Rodrigo Trindade

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor">#pergunte ao professor</a>.
Neste episódio de nº 70 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte: 
Pergunta ► As empresas podem exigir o certificado de vacinação de seus empregados?
Resposta ► Com a palavra, o professor Rodrigo Trindade <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-saude.png" width="688" height="688" /></a>
A vacinação é medida necessária não somente para promover a saúde individual do trabalhador, mas como ação compartilhada para efetivação da saúde coletiva. De um lado, há dever imposto ao empregador de garantir a segurança de todos os que laboram em suas dependências; de outro, cumpre ao empregado cumprir todas as normas legais e particulares de saúde pública, e executar cuidadosamente seu ofício.
Está consolidado na Constituição Federal ser dever do empregador manter meio ambiente de trabalho sadio, seguro e equilibrado, além de ter a obrigação de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 225, caput e artigo 7º, XXII da CRFB). Tais medidas devem ser observadas, não só em razão da preservação da saúde dos demais empregados e de suas famílias, mas também para a proteção de clientes, parceiros e visitantes.
A normativa brasileira é clara e direta sobre haver direito dos empregados à redução de riscos, mediante normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII). Em instrumentalização, os artigos 157 e 158 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) afirmam ser dever das empresas cumprir e fazer cumprir normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, cabendo aos empregados o cumprimento dessas determinações. Ainda, a Norma Regulamentadora n°1, item 1.4.2, estabelece que empregados devem seguir as ordens patronais sobre saúde e segurança.
Especificamente em relação às vacinas, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6259.htm">Lei nº 6.259/1976</a>, em seu artigo 3º, reconhece as imunizações como obrigatórias, inseridas no Programa Nacional de Imunização (PNI). No tratamento da Covid-19, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm">Lei nº 13.979/2020</a> expressamente determinou a possibilidade de vacinação compulsória, reconhecida como uma das medidas mais importantes de combate à epidemia (artigo 3º, III, “e”).
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade de tal legislação, e o fez por meio do julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade, ADI nº 6.586 e 6.587. O órgão de cúpula do Judiciário Brasileiro afirmou ser constitucional e obrigatória a vacinação, registrada em órgão de vigilância sanitária, e integrada no PNI. Ou, pelo menos, desde que haja obrigatoriedade declarada por lei, ou determinação efetuada pela União, estados, municípios ou Distrito Federal, sempre com base em consenso médio científico.
A vacinação é não apenas medida de proteção pessoal, como também ação de preservação coletiva da vida. E, assim, sem se tutelar a coletividade, toda convivência fica comprometida. Nesse sentido, o STF também esclareceu que, para a validade, dessas restrições, há necessidade de: a) existência de evidências científicas; b) realização de análise estratégica; c) ampla informação; d) respeito à dignidade humana; e) atendimento de critérios de razoabilidade e proporcionalidade; f) distribuição universal e gratuita da vacina.
É importante esclarecer que vacinação compulsória não se confunde com vacinação forçada realizada em animais. Não se cogita que, militarmente, sejam inoculados imunizantes contra a vontade de cidadãos. Qualquer pessoa pode recusar, mas deve aceitar o resultado de medidas indiretas, com consequentes restrições de certas atividades ou frequência a lugares públicos. A vedação de trabalho presencial de empregado é precisamente hipótese do efeito da opção individual pela negativa de imunização.
Todos esses aportes normativos e jurisprudenciais indicam haver regularidade na exigência por parte do empregador do atestado de vacinação para empregados que realizam serviço presencial. Empregados também podem, em substituição, apresentar justificação médica pessoal que não recomende vacinação, mas sempre a partir de condições fisiológicas próprias e atestadas por profissional habilitado.
Apesar de todas essas orientações, o Ministério do Trabalho apresentou, em 1º de novembro de 2021, a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mtp-n-620-de-1-de-novembro-de-2021-356175059">Portaria nº 620</a>, que, entre outros conteúdos, busca fixar equiparação entre exigência de atestado de vacinação com as condutas incontestavelmente discriminatórias contidas na Lei nº 9.029/1995. A partir disso, pretende proibir que a negativa de apresentação de atestado de vacinação possa servir para contratação de novos empregados ou subsidiar dispensas por justa causa.
Há fortíssimas dúvidas sobre constitucionalidade material e formal dessa portaria ministerial, a qual, aliás, já é contestada no Supremo Tribunal Federal e no próprio Parlamento, com projetos de decreto legislativo para sustar efeitos.
A União é o ente federativo que tem reservada a atribuição de definir regramentos gerais sobre direito do trabalho. Como bem reza o artigo 22, I, da Constituição Federal, apenas o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre o Direito do Trabalho.
Nesse contexto, a atribuição normativa geral reservada ao Ministério do Trabalho é bastante limitada, atuando, basicamente em duas formas: a) definir regramentos gerais apenas naquilo em que a lei lhe expressamente outorga – caso das normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho; b) estabelecer orientações regulamentadoras às disposições legais, permitindo a instrumentalização detalhada do que está determinado nas espécies normativas superiores – caso, por exemplo de disposições sobre forma de adoção do ponto eletrônico.
Em paralelo, as portarias ministeriais ainda têm atribuição interna corporis: mantêm função de orientar os agentes dos próprios órgãos produtores do normativo. Assim, nas questões que possam se mostrar de interpretação incerta, decretos e portarias indicam o modo com que agentes da Administração devem se portar, definindo padrões certos de conduta e permitindo uniformidade de procedimentos.
A portaria MTP nº 621/2021 não traz nenhuma dessas hipóteses. De modo absolutamente distinto ao seu espaço reservado no arcabouço jurídico nacional, terminou por fabricar hipótese de discriminação na relação de emprego.
A afirmação da exigência de atestado de vacinação como conduta potencialmente discriminatória na relação de emprego é concepção, no mínimo, de forte controvérsia. Não há nenhum indício que possa ser tomada como circunstância potencialmente imaginada pelos legisladores das <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9029.htm">Leis 9.029/1995</a> e <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm">13.146/2015</a>, ou de alguma forma equivalentes aos valores expressamente indicados. Gênero, raça e cor – esses sim – são elementos universalmente reconhecidos como impeditivos de discriminação e não podem ser transformados como equivalentes à exigência de atestado de vacinação.
Exorbitando-se as hipóteses de discriminação, não há, portanto, como se considerar atendimento de propósito regulamentador da Lei nº 9.029/1995.
Por fim, quanto à materialidade, a curiosa concepção de direito individual da Portaria nº 620/2021 vai de encontro à natural inserção que qualquer direito individual possui em ambiente coletivo. E ainda, em arremate, avança na redução de todo esforço para superação de uma pandemia.
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empresas podem exigir vacinação

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JOTA

Qualquer pessoa pode recusar a vacina, mas deve aceitar o resultado de medidas indiretas, com consequentes restrições de atividades

Empresas podem exigir vacinação de seus empregados?

Qualquer pessoa pode recusar a vacina, mas deve aceitar o resultado de medidas indiretas; assim, empresas podem exigir vacinação