Igor Pereira Oliveira

Nicola Espinheira da Costa Khoury

Em 22 de abril, a Presidência da República sancionou o projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021, com veto sobre programações de despesas fixadas por emendas parlamentares de comissão (R$ 1,4 Bilhões vetados), de relator-geral (R$ 10,5 Bilhões vetados) e não impositivas de bancada estadual (R$ 1,8 Bilhões)<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>. Além disso, foram autorizados R$ 9,7 Bilhões para emendas parlamentares individuais, que compõem um total de R$ 35,5 Bilhões de emendas autorizadas após o veto, conforme o Painel “SIGA Brasil” do Senado Federal<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>.
Nota-se que as transferências especiais de recursos da União aos Entes subnacionais (Estados e Municípios), previstas na Constituição para as emendas individuais impositivas por força da recente Emenda Constitucional (EC) nº 105/2019, não foram afetadas pelo veto. Nessa forma de transferência, deve haver uma destinação mínima de 70% para despesas de capital (EC 105/2019, §1º e 5º do art. 166-A da CF 1988).
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Apesar da expectativa de maior agilidade na disponibilização dos recursos, o que é digo de nota, as transferências especiais das emendas individuais impositivas prejudicam a transparência e o controle social dos recursos do orçamento da União, conforme entendimento das Consultorias do Congresso Nacional<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>:
“As transferências especiais permitem ganho na agilidade de repasse de recursos da União para os demais entes. Mas trazem um déficit de transparência e controle social dos recursos do orçamento da União, afetando potencialmente o modelo federativo no que tange ao equilíbrio na distribuição de recursos e competências.”
Um dos motivos desse problema é que o repasse é feito independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere – genericamente denominado instrumento de repasse (EC 105/2019, §2º do art. 166-A da CF 1988). Explica-se.
Em regra, ao firmar um instrumento de repasse de recursos federais, a União, para viabilizar as respectivas contratações e ao mesmo tempo proteger o Erário, inclui cláusulas suspensivas (de eficácia) que condicionam a liberação dos recursos do orçamento ao saneamento das pendências que forem identificadas.
No caso de obras públicas, essas pendências, de responsabilidade exclusiva do proponente, estão relacionadas a requisitos básicos para entrega dos benefícios à população, como a existência de projeto de engenharia ou de titularidade da área em que ocorrerá a intervenção, ou ainda, de licenciamento ambiental adequado. Maiores detalhes sobre esse assunto podem ser encontrados em relatório de avaliação<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> da Controladoria Geral da União (CGU), sobre obras paralisadas, valendo estacar páginas 64 a 66.
O Tribunal de Contas da União informou ao Congresso Nacional (Acórdão 86/2020-TCU-Plenário) que parcela expressiva dos atrasos nos repasses era decorrente da dificuldade dos Entes subnacionais em cumprir com as condições suspensivas dos instrumentos de repasse.
Como exemplo, registre-se o caso da Linha Leste do Metrô de Fortaleza/CE (Acórdão 2.343/2019-TCU-Plenário), em que R$ 970 Milhões do Orçamento Geral da União ficaram bloqueados, no mínimo do final de 2013 ao final de 2018, devido a pendências de aprovação dos projetos, regularidade de área e licenciamento ambiental da 2ª etapa do empreendimento.
<blockquote class="jota-article__eye">Além disso, e em sintonia com o entendimento supra das Consultorias do Congresso Nacional, a Corte de Contas ressaltou que a distribuição das emendas, embora siga a regra de divisão equitativa entre os parlamentares, não confere equidade no tratamento das disparidades regionais<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>:</blockquote>
“Ainda quanto à priorização de investimentos amparados por emendas parlamentares, não poderia deixar de ponderar a respeito de um aspecto que considero falho nesse modelo de alocação orçamentária, pois, no meu modo de ver, não é capaz de perseguir um dos "objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", que é "reduzir as desigualdades sociais e regionais", conforme disposto no art. 3º, inciso III, da Constituição Federal.
Ao contrário, a partir do número de congressistas por unidade da Federação, cada qual, pela divisão equitativa determinada constitucionalmente, podendo dispor da mesma porção sobre o montante do orçamento impositivo, e tendo como pressuposto natural que os parlamentares tendem a beneficiar com emendas os estados que representam, é de se inferir que as regiões mais abastecidas são exatamente as mais favorecidas com recursos. (...)
Enfim, faço essas anotações no intuito apenas de chamar a atenção para o fato de que a distribuição das emendas, embora siga a regra de divisão equitativa entre os parlamentares, não confere equidade no tratamento das disparidades regionais”. (grifos acrescidos)
