Wladimir Ribeiro

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<p>O Estado de Direito é uma das principais conquistas civilizacionais. O seu conteúdo é de que o Estado, enquanto locus de poder, deve estar submetido à lei ou, ainda, o que nem sempre dá no mesmo, deve respeitar os direitos dos cidadãos. Significa, por outro lado, que os cidadãos possuem direitos, a que o Estado deve respeitar. Por isso que se diz que o Estado de Direito é um Estado em que se reconhecem os direitos fundamentais.</p>
<p>O conceito de Estado de Direito se contrapõe ao de Estado Autoritário, onde aqueles que exercem a autoridade não possuem limites. Dito de outra forma: mesmo que quem exerça o poder esteja tentando viabilizar o bem, ou algo de interesse de todos, ele não pode simplesmente ignorar o direito dos cidadãos. Os fins não justificam os meios.</p>
<p>O conceito de Estado de Direito também significa que o Estado é responsável. Isso significa, dentre outras acepções, que, quando for absolutamente necessário, em nome do interesse coletivo, sacrificar o direito individual, tal sacrifício deve ser indenizado pelo Estado. Outra consequência, é que o direito individual, quando deva ser sacrificado em nome da ordem coletiva, deve o ser na medida do estritamente necessário. Não pode o Estado simplesmente prejudicar os direitos fundamentais de forma excessiva, quando resultado semelhante, em termos de benefícios públicos, puder se alcançado com uma interferência menor na esfera de direitos dos cidadãos.</p>
<p>Estes conceitos parecem óbvios, mas a prática judicial recente, estampada nos jornais, parece dizer o contrário. Parece que se vive um retrocesso no campo dos direitos, numa visão autoritária, de que “os direitos servem só para atrapalhar o interesse público”, interesse público que, por vezes, se identifica em punir quem cometeu ilícitos ou no recebimento de uma dívida.</p>
<p>Evidente que os direitos individuais não são absolutos. O Estado de Direito prevê situações de exceção, em que, temporariamente, os direitos individuais são suspensos ou desconsiderados, para que medidas de interesse público, principalmente para investigação de ilícitos, possam ser efetivadas. Mas isso é a exceção, não a regra.</p>
<p>A prisão temporária, por exemplo, existe para viabilizar a investigação de crimes. É temporária porque se trata de uma exceção, uma vez que no mundo dos direitos a regra é que a liberdade deve ser preservada, salvo no caso de condenação judicial mediante processo em que se garantiu a ampla defesa. A mesma coisa se diga em relação à propriedade, que tanto sofre com os bloqueios judiciais de contas bancárias, às vezes sem deixar sequer recursos para a subsistência do devedor (como se a condição de devedor retirasse de alguém do direito de ter direitos).</p>
<p>Hoje se prende todos os dias, ao menor dos fundamentos. Se alguém, em delação premiada, falou o nome de alguém, parece que há a permissão de que essa pessoa seja presa, em prisão temporária ou preventiva eternamente renovada. O que era exceção vira regra. E o Estado de Direito é afastado, para que vivamos o Estado de Exceção.</p>
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<p>Em nome do bem se sacrifica o direito das pessoas. Soa como se para garantir a democracia seja necessário se implantar uma ditadura.</p>
<p>Não há dúvidas. É necessário que nos levantemos e defendamos o Estado de Direito. Não é possível ver cada vez mais pessoas serem presas, terem sua honra ofendida, como regra e não como algo excepcional. E o pior: sem que, depois, se constatada a inocência, ninguém seja responsabilizado pelos danos, pérfidos, provocados.</p>
<p>Mais uma vez temos que nos render à sabedoria da poesia de Bertold Brecht:</p>
<p>Primeiro levaram os negros</p>
<p>Mas não me importei com isso</p>
<p>Eu não era negro</p>
<p>Em seguida levaram alguns operários</p>
<p>Mas não me importei com isso</p>
<p>Eu também não era operário</p>
<p>Depois prenderam os miseráveis</p>
<p>Mas não me importei com isso</p>
<p>Porque eu não sou miserável</p>
<p>Depois agarraram uns desempregados</p>
<p>Mas como tenho meu emprego</p>
<p>Também não me importei</p>
<p>Agora estão me levando</p>
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<p>Mas já é tarde.</p>
<p>Como eu não me importei com ninguém</p>
<p>Ninguém se importa comigo.</p>
<hr />
<p><em>* Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no ano de 1990. Especialização em Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente pelo Centro de Estudos do Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente da Faculdade de Direito de Coimbra, em 1999. Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 2002.</em></p>
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STF-EstatuadaJustica-12

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Em defesa do Estado de Direito

Os fins não justificam os meios