Thiago Aguiar de Pádua

Quando Donald Trump indicou Brett Kavanaugh para a próxima vaga de Justice da Suprema Corte Americana, tinha em mente uma série de promessas de campanha, todas elas relacionadas à crescente insatisfação republicana com o Tribunal: sem hipérbole, a “peleja”, não do “diabo contra o dono do céu”, mas de conservadores contra liberais (no sentido norte-americano).
Metaforicamente, sempre haverá um “demonizado”, e sempre haverá alguém que “toque o céu”, haja vista o enigmático voto do ministro Eros Grau, por ocasião do julgamento da Reclamação 4335/AC, na utilização do argumento de Karl Loewwenstein sobre os limites da distinção entre os poderes, e esta referência, eventualmente, soma-se à manifestação do mesmo ministro, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 95.009/SP, dizendo que o “princípio” da proporcionalidade vem sendo utilizado como “chave mestra” (gazua) apta a arrombar direitos fundamentais, ilustrativo do colorido da peça e do ruído dramático da encenação (ou da procissão).
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Recentemente, dois eminentes professores americanos se manifestaram sobre a indicação. Cass Sunstein (2018), professor em Harvard, e Akhil Reed Amar (2018), professor em Yale, com reflexões importantes, que muito embora não cheguem a ser parecidas com a devastadora crítica formulada por Ronald Dworkin em 1987, contra o então indicado Robert Bork (acabou sendo rejeitado), são igualmente relevantes.
O cerne da abordagem de Dworkin contra Bork, naquele momento, era de que se tratava de um indicado adepto do originalismo, cujas posições jurídicas seriam radicais, sob o ponto de vista Dworkiniano: eram políticas a tal ponto que nenhum raciocínio jurídico poderia tocar, em sua pretensão de reverter certos precedentes da Corte: o caso Roe v. Wade, o posicionamento favorável a uma certa intocabilidade dos poderes presidenciais, o tratamento “demasiado condescendente” para com acusados em casos criminais.
Segundo Dworkin, nenhum indicado jamais ousara se posicionar abertamente ou ir tão longe sobre “supostos erros” da Suprema Corte.
Não é possível afirmar que a rejeição de Bork para o cargo de Justice da Suprema Corte americana possa ser atribuída à Dworkin, que fez campanha aberta, publicando longo e contundente artigo num dos principais periódicos dos Estados Unidos contra a indicação. Mas é igualmente inegável que Dworkin, na qualidade de intelectual público, contribuiu para a rejeição (1987).
No entanto, as consequências foram sentidas. Desde então os indicados passaram a ser extremamente comedidos no que se relaciona às suas opiniões sobre as Suprema Corte, suas decisões passadas, bem como sobre o papel de Juiz da Suprema Corte, como apontam Lerner e Lund (2010):
“A batalha pela confirmação da indicação de Robert Bork em 1987 conferiu relevo político para a disputa entre o “originalismo” e o “constitucionalismo vivo”, como métodos interpretativos. Dentro da academia, essa disputa continua, com infinitas nuances, qualificações e quadros teóricos elaborados de ambos os lados. Entretanto, a julgar pelos procedimentos de confirmação posteriores, o debate já não é relevante para as nomeações judiciais. Nomeados de ambos os partidos agora se apresentam como modestos e humildes servidores do direito, respeitosos para com os precedentes então existentes, e sem o desejo de mover o direito em qualquer direção particular. A maioria dos senadores, dos dois lados do corredor, aceita isso como modelo para análise, e agora a única questão importante parece ser se um determinado candidato está sinceramente prometendo lealdade a este ideal.”
O que chamou a atenção no caso da indicação de Brett Kavanaugh foi, no entanto, que tenha merecido uma chamada televisiva no canal Fox News sobre o fato de um professor liberal (de esquerda) como Akhil Reed Amar, ter se posicionado favoravelmente ao indicado, devido a clássica tensão bipartidária que costuma permear a discussão. Para alguns, indício de que o novo indicado não seria tão conservador assim. Para outros, indício de que Akhil Amar é que não seja tão liberal. A linha, caso existente, é tênue.
