Leandro Fonseca Vianna

Está marcado para 21 de abril de 2021 o julgamento do Tema nº 1.022 da Repercussão Geral, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) discute a possibilidade de despedida sem motivação de empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista admitido por concurso público.
A temática não é nova no STF, que já julgou questão jurídica similar no ARE 589.998/PI, oportunidade em que fixou tese específica para os Correios, com a seguinte redação: “a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados.” 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Justamente em razão da impossibilidade de aplicação da referida tese às estatais que exploram atividades econômicas, o Relator do RE 688.267/CE entendeu por afetar no tema nº 1.022 da Repercussão Geral a obrigatoriedade de motivação do ato de demissão das demais estatais.
O que diz a Constituição?
Por força do artigo 173, caput e § 1º, inciso III, da Constituição, entende-se que estatais que exploram atividades econômicas não estariam obrigadas a motivar a dispensa dos empregados contratados mediante concurso público.
Ainda que integrantes da administração pública indireta, uma vez que desempenham atividade econômica, em livre concorrência, é forçoso reafirmar que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais e trabalhistas. Aplicável, portanto, na sua plenitude, quanto à dispensa dos seus empregados, as normas da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive quanto à demissão sem justa causa.
É importante que se esclareça que além do aviso prévio, quando dispensados sem justa causa, os empregados das estatais têm direito ao FGTS e à respectiva multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia.
A referida indenização é a medida compensatória prevista na Constituição para aqueles casos de empregados celetistas que são dispensados imotivadamente.
Na hipótese do STF concluir de forma análoga ao julgamento do caso dos Correios, impondo o dever de motivação e a possibilidade de controle judicial do motivo, tal posicionamento equivaleria a criar ao empregado celetista uma situação similar à estabilidade do servidor público, com o benefício adicional da multa de 40% do FGTS. Como dito, o Fundo de Garantia já é a compensação prevista na Constituição para a demissão sem justa causa.
A questão jurídica que se põe é saber se a norma-regra do artigo 173 caput e §1º, da Constituição, é capaz de ser derrogada por entendimento construído e baseado nos princípios aplicáveis à Administração Pública.
<blockquote class="jota-article__eye">Sob o ponto de vista da hermenêutica constitucional, pontue-se que somente há norma-regra na Constituição disciplinando a forma de ingresso dos empregados de estatais (concurso público). Além da tese do ‘paralelismo das formas’, o dever de motivação é construção jurisprudencial e doutrinária obtida a partir de princípios, como o da moralidade e impessoalidade.</blockquote>
Não há lacuna na Constituição, espaço de integração ou derrogação da referida regra constitucional por um princípio de espectro aberto, como moralidade ou impessoalidade, que prejudicarão inclusive a eficiência (outro princípio de igual hierarquia).
Importante que se pontue que igualmente não procederia a tese que sustenta o ‘paralelismo das formas’ ou ‘similitude procedimental’ para a dispensa dos empregados de estatais que exercem atividade econômica. Tal obrigatoriedade de procedimento administrativo para dispensa já foi afastada por ocasião do julgamento do RE 589.998/PI. O princípio da impessoalidade, enquanto vetor de orientação do concurso público, não pode servir de fundamento à aplicação da teoria do paralelismo das formas, seja por afronta a regra expressa do artigo 173 da CF, ou mesmo pelo conflito com o princípio da eficiência.
Portanto, a ausência de dever de motivação não está apenas no art. 173, caput e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. Também com base nos princípios constitucionais da isonomia, livre iniciativa e eficiência, é possível concluir que não há na Constituição o dever de motivação dos atos de dispensa das estatais que explorem atividade econômica.
Eficiência em tempos de crise
A dinâmica da economia e do mercado têm exigido, cada vez mais, empresas eficientes e financeiramente saudáveis, o que não se compatibiliza com o dever de motivação.
As empresas estatais que exploram atividade econômica estão em ambiente de livre concorrência, onde a eficiência ganha relevante importância para atuação em um mercado altamente competitivo. As modernas ferramentas de gestão, como meritocracia e avaliações individuais, pressupõem que estejam presentes os regimes de consequência aos empregados ineficientes e pouco produtivos.
