Maís Moreno

Substantivo feminino, a política institucional é ancorada no masculino. Parafraseando Caetano Veloso, é o homem adulto branco sempre no comando, numa tradição que vai muito além da referência musical. Num país de alma diversa, sua liderança é quase sempre o oposto dessa diversidade, reforçando nossas desigualdades.
O retrato está longe de ser só brasileiro. Não à toa, a meta 5.5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas prevê a garantia da participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. Isso significa paridade em 2030, considerando as interseccionalidades.
Convém, no entanto, escaparmos dos simplismos e polarizações que convertem o tema numa disputa entre o bem (feminino e feminista) e o mal (masculino e patriarcado). Tem muito de bem e mal, sim, mas nem sempre e nem tudo se reduz a isso. E acima de tudo, não basta só mais mulheres na política e em diferentes instâncias de poder.
Os números são importantes e com frequência os vemos estampados na mídia, em estudos, em alertas e denúncias sobre a baixa diversidade de gênero – e também de raça, frise-se – na ocupação de cargos de poder. Num dos principais, em ranking do Inter-Parliamentary Union, que indica a participação feminina nos parlamentos nacionais, em novembro de 2022 o Brasil aparecia na 129ª posição entre os 187 países da lista, em novembro de 2022. A situação é ainda mais grave em indicador que mensura a participação de mulheres nos gabinetes ministeriais do Poder Executivo. Neste, o Brasil ocupa atualmente a última posição dentre os países da América Latina, segundo dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe.
É preciso, porém, ir além dos números e qualificar esse debate. O ponto de partida é o significado de uma maior presença feminina no poder. Para entender o que isso significa, recorro a uma metáfora da ex-deputada argentina Victoria Donda, a mais jovem mulher a ingressar no Congresso Nacional da Argentina (em 2019). Num depoimento a um <a href="https://www.institutoupdate.org.br/eleitas/">estudo</a> do Instituto Update, Eleitas, Victoria disse:
<blockquote class="jota-article__citation">“O poder é um assento de bicicleta feito para o corpo masculino. E como mulher você tem três opções: ou senta e se acostuma com o incômodo, o que te faz exercer o poder de forma masculina, tratando tudo à força, impondo autoridade desde uma perspectiva violenta; ou aceita que esse assento não é pra você, desce da bicicleta e não exerce o poder. Ou, então, você muda o assento. E para mim devemos trocar o assento e trocar a forma de exercer o poder".</blockquote>
Simples e preciso. É assim na política institucional e nas corporações. Mais mulheres, sim. Mas com consciência de gênero, que leva a uma forma distinta de exercício do poder. Um estilo de liderança que, segundo muitos estudos comparativos internacionais (entre eles o do próprio Update, que mapeou 600 mulheres em diferentes países da América Latina), demonstra características próprias e tradicionalmente identificadas como femininas: a busca da verdade e da transparência, determinação, solidariedade, empatia e o amor no trato das pessoas.
Vejam que muitas dessas características, só por estarem no campo “feminino” em nosso imaginário, são vistas como desdouro. É como se o amor no trato, por exemplo, não coubesse em lideranças. Uma ideia que continuará tendo seu espaço, mas cada vez mais no passado.
Basta olhar para a recente experiência da pandemia. Lideranças femininas se destacaram globalmente com algumas atitudes em comum: deram prioridade à colaboração, agiram com rapidez, não hesitaram em tomar decisões difíceis e impopulares como o isolamento social e o lockdown, respeitaram a ciência e a saúde pública – e souberam montar equipes diversas. Viraram exemplo de boa atuação. 
Outro traço dominante geralmente identificado com o feminino é a determinação em resolver problemas. É o que pesquisadores chamam de empatia pragmática, uma conexão com a sociedade por meio da escuta, mais colaboração e menos preocupação com a autoria das ações. Foco em resultados, enfim.
É preciso lembrar que uma mãe raramente pensaria a regulamentação do espaço de trânsito de um aeroporto sem considerar, por exemplo, as necessidades da criança. No urbanismo, são inúmeros exemplos que reafirmam o fato de que políticas públicas com olhares das mulheres agregam efeitos práticos – para ficar nos exemplos relacionados à maternidade, é o caso de banheiros públicos mais amplos para permitir a permanência temporária dos carrinhos de bebês. 
Não fossem essas razões suficientes para reconhecer a importância de ter mulheres tomando decisões que extrapolam a esfera íntima do lar, países onde mais mulheres estão no governo exibem, por exemplo, menos casos de corrupção. Publicado no Journal of Economic Behavior &amp; Organization pelos pesquisadores Chandan Jha e Sudipta Sarangi, um estudo analisou 125 países, incluindo o Brasil, e descobriu que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo. Não porque mulheres sejam inerentemente menos corruptas que homens, mas por uma razão mais simples: mulheres formuladores de políticas tendem a favorecer políticas que melhoram coisas como a provisão de bens públicos, saúde, educação e bem-estar infantil. A menor desigualdade, ainda que por via indireta, se converte em favor da redução da corrupção.
Enfrentar a sub-representação de determinados setores é combater tanto um sintoma quanto uma causa da desigualdade. E se quisermos consolidar novos padrões de governabilidade que sejam responsivos aos desafios do presente e do futuro, a reconstrução da democracia brasileira precisa contemplar a equidade de gênero. 
A Rede de Lideranças Globais do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/forum-economico-mundial">Fórum Econômico Mundial</a> lançou, em parceria com os Global Shapers e a Accenture, a pesquisa "<a href="https://www.accenture.com/_acnmedia/PDF-115/Accenture-DAVOS-Responsible-Leadership-Report.pdf">Buscando novas lideranças: liderança responsável por um mundo sustentável e equitativo</a>", na qual alguns elementos são descritos como fundamentais para uma liderança responsável: inclusão das partes interessadas, emoção, intuição, missão e propósito estão entre eles.
O exercício feminino do poder, com tais atributos, não implica necessariamente ser conduzido por mulheres. É uma forma, uma prática, um estilo de liderança que – por que não? – também pode ser protagonizado por homens. Seremos um país melhor quando mulheres e homens priorizarem essas características, tidas hoje por femininas, e formarem equipes mais diversas, por exemplo.
Ainda assim, é fundamental que mulheres com consciência de gênero estejam lá, tomando as decisões que impactarão a vida de todos nós. Pois só elas carregam as vivências próprias dessa condição de gênero. E isso faz com que enxerguemos o mundo com outras lentes. A forma de uma mulher realizar, e o que ela elege fazer, por si, oxigena ambientes já tão viciados num mesmo modus operandi.
A preocupação não é apenas ideológica. Somar olhares, de mulheres e homens, é qualificar decisões. Equidade é um compromisso assumido pelo Brasil internacionalmente e nossa democracia, prenhe de espaços para aperfeiçoamentos, só será sólida se considerar a representação feminina nos postos de tomada de decisões como um de seus pilares.

Sede do Supremo Tribunal

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JOTA

Seremos um país melhor quando mulheres e homens priorizarem características tidas por femininas e formarem equipes mais diversas

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