Pois bem, para Cass Sunstein, há um medo arraigado na esquerda (e de outro lado, a esperança enraizada na direita) de que Brett Kavanaugh represente o centro para uma nova ordem constitucional relacionada à proteção do lobby armamentista, de interferência na discussão sobre o aborto e ações afirmativas, bem como a derrubada do Obamacare, e a permissão para que pessoas possam discriminar gays e lésbicas com base em premissas religiosas.
Mas para Sunstein, a questão principal não deveria ser sobre o quão conservador o novo indicado venha a ser, e sim sobre sua perspectiva sobre a “autocontenção judicial”, pois isso inequivocamente faria com as decisões passadas da Suprema Corte só possam ser revertidas se o novo indicado ingressar numa espiral de ativismo judicial, sendo esta a maior ironia de todas, e a disputa está realmente demarcada.
A seu turno, o professor Akhil Reed Amar, supostamente tão liberal quanto Sunstein, afirma que o novo indicado seria a melhor escolha para o momento, afirmando que pode testemunhar as qualidades de Brett Kavanaugh quando foi seu professor na faculdade de direito, e sobre seu compromisso com o estudo e a reflexão, propondo que os senadores que eventualmente venham a se posicionar contrariamente a ele, antes, apontem pelo menos dois nomes republicanos que sejam mais qualificados, e que o novo indicado mereceria quase a totalidade de votos favoráveis, e não os pouco mais da metade de votos que provavelmente irá receber.
Por minha vez, particularmente, penso que o novo indicado deveria ser questionado (e, portanto, se posicionar) sobre algumas perguntas: qual o seu conceito de direito? O que pensa sobre o direito como integridade? Quando, e em quais circunstancias, uma decisão passada da corte pode ser revertida? Ao analisar a discussão sobre o tema “Emergency Constitution”, quem está mais próximo da Constituição: Laurence Tribe (2004) ou Bruce Ackerman (2004)? Qual o papel da filosofia na Suprema Corte (Dworkin, 2000; 2007)? Qual o papel da “voz das ruas” em um Tribunal? ou como pensar, a partir do Tribunal, a tensão entre Constitucionalismo Democrático, Supremacia Judicial e Constitucionalismo Popular?
Muitas perguntas, que certamente continuarão a ecoar no imaginário jurídico, mas que provavelmente nem serão formuladas, e se forem, provavelmente nem serão respondidas, pois todos os indicados passaram a ser estimulados a se escondera atrás de uma suposta neutralidade, de modestos e humildes servidores do direito, deferentes para com decisões passadas, algo que acaba invariavelmente sendo desmentido pelas atuações práticas, sejam indicados pela esquerda ou pela direita.
Precisamos perscrutar criticamente as reflexões de Laurence Tribe (2004) ao dizer que, ao lado dos partidos republicano e democrata, a Suprema Corte passa a ser o terceiro grande partido americano, embora os professores Joseph Fishkin e David Pozen (2018) coloquem a culpa da disputa bem mais em um dos lados, com consequências sentidas por ambos em suas futuras coalizões. Assim, a Suprema Corte passa a ser, talvez, apenas a porta de entrada de um cabo de guerra para disputas intestinas, e, paradoxalmente, também a porta de saída.
<h3 align="justify">Referências</h3>
ACKERMAN, Bruce. The Emergency Constitution. The Yale Law Journal, vol. 113, n. 5, 2004.
AMAR, Akhil Reed. A liberal's Case for Brett Kavanaugh. Times, de 9 de julho de 2018.
DWORKIN, Ronald. The Bork Nomination. The New York Review of Books”, em 13 de agosto de 1987.
DWORKIN, Ronald. Must Our Judges Be Philosophers? Can They Be Philosophers? (2000); DWORKIN, Ronald. ¿Debem Nuestros Jueces Ser Filósofos? ¿Pueden Ser Filósofos? Trad. Leonardo García Jaramillo. Estudios de Derecho, Vol. LXIV, n. 144, diciembre, 2007.
FISHKIN, Joseph; POZEN, David. Assymetric Constitutional HardballColumbia Law Review, vol. 118, 2018.
LERNER, Craig; LUND, Nelson. Judicial Duty and the Supreme Court’s Cult of Celebrity. The George Washington Law Review, v. 78, 2010.
SUNSTEIN, Cass. The Test for Judge Kavanaugh, em: Bloomberg Opinion, de 9 de julho de 2018.
TRIBE, Laurence; GUDRIGDE, Patrick. The Anti-Emergency Constitution. The Yale Law Journal, vol. 113, n. 8, 2004.
TUSHNET, Mark. Constitutional Hardball. The John Marshall Law Review, vol. 37, 2004.

trumpkava

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JOTA

Novo indicado deveria ser questionado sobre algumas perguntas: qual o seu conceito de direito?

Em torno da disputa pelo 'novo Justice'

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