Fabiana de Menezes Soares

Hugo Henry Martins de Assis Soares

Paula Gomes de Magalhães

Marcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite

Discussões (não tão) recentes levam em consideração a (in)segurança jurídica no ordenamento pátrio, uma vez que a cadeia de fontes do direito no Brasil é vasta e plural, especialmente em relação à distribuição de competência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como entre os entes federativos, Municípios, Estados e União.
Então, no tocante à elaboração legislativa, a amplitude não se limita ao Legislativo, mas também ao Poder Executivo (para não adentrarmos no Judiciário com decisões díspares e súmulas (não) vinculantes). Como já salientado em outro momento, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legislativo-no-diva-avaliar-para-melhor-legitimar-09082019" target="_blank" rel="noopener">a atividade legislativa carece de maior racionalidade</a>, advinda de um método específico para tal, a fim de combatermos a discricionariedade exacerbada (e por muitas vezes, arbitrariedade) que pode prejudicar a produção legislativa em geral.
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<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine" target="_blank" rel="noopener" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://www.jota.info/assine&amp;source=gmail&amp;ust=1572012209536000&amp;usg=AFQjCNELFzbbeFe86fT5kMVIsQdQbID1-g">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque!</a></li>
</ul>
Para uma efetiva executoriedade dos interesses públicos, a elaboração legislativa deve ser otimizada a partir de um processo de justificação ao impulso de legislar do Executivo, a levar em conta os destinatários afetados pela norma e um circuito de informações<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> pertinentes à atuação legislativa.
Para tratarmos as questões relativas à presença do legislativo nos atos executivos, tomemos como recorte o cenário legislativo-regulatório brasileiro, em que o poder executivo atua de forma relevante.
Há uma pluralidade de atos normativos existentes, editados no contexto de um sistema normativo multinível que padece de uma política de boa legislação apta a orientar, minimamente, não só a escolha da adequada espécie normativa, mas o modo como a mesma se relacionará com a ação governamental própria das políticas públicas. Esta situação repercute na inflação legislativa presente no cenário regulatório brasileiro e traz consequentes efeitos negativos<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> à dinâmica econômica do país.
A definição restrita da tipificação desses atos, somada à delimitação da competência e determinação da hierarquização normativa, são fatores necessários – mas não suficientes – para reduzir os danos causados pela falta de gestão. Os pontos mencionados acima fazem parte do procedimento adotado pelo Legislativo que visa à simplificação de tipologia dos atos.
Daí a relevância da Legística para a elaboração dos atos do Executivo que versem sobre regulamentação governamental. Ressalta-se que a otimização da informação jurídica, assim como a interação entre instituições e cidadãos, também são fatores levados em consideração pelo Legislativo (SOARES, 2012) capazes de influenciar sobremaneira a atuação do Executivo.
Para uma melhor gestão, aplicação, elaboração e interpretação, a disposição de normas sobre produção de outras normas, condicionantes, serve não só para densificar, qualitativamente, no contexto da transparência, uma elaboração legislativo-regulatória, mas também como um imperativo de caráter duradouro para os programas de simplificação. A existência de instrumentos, como um ‘manual’, nas boas práticas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> internacionais, reforça a estabilidade e a ingerência de uma cultura de elaboração legislativa consolidada sobre os pilares da simplificação, consolidação, planejamento e articulação com toda a cadeia de fontes do direito existente.
Nesse sentido, a Legística surge como um método de elaboração legislativa capaz de contribuir à compreensão do texto legal e estreitar os laços entre o elaborador das normas com seu receptor. Com isso, a identificação do cidadão com o ato normativo aumenta, o que, por consequência, eleva a legitimidade da lei.
Dentro da ideia de um ‘manual’ para prática legislativa, analisemos a Recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os instrumentos que melhoram a qualidade da regulamentação governamental, elaborada já em 1995.
Por meio de uma Lista de Verificação de Referência para Tomada de Decisão Regulamentar (OECD, 2019), através de dez perguntas, foi operacionalizado um compilado dos princípios essenciais que norteiam o processo decisional da elaboração legislativa:
<ol>
<li>O problema está definido corretamente?</li>
<li>A ação do governo é justificada?</li>
