Juliano Barra

No próximo mês de maio a França passará por eleições presidenciais. Se temas como economia, União Europeia, imigração, segurança, geração de empregos são recorrentes, a questão sobre manter ou reformar o atual sistema de aposentadorias também não foge à regra e é um dos principais pontos de divergência entre os candidatos. 
Em tempos de reforma da previdência no Brasil, trazemos ao leitor as linhas gerais dos programas dos cinco principais candidatos. Entre pontos comuns e diferentes em relação ao Brasil, é importante notar a existência na legislação francesa de uma idade mínima atualmente de 62 anos (com exceções para quem começou a trabalhar mais cedo) e a exigência de tempo de contribuição atualmente superior a 40 anos para uma aposentadoria no valor de 100%.
Como no Brasil, existe uma diferença entre os regimes de aposentadoria do regime geral e aqueles reservados aos funcionários, tendo havido nos últimos anos uma tentativa de uniformização. Esses três pontos pautam em sua maioria o programa dos candidatos ao Palais de l'Élysée.
Benoît Hamon
Benoît Hamon, candidato representando o Partido Socialista, partido do atual presidente François Hollande, não apresenta em seu programa nenhuma proposição que altere substancialmente as atuais regras em matéria de aposentadoria. O candidato socialista limita suas proposições aos seguintes aspectos:
(i) Melhora no poder de compra para as pequenas aposentadorias (minimum vieillesse) com um aumento de 10%.
(ii) Para que todo segurado possa beneficiar de um mesmo período de percepção de sua aposentadoria em boas condições de saúde, seria mantida e estendida a chamada compte pénibilité a qual permite às pessoas que trabalham em condições de periculosidade e/ou insalubridade de se aposentarem mais cedo.
(iii) A idade mínima para aposentadorias não seria mudada, isto é, seria mantida a idade de 62 anos. 
(iv) Possibilidade que os cônjuges possam transferir tempos de contribuição de um para o outro no intuito de favorizar uma aposentadoria no valor de 100% de seu salário de benefício[1]. 
Emmanuel Macron
Para Emmanuel Macron, candidato independente e ex-ministro da Economia do atual governo, é necessário restabelecer isonomia no atual regime de aposentadorias. De todos os candidatos, Macron é o que visa ir mais longe na alteração do modelo, mas sem ferir direitos e o próprio regime por repartição, segundo ele. Seu argumento é que atualmente o problema das aposentadorias na França não é mais um problema orçamentário, considerando que as perspectivas financeiras permitem projetar um futuro “serenamente razoável”. O desafio, hoje, portanto, não seria aumentar a idade mínima das aposentadorias, nem aumentar o valor das contribuições.
A grande questão é: podem os franceses ainda confiar em seu sistema de aposentadorias? (essa questão é totalmente válida também para o contexto brasileiro)
Um grande percentual de pessoas, principalmente os mais jovens, perdeu esta confiança. Um sistema, segundo ele, complexo e ilegível, que não forneceria a segurança jurídica necessária em uma visão de longo prazo, como é o caso das aposentadorias.
O programa de Macron não visa, portanto, mexer nos cânones de toda em qualquer reforma previdenciária (idade mínima e contribuições), mas de reestabelecer a confiança da população e de construir um sistema adaptado à carreira profissional e de vida do segurado. Sua proposta deixa mais claras as regras, o acesso à aposentadoria, estabelecendo um sistema universal, justo, transparente e confiável em que cada indivíduo se beneficiará dos mesmos direitos (independente do regime de filiação).
[formulario_fulllist]
Quatro problemas maiores foram diagnosticados no atual regime francês de aposentadorias: (a) um sistema complexo; (b) um sistema injusto; (c) um sistema que cria incertezas sobre o futuro; (d) um sistema que dificulta a mobilidade na carreira pela existência de regras e regimes de aposentaria diferentes (empregado, autônomo, rurais, funcionário público).
