Pandemia

Empresas em recuperação judicial pré Covid-19

Medidas cabíveis para cada fase do processo

Crédito: Carlos Bassan/Fotos Públicas

Talvez a expressão já esteja vergastada, mas é necessário que se repita, para contextualizar o tema, que o mundo está em “crise”. Filósofos e sociólogos vêm debatendo a origem dessa “crise” e, aqueles que se posicionam à mercê de ideologias socialistas, a encontram nos valores do mercado.

De outra banda, aqueles que tendem para a conduta libertária, enxergam o mercado justamente como a solução para essa “crise”, que se instala sempre que o Estado procura engessar as atividades dos organismos privados. Não obstante essas soluções divergentes, parece que chegamos a um ponto em que nem um, nem o outro lado arriscam soluções definitivas para o atual cenário mundial.

Algumas atividades foram afetadas de forma desastrada, de modo que dificilmente se consegue enxergar saída para elas, enquanto outras, contra todas as expectativas, passaram a ter rentabilidade que superam marcas anteriores.

Se a crise é instalada a partir de uma “doença”, o pressuposto é de que as atividades hospitalares deveriam ser alavancadas positivamente. A constatação empírica, no entanto, demonstra que os hospitais privados estão sofrendo talvez a queda mais brusca de faturamento que já tiveram.

Esse esquema polivalente da “crise” é que vem a ela emprestar o sentido mais claro usado pelo legislador no artigo 47, da Lei 11.101/05. E superar o estado de crise econômico-financeiro da empresa é o imperativo a ser perseguido.

A primeira grande pergunta é: como se proceder para essa superação? A segunda: existe um esquema programático para todas as empresas? E, uma terceira ainda: a empresa já combalida e em estado de recuperação judicial, pode e deve ser auxiliada a superar a nova crise?

Nosso foco, nessa breve análise, vai centrado nas empresas que já estavam em dificuldade, já tendo pedido recuperação judicial antes da atual pandemia.

Nessa linha, é possível separar tais empresas em 3 grupos diferentes: 1) empresas que haviam recém ajuizado sua RJ e sequer tinham apresentado seu plano de recuperação judicial (PRJ); 2) empresas que já tinham apresentado seu PRJ mas ainda não tinham a RJ concedida; 3) empresas que já estavam com o PRJ aprovado e haviam iniciado a fase de cumprimento.

Quanto ao primeiro grupo, que certamente ainda estaria com o período de stay vigente, entende-se que o mais recomendável seria um pedido de prorrogação do prazo para a apresentação do PRJ, para que seja possível uma reanálise do quadro econômico-financeiro da empresa e eventual reestruturação do plano de viabilidade econômica e do próprio PRJ, diante do novo cenário.

A importância da medida é flagrante, vez que as perspectivas iniciais de superação da crise provavelmente sofreram radicais mudanças nesse período de incertezas, algumas das quais já poderiam ser minimamente medidas e realinhadas pela recuperanda.

No segundo grupo, de outra vertente, estão as empresas que já tinham apresentado seus planos de recuperação, mas ainda não tinham realizado assembleia geral de credores ou em favor delas proferida decisão de concessão da recuperação judicial.

Para essas empresas, na prática, a primeira medida tem sido o pedido de prorrogação do stay. Isso é, a continuidade do período em que não correm ações e execuções com caráter expropriatório dos bens das recuperandas.

Esses pedidos, de forma geral, vêm sendo deferidos pelos tribunais pátrios, seja pela sensibilidade em relação situação atual, seja pela própria orientação de diversos tribunais – pré Covid-19 – de que, se o atraso não se deu por culpa da recuperanda, o stay pode, de modo geral, ser prorrogado até a data da AGC[1].

Ademais, as estratégias das empresas, nesse cenário, podem ser as mais diversas possíveis. Há aquelas que enxergarão a nova crise como uma possibilidade ímpar de aprovação do plano como havia sido inicialmente proposto.

Acerca desse ponto, diversos reestruturadores empresariais entendem que, diante desse cenário de incertezas, não sendo possível ainda medir os riscos com exatidão, muitos credores podem estar inclinados a aceitar deságios mais elevados, ou um maior número de parcelas.

A conversa extra autos, nesse caso, é essencial para medir a temperatura. Outras empresas estarão mais inclinadas a pedir a postergação da AGC e a apresentação de plano modificativo. Alguns pedidos nesse sentido já foram aprovados[2].

