprometa seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. Este sim viria em boa hora se aprovado; aguarda tramitação no Senado da República, na sua Comissão de Constituição e Justiça.
O tema do superendividamento virá à discussão nos próximos tempos, em razão da crise econômica; no entanto, diferente das empresas e sociedade, não temos o instituto da recuperação judicial para pessoas físicas. Continuamos caminhando pela judicialização dos conflitos bancários, buscando solução nas conciliações e mediações como forma de superar o superendividamento.
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Luciano de Souza Godoy, 45 anos, Advogado em São Paulo, sócio do PVG Advogados, Professor da FGV Direito SP, ex-Juiz Federal. É mestre e doutor em Direito pela USP e foi Visiting Scholar na Columbia Law School.

Congresso Nacional

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JOTA

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Endividamento e superendividamento

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