Neste sentido, a proposição é de criar um sistema universal de aposentadorias onde cada euro contribuído ensejará os mesmos direitos em matéria de aposentadoria, independente de quando e onde ele é realizado, e independente da profissional ocupada (empregado, autônomo, rural). Essas contribuições serão inscritas em uma conta individual a ser criada para cada segurado e atualizadas conforme o índice de crescimento dos salários. O segurado, independente do regime de filiação, terá o valor real existente em sua conta. No momento do pedido de aposentadoria, os direitos acumulados serão convertidos com a ajuda de um coeficiente que levará em conta a idade no momento do pedido e o ano de nascimento do segurado. É previsto na proposição que a reforma não seria aplicada para aqueles que estão a menos de cinco anos para se aposentar ou aposentados. Para os demais, a regra seria progressiva com um período de transição estimado em 10 anos. (Essa proposta se aproxima do sistema chamado de Comptes notionnels a qual sugerimos em nossa tese de doutorado, adaptável tanto paro o regime francês como para o brasileiro)[2].
Em suma, cada um poderá conhecer em tempo real seus direitos à aposentadoria; não haveria receio de perda de direitos, pois o segurado os terá garantido em sua conta individual, independente do regime de filiação (empregado, autônomo, funcionário); um sistema mais isonômico, pois a todos os regimes de filiação serão aplicadas as mesmas regras (empregados, funcionários); as pessoas poderão melhor planejar seu pedido de aposentadoria sabendo que trabalhando mais ou menos o valor da prestação poderá ser alterado. Por fim, Macron deixa claro que não será objeto de reforma: a lógica do regime por repartição e seu caráter solidário; as alíquotas de contribuição diferenciadas; a idade mínima para aposentadoria de 62 anos e os aspectos aplicáveis às pessoas que trabalham em condições de periculosidade/insalubridade (compte pénibilité)[3].
François Fillon
O terceiro programa analisado é do candidato do partido Les Républicains, François Fillon. Como Primeiro Ministro do ex-presidente Nicolas Sarkozy, Fillon implementou uma grande reforma da previdência em França em 2003. Diferentemente do candidato Emmanuel Macron, François Fillon entende que o aspecto financeiro ainda é o ponto principal para a perenidade do regime de aposentadorias dos franceses. Considerando que as despesas sociais representam mais da metade do orçamento público do país, o pagamento de benefícios de aposentadoria ocupa lugar de destaque neste percentual. Segundo ele, as reformas realizadas não foram suficientes para assegurar um equilíbrio financeiro do sistema e o aumento da idade mínima deve ser levando em conta no intuito de garantir o poder de compra de todos os atuais e futuros aposentados.
Neste sentido, seu programa elenca cinco proposições principais em matéria de aposentadorias: (i) aumento progressivo da idade mínima de aposentadoria dos atuais 62 para 65 anos. Para aqueles segurados que começaram a trabalhar mais cedo (départ pour carrières longues) uma regra irá possibilitar a liquidação dos direitos aos 63 anos. A idade máxima de 67 anos será mantida para se obter uma aposentadoria no valor de 100% de salário de benefício; (ii) continuar a harmonização das regras entre os régimes públicos e privados de aposentadoria. Em relação aos regimes especiais das empresas públicas, os novos empregados serão filiados diretamente ao regime geral; (iii) revogação completa da chamada compte pénibilité diante da sua inaplicabilidade e complexidade; (iv) para as pessoas que recebem menos de mil euros de aposentadoria, um aumento de em média trezentos euros em seu beneficio e a revalorização das pensões por morte em 10%, beneficiando mais de trezentos mil viúvos e viúvas; (v) por fim, o candidato Fillon reforça sua intenção de alterar de maneira progressiva o sistema de aposentadorias no intuito de torná-lo mais claro e justo[4].
Jean-Luc Mélenchon
Figurando em uma ala mais à esquerda do candidato socialista, Jean-Luc Mélenchon é candidato representando o movimento La France insoumise. Seu programa critica o atual governo por ter validado o aumento da idade mínima para 62 anos votado na gestão Sarkozy, assim como por tornar, na prática, quase que inacessível o pagamento de uma aposentadoria em um percentual de 100% considerando o aumento do tempo de contribuição para 43 anos. Para Mélenchon, cada vez mais pessoas estão se aposentando com valores modestos, pois não conseguem o tempo de contribuição necessário, principalmente aqueles que possuem uma carreira atípica ou que ficaram muito tempo desempregados.
