Beatriz Della Costa

Rodrigo de Almeida

A volta do ex-presidente Lula à corrida eleitoral – após o repentino acesso democrático do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) – abriu duas das principais janelas de escolha e oportunidade para eleitoras e eleitores do Brasil: em 2022, salvo recuperação da inércia de forças de centro, é bastante provável que a gente decida se volta a 2010, como um terceiro mandato de Lula, ou se dá um salto para trás ainda mais longe, rumo a 1964, numa retomada em cores atualizadas de um regime explicitamente autoritário.
Parece esquisito falar assim? Não só parece, como é de fato esquisito. Estamos diante de um evidente retrocesso democrático. Intimidações, ameaças, perseguições, ações concretas para fazer calar opositores ou simplesmente quem pensa diferente – da tentativa de silenciar Felipe Neto à intimidação sobre empresários, hoje cada vez mais temerosos de se opor ao governo por receio de sofrer retaliações. Sem falar na constatação de que temos o mais militarizado governo desde a redemocratização.
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Se observadas as forças mais claramente antagônicas e mais eleitoralmente viáveis hoje – o presidente Bolsonaro e sua trupe bolsonarista autoritária, negacionista e irresponsável, de um lado; e, de outro, Lula e o lulismo redivivo, saudosista e, por que não, envelhecido – nos vemos diante de dois possíveis recuos no tempo: a volta a 2010 (último ano do segundo mandato de Lula) ou a 1964 (marco histórico do último período ditatorial no Brasil e que Bolsonaro faz reviver a cada novo ato autoritário).
Claro que as menções a “2010” e “1964” não devem ser interpretadas ao pé da letra. O Brasil é bem diferente daquele que foi o último ano de Lula no poder após ter sido eleito pela primeira vez numa disputa bem-sucedida que ficou célebre com a ideia-força de que “a esperança vencerá o medo”. Venceu, é fato, mas sem tanta poesia quanto a campanha de 2002 quis fazer crer.
Três mandatos e meio do PT limaram ilusões de um governo que resultasse em reformas econômicas e sociais de fundo, capaz de ir além de um projeto suave de incorporação de pobres ao universo do consumo e de chegada minoritária de algumas minorias ao poder. Ou ainda dotado de uma pureza ética mínima pregada ao longo de anos e anos na oposição.
Também não se deve imaginar que governos autoritários contemporâneos tenham a face de regimes militares como aquele instalado no golpe de 1964, com o devido beneplácito civil.
<blockquote class="jota-article__eye">A ruptura democrática hoje, promovida pelo bolsonarismo e seus similares da extrema direita mundo afora, é explícita porém mais sutil.</blockquote>
Corrói-se a democracia por dentro, sabemos bem, com ameaças e intimidações a instituições, líderes cívicos e organizações da sociedade civil, remilitarização do governo civil, pregação de teses conspiratórias para justificar a radicalização do poder, e tendo a produção de fake news como política de Estado.
Mas o fato é que essas duas imagens – 2010 e 1964 – parecem traduzir o que temos, pelo menos até aqui, de opções realmente competitivas postas no tabuleiro político-eleitoral rumo a 2022: ou a reabilitação de um modelo político e socioeconômico com ar de déjà-vu (o lulismo), ou os riscos reais e imediatos de uma versão atualizada dos golpes de Estado, afinal Bolsonaro já o fez logo depois do primeiro discurso de Lula ao se tornar elegível – ameaça de golpe, promessa de aparelhamento das Forças Armadas, destruição da credibilidade de órgãos públicos, ataques à imprensa livre e incentivo do conflito e da instabilidade social.
Claro que muitas outras forças podem (re)surgir das cinzas e da ineficiência dos últimos anos – Ciro, Doria, Huck, Moro, Mandetta ou todos juntos, seja lá o que isso significar – mas o fato é que polarização é pra quem pode. Não adianta chiar para a polarização Bolsonaro-Lula, o fato é que hoje estas são as duas forças e lideranças realmente eficazes para se fazerem ouvidas.
Mas é fundamental qualificar essa polarização. Bolsonaro e Lula não são comparáveis. É o típico exemplo de uma polarização enquadrada no que certa literatura política define como polarização assimétrica – ela reconhece a existência de pólos antagônicos, mas leva em conta que esses mesmos pólos não são iguais entre si. Nem em valores, nem em métodos. É o caso brasileiro.
O que se está é diante de uma oposição evidente entre preservação da democracia (cujo lado encontra maior competitividade, até prova contrária, em Lula) ou de aprofundamento de uma linhagem autoritária e, por que não, fascista (representada por Bolsonaro e o bolsonarismo).
A escolha em 2022 se dará entre a necessidade de sobrevivência democrática e uma transição para um país que sairá, destes tristes e difíceis anos bolsonaristas, não só democraticamente machucado, como recolhendo os mortos da irracionalidade sombria promovida pelo atual governo.
Mas sem ilusões, bom frisar. Nada de projetar uma visão redentora deste retorno de Lula. E mais do que isso, é o momento de as forças democráticas se perguntarem: como vamos conseguir cobrar que o líder petista esteja em 2022 e não em 2010? Como não repetir o passado? Lula demonstrará o espírito conciliador de 2002 e, especialmente, do seu primeiro discurso após ver retomada sua elegibilidade, e  conterá a senha ressentida muito presente entre muitos lulistas? Como conseguirá vencer o antipetismo?
Com Lula, mas muito além de Lula, eis o desafio: garantir que projetos democráticos competitivos na disputa presidencial do ano que vem se deem com os dois olhos no futuro, e não mirando o retrovisor.
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O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=1062owtx9o4
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bolsonaro

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JOTA

Estamos diante de um evidente retrocesso democrático: intimidações, ameaças, perseguições e ações para calar opositores

Em 2022, Brasil decide se volta para 1964 ou 2010

Estamos diante de um evidente retrocesso democrático: intimidações, ameaças, perseguições e ações para calar opositores