Exigindo-se motivação das estatais que exploram atividade econômica em livre concorrência, os empregados com baixo desempenho estariam ‘protegidos’ pelo manto da motivação e pelos anos de disputa judicial acerca da 'justiça' do motivo.
Ainda que admitido por concurso público, mas sujeito às regras da CLT, um empregado de estatal com 15 anos de carreira poderá receber o equivalente a dois anos de remuneração em verbas rescisórias e FGTS, período suficiente para realocação no mercado de trabalho.
O dever de motivação não afeta apenas a eficiência das estatais, mas também do Poder Judiciário.
A gestão de um contencioso destinado à discussão dos motivos das dispensas impactará as empresas e o Judiciário, porque os empregados estariam autorizados a questionar individualmente a motivação de sua dispensa perante a Justiça do Trabalho.
Não motivou, e agora?
Nos casos em que exista previsão legal, naqueles em que haja previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ou na hipótese do o Plenário do STF definir o dever de motivação para todas as estatais, inclusive para aquelas que exercem atividade econômica em livre concorrência, entende-se que bastaria a indicação do motivo da dispensa por um ato formal, sem necessidade de procedimento administrativo prévio.
Igualmente não seria possível deferir à Justiça do Trabalho a análise dos motivos casuisticamente. Na eventualidade de se exigir a motivação, por lei ou acordo coletivo, o direito subjetivo do empregado se restringirá ao conhecimento dos motivos de sua dispensa.
Permaneceria hígido o direito potestativo do empregador dispensar sem justa causa.
Entende-se que que eventual provimento judicial que analise a motivação deverá se restringir a impor obrigação de fazer (para explicitar o motivo) ou declará-lo por sentença. Não mais caberia a intervenção no mérito da decisão de dispensa para desconstituir a demissão.
Importante salientar que, nos dias atuais, o empregador sabe quando e por quanto contrata, mas jamais quando pode demitir o seu empregado, porque a jurisprudência que vem sendo construída pela Justiça do Trabalho tem deferido direitos não previstos em lei, bem como prorrogado inúmeros contratos de trabalho para além da vontade das partes.
Admitir que se adentre nos motivos da dispensa dos empregados das estatais e avalie por um critério subjetivo, faria com que se transferisse ao Judiciário a decisão de conveniência e oportunidade na dispensa.
Se a decisão do STF for pela imposição do dever de motivação - entendimento com o qual não se concorda pelo que já foi exposto acima -, uma vez identificado que o ato não foi motivado, deveria o Judiciário impor a obrigação de expor os motivos, sendo-lhe vedado determinar a reintegração do empregado, ressalvadas as hipóteses em que o motivo apontado seja ilegal ou discriminatório.
E mesmo nestas hipóteses de dispensa por motivo discriminatório, inviável a recondução do empregado, mas apenas eventual indenização pelos danos suportados.
A demissão sem justa causa já impõe ao empregador a obrigação de pagar multa de 40% sob o saldo do FGTS, garantindo ao empregado o recebimento deste e das verbas rescisórias. A ausência de motivação não deve, por si só, gerar direito subjetivo à reintegração.
Enquanto a ausência de motivação eventualmente trará o direito ao conhecimento do motivo, se estes forem considerados discriminatórios, terá o empregado direito à indenização. Em nenhuma das duas hipóteses caberia a reintegração.
Propõe-se aqui a aplicação de uma teoria dos motivos determinantes mitigada, a partir da qual ainda que eventualmente não haja correspondência entre o motivo real e aquele declarado, somente os motivos discriminatórios e ilegais acarretariam indenização (provimento condenatório).
Quando verificada a legalidade do motivo real, ainda que diverso do motivo declarado, ter-se-ia um provimento meramente declaratório, para dar conhecimento ao empregado do real motivo da sua dispensa sem justa causa.
Propõe-se como conclusão a fixação das seguintes teses:
<ol>
<li>As empresas estatais que explorem atividade econômica não têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados admitidos por concurso público.</li>
<li>Para as empresas estatais que não exerçam atividade econômica ou nas hipóteses de previsão do dever de motivar em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, a ausência de motivação não acarreta em reintegração automática, mas apenas confere ao empregado o direito subjetivo à ciência dos motivos da sua demissão.</li>
<li>Apenas os motivos discriminatórios ou flagrantemente ilegais seriam passíveis de indenização. </li>
</ol>
<hr />
O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw

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