A propósito, deve-se destacar que a busca pela equidade no tratamento das disparidades regionais poderia passar, por exemplo, pela destinação de recursos das emendas individuais impositivas aos Estados com indicadores mais desfavoráveis, mesmo que o parlamentar não representasse diretamente aquele ente subnacional. Em outras palavras, parlamentares de regiões mais abastecidas destinariam recursos federais das emendas individuais para regiões com maiores disparidades, caso houvesse o devido amparo legal.
Outro aspecto importante a ser considerado é que, consoante dados do Acórdão 1.079/2019-TCU-Plenário, dificuldades de ordem técnica, sobretudo inconsistências de projeto básico e seus consequentes empecilhos à boa execução da obra, são a maior causa de paralisação de obras públicas no Brasil.
Na verdade, a celeridade dos repasses no curto prazo pode expor negativamente a gestão de prefeitos e governadores no longo prazo, especialmente devido à “capacidade técnica assimétrica dos municípios brasileiros para a elaboração de projetos”, o que exige “um reforço das iniciativas para desenvolvimento dessa capacidade nos entes”, especialmente do Poder Executivo Federal<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>.
Dessa perspectiva, o Programa de Apoio à Gestão Municipal Responsável (TCU+Cidades)<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn7" name="_ednref7">[7]</a>, desenvolvido recentemente pelo TCU, pode contribuir com a qualificação dos gestores e prevenir falhas que possam prejudicar o melhor uso dos recursos públicos. No mesmo sentido, a nova lei de licitações (Lei nº 14.133/2021) contribui com o aumento da segurança jurídica ao consolidar vários institutos e procedimentos deduzidos da jurisprudência da Corte de Contas Federal<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_edn8" name="_ednref8">[8]</a>.
Portanto, tendo em vista a previsão orçamentária bilionária para 2021 em relação às emendas parlamentares individuais impositivas e a dificuldade histórica dos entes subnacionais em cumprir com as condições suspensivas dos instrumentos de repasse, o assunto merece atenção especial com vistas a reduzir ou mitigar o possível déficit de transparência e controle social, bem como os riscos de elevação das desigualdades regionais no Brasil.
** Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU.
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<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Informações mais detalhadas disponíveis em <a href="https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2021/Informativo_PLOA2021_Vetos_formatado.pdf">https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2021/Informativo_PLOA2021_Vetos_formatado.pdf</a>.
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Ver em <a href="https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil">https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil</a>
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Disponível em <a href="https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2021/nota-tecnica-_-transferencia-especial-art-166-a-modalidade-restrita-as-emendas-individuais-versao-15-fev-2021">https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2021/nota-tecnica-_-transferencia-especial-art-166-a-modalidade-restrita-as-emendas-individuais-versao-15-fev-2021</a>, p. 11.
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> CGU. Levantamento de obras paralisadas - dezembro/2019 – Grupo de Trabalho para Governança de Investimentos em Infraestrutura. Exercício 2020. Disponível em <a href="https://eaud.cgu.gov.br/relatorios/download/900153">https://eaud.cgu.gov.br/relatorios/download/900153</a>.
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> Voto do Acórdão TCU 2.704/2019-Plenário. Auditoria integrada acerca da eficiência e efetividade da aplicação dos recursos advindos de emendas parlamentares individuais impositivas.
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> Expressões do relatório do Acordão TCU 1.079/2019-Plenário (diagnóstico de obras paralisadas).
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref7" name="_edn7">[7]</a> Detalhes sobre o programa TCU+Cidades podem ser obtidos no endereço eletrônico <a href="https://portal.tcu.gov.br/tcucidades/o-programa/">https://portal.tcu.gov.br/tcucidades/o-programa/</a>
<a href="applewebdata://25003D54-5BE1-4963-A883-004A1C8A01FF#_ednref8" name="_edn8">[8]</a> Ver relevante artigo disponível em <a href="https://www.financasecontrole.com.br/artigo/a-nova-lei-de-licitacoes-como-sedimentacao-da-jurisprudencia-do-tcu">https://www.financasecontrole.com.br/artigo/a-nova-lei-de-licitacoes-como-sedimentacao-da-jurisprudencia-do-tcu</a>

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JOTA

A Lei Orçamentária Anual 2021 face a Emenda Constitucional 105/2019

Emendas individuais impositivas e desafios de redução das desigualdades regionais

A Lei Orçamentária Anual 2021 face a Emenda Constitucional 105/2019