Nestes termos, consigna seu programa que o dinheiro para aumentar as aposentadorias existe, razão pela qual, se eleito, iria propor a volta da idade mínima em 60 anos. Sua proposta também abarca os seguintes aspectos: (i) restaurar o direito à aposentadoria em 100% do salário de benefício aos 60 anos baixando o tempo de contribuição para 40 anos: (ii) atualizar anualmente as prestações de aposentadoria pelo mesmo índice utilizado para atualização do salário mínimo; (iii) assegurar o financiamento sustentável do regime de aposentadorias mantendo seu caráter solidário e por repartição, criando contribuições sobre os lucros das empresas, aumentando o número de contribuintes (criação de emprego, aumento de salários, aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho) e colocando fim às isenções fiscais para os regimes de previdência privada[5].
Marine Le Pen
Para a candidata do Front National, Marine Le Pen, o atual sistema de aposentadorias foi dificultado sobremaneira pelos últimos presidentes. Ela propõe algumas alterações substanciais no atual regime, mas sem colocar em xeque as disparidades existentes. Suas proposições a respeito estariam assim consignadas: (i) extinção da chamada compte pénibilité a qual seria substituída por um dispositivo centrado em uma avaliação personalizada a ser realizada por médico do trabalho. Constatado o trabalho em condições de periculosidade e/ou insalubridade, seriam adicionados mais trimestre a favor do segurado no intuito de proporcionar uma aposentadoria antecipada; (ii) retorno da idade mínima de aposentadoria aos 60 anos e com 40 anos de contribuição para uma prestação no valor de 100%; (iii) isenção fiscal nas pensões por morte e aposentadorias para família com muitos filhos e (iv) instauração de um prêmio (Prime de Pouvoir d’Achat- PPA) destinado às pequenas aposentadorias (que recebem menos de 1500 euros por mês) financiadas pela criação de uma contribuição social sobre as importações no percentual de 3%[6].
Como podemos notar neste breve comentário, o tema aposentadorias é algo de fato igualmente controverso na França e leva a debates acalorados, seja sob a ótica política, acadêmica ou dentro das próprias famílias. Em uma pesquisa realizada no fim de 2016 a maioria dos franceses estimou que a idade razoável para aposentadoria seria 61,5 anos e 52% estimam que seria desejável se aposentar antes dos 62 anos, idade legal atualmente prevista (lembrando que na França as condições para acumulação de aposentadoria com um contrato de trabalho são restritas e não como no Brasil, onde uma grande maioria se aposenta mas continua a trabalhar)[7]. As eleições de maio irão decidir qual dos programas acima poderá ser implementado, mas não sem antes, evidentemente, a existência de muito debate.
&nbsp;
---------------- 
[1] Para uma visão completa do programa, consultar https://www.benoithamon2017.fr/wp-content/uploads/2017/03/projet-web1.pdf. 
[2] Conforme, BARRA. Juliano Sarmento, La place des fonds de pension dans les revenus à la retraite. Étude franco-brésilienne, Thèse, Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, 2016, 846 p. 
[3] Para uma visão completa do programa, consultar https://storage.googleapis.com/en-marche-fr/COMMUNICATION/Programme-Emmanuel-Macron.pdf 
[4] Para uma visão completa do programa, consultar https://www.fillon2017.fr/projet/ 
[5] Para uma visão completa do programa, consultar https://laec.fr/ 
[6] Para uma visão completa do programa https://www.marine2017.fr/wp-content/uploads/2017/02/projet-presidentiel-marine-le-pen.pdf 
[7] Disponível em http://www.ipsos.fr/decrypter-societe/2016-12-06-l-age-depart-retraite

arc-de-triomphe-880152_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

As linhas gerais dos programas dos cinco principais candidatos

Eleições presidenciais na França e reforma da previdência

As linhas gerais dos programas dos cinco principais candidatos