Aqui entra um tópico que tem sido foco de debates recentes: considerando essa alteração de cenário, que certamente atingiu de forma mais ou menos abrangente a empresa em recuperação, não deveria a recuperanda necessariamente apresentar novo plano de viabilidade econômica?

Não seria algo extremamente recomendável, notadamente visando a dar maior transparência e paridade informacional em relação aos credores? Não teriam estes o direito de saber em que estado se encontra a empresa antes de votar o PRJ? Exigências nesse sentido por parte do magistrado poderiam ocasionar dirigismo estatal ou intervenção judicial desarrazoada? A complexidade das respostas exigirá seu enfrentamento em trabalho específico sobre o tema.

Finalmente, há as empresas que se encontram no terceiro grupo, isto é, aquelas que já tiveram seus planos aprovados e homologados e encontram-se em fase de cumprimento. Para estas, o que se tem visto são pedidos de prorrogação ou de suspensão das parcelas dos PRJ. Sobre esse tema, conforme conclusões extraídas recentemente[3], os tribunais pátrios têm exigido alguns requisitos específicos para que pedidos nesse sentido sejam deferidos[4].

O primeiro é o de que a recuperanda demonstre que vinha cumprindo seu plano de recuperação judicial e, por conseguinte, de que a pandemia não está sendo utilizada como válvula de escape para descumprimentos anteriores, em consonância com o previsto na parte final do artigo 393, do Código Civil.

Tal dispositivo, vale destacar, vem sendo utilizado como corolário para a maioria das citadas decisões. Busca-se, assim, evitar comportamentos oportunistas pelas empresas, condicionando o afastamento da mora à efetiva demonstração de que esta não vinha ocorrendo antes da crise pandêmica.

Ademais, tem-se considerada essencial a demonstração probatória de que o pedido de prorrogação possui relação direta e imediata com a crise atual. Alguns pleitos de prorrogação foram indeferidos ou parcialmente deferidos por falta de robustez probatória quanto ao nexo de causalidade entre os eventos decorrentes da pandemia e a impossibilidade de pagamento.

O terceiro aspecto que tem sido considerado como relevante, em hipóteses como aquelas ora tratadas, é a necessidade de acompanhamento da questão pelo MP e pelo administrador judicial.

Nesse particular, em ao menos dois casos do Paraná, a juíza titular da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba deferiu a prorrogação do pagamento de parcelas das Classes III e IV por 180 dias. No entanto, destacou que a decisão poderia ser alterada após fiscalização do administrador judicial.

Além dos pedidos de prorrogação de parcelas, algumas empresas têm pleiteado alteração, ainda que temporária, do próprio plano de recuperação judicial. Aqui, entende-se que o mais recomendável seja a submissão da decisão à própria AGC, dando aos credores o poder de decidir sobre o destino da empresa.

Para tanto, seria interessante conceder prazo de respiro para a empresa poder estruturar o aditivo ao PRJ e seu plano de viabilidade econômica. Na sequência, as alterações seriam submetidas à AGC, podendo esta aprová-las ou rejeitá-las – seguindo a recuperação judicial conforme plano original.

Isto é, ainda que não aprovada a proposta de alteração do plano, isso não teria o condão de caracterizar a quebra do devedor, nos termos do artigo 56, §4º, da Lei 11.101/05, já que o status quo ante se traduz na manutenção do plano originalmente aprovado.

De um modo ou de outro, todos esses pontos serão afetados caso tenhamos a aprovação e a sanção do Projeto de Lei nº 1.397, atualmente sob apreciação do Senado Federal.

 


[1] Para o primeiro grupo, exemplificativamente, decisão de mov. 1738.1, dos autos nº 0012912-74.2019.8.16.0185, da 2ª Vara de Falências e RJ de Curitiba/PR. Para o segundo, a decisão de autos nº 0035171-19.2017.8.26.0100, da 1ª Vara de Falências e RJ de São Paulo/SP, bem como decisão de mov. 563.1, autos nº 0009969-84.2019.8.16.0185, da 1ª Vara de Falências e RJ de Curitiba/PR.

[2] Vide decisão de mov. 20752, autos de nº 0007533-29.2015.8.16.0045, da 1ª Vara Cível de Arapongas/PR.

[3] Conforme painel promovido, no dia 18 de maio de 2020, pelo RJF de Salto.

[4] Exemplificativamente, as decisões de mov. 8931.1 e 6164.1, dos autos de nº 0006565-29.2015.8.16.0035 e nº 0033079-54.2015.8.16.0185, respectivamente, ambos da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba/PR. Ainda, decisão dos autos nº 1024091-12.2014.8.16.0564, da 8ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo dos Campos.