<li>A regulação é a melhor forma de ação do governo?</li>
<li>Existe uma base legal para a regulamentação?</li>
<li>Qual é o nível apropriado do governo para esta ação?</li>
<li>Os benefícios do regulamento justificam os custos?</li>
<li>A distribuição de efeitos em toda a sociedade é transparente?</li>
<li>O regulamento é claro, consistente, compreensível e acessível aos usuários?</li>
<li>Todas as partes interessadas tiveram a oportunidade de apresentar seus pontos de vista?</li>
<li>Como o cumprimento será alcançado?</li>
</ol>
Os questionamentos levantados acima dialogam diretamente com os passos que visam o aprimoramento das leis e do processo legislativo em si, estabelecidos por Delley (2004) e<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legislativo-no-diva-avaliar-para-melhor-legitimar-09082019)" target="_blank" rel="noopener"> tratados neste mesmo JOTA.</a> Esquema similar ao elaborado pela OCDE também já foi trazido pelo Guia de Conformidade do Inmetro, sobre avaliação de impacto em agências reguladoras, pelo Decreto 9.191/2018 (bem como, mais recentemente, pela Lei de Liberdade Econômica, de nº 13.874/2019):
<ol>
<li>Definição do problema;</li>
<li>Determinação de objetivos;</li>
<li>Estabelecimento de cenários alternativos;</li>
<li>Escolha das soluções;</li>
<li>Avaliação prospectiva;</li>
<li>Execução;</li>
<li>Avaliação retrospectiva.</li>
</ol>
Quando comparamos o primeiro questionamento do compilado da OCDE, “o problema está definido corretamente?”, com os passos presentes na obra de Delley, tem-se que a justificação da ação legislativa de um governo ocorre quando há delimitação do objeto sobre o qual se pretende legislar, assim como verificar os impactos positivos e negativos que eventual legislação acerca do problema pode trazer para a sociedade.
Ademais, ainda sobre o papel da Legística na elaboração dos atos executivos no Brasil, não se pode deixar de mencionar o princípio da publicidade. Com um papel essencial para a efetividade dos atos normativos, este princípio está presente de maneira intrínseca nos documentos que versam sobre a prática legislativa tanto no Legislativo (Delley, 2004) quanto no Executivo (OCDE,1995).
Exemplifica-se com o emprego da publicidade nos canais de atendimento propiciados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que utilizam as tecnologias em benefício da circulação de informações. Com isso, atribui-se ao direito uma nova visão: se antes, apenas instrumento de coerção, a partir da publicidade (a permitir maior interação entre o emissor da elaboração legislativa com o receptor da norma), o direito passa a ser encarado como meio de disseminação de conhecimento, fato este que leva a uma horizontalidade na relação do governo com os cidadãos o que, como já mencionado,<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-confianca-dos-brasileiros-nas-instituicoes-25072019" target="_blank" rel="noopener"> reduz a crise de legitimidade das instituições.</a>
Ainda, além dos aspectos materiais levantados por Delley (2004), os formais também devem ser observados no ato de elaboração legislativa pelo Executivo. Tem-se a verificação da correta indicação do âmbito de aplicação do ato e do objeto, de sua estrutura e remissão as normas, da cláusula de revogação e vigência, da articulação quanto a desdobramentos e agrupamentos, incluindo configuração da redação e formatação (SOARES, 2012, p. 223-224).
Ante todo o exposto, conclui-se pela importância da utilização dos modelos de avaliação legislativa também no Poder Executivo, a fim de que a qualidade da lei e sua eficácia sejam potencializados já que a implementação e o planejamento da executoriedade fazem parte da governança legislativo-regulatória.
Vale dizer que mesmo diante das dificuldades para efetivação do procedimento da Legística na gestão da elaboração legislativa, a comprovação de sua efetividade é documentada<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Deste modo, as boas práticas de elaboração legislativa não só podem, como devem ser aplicadas por todas as funções com competência normativa.
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Referências
BRASIL. INMETRO. Guia de Boas Práticas de Regulamentação. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/qualidade/pdf/guia_portugues.pdf. Acesso em: 25/08/2019.
DELLEY, Jean-Daniel. Pensar a lei. introdução a um procedimento metódico. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 7, n. 12, pp. 101-143, 2004.
OECD. Recommendation of the Council on Improving the Quality of Government Regulation. OECD/LEGAL/0278. 2019. Disponível em: https://drive.google.com/drive/u/1/folders/1DOFGXeN0jDQy5NjAlQKdofdabTLrTOui. Acesso em: 25/08/2019.
SOARES, Fabiana de Menezes. Simplificação e elaboração da legislação tributária infralegal: notas sobre o acesso ao direito vigente e a gestão da elaboração legislativa pelo Executivo. Cadernos de Finanças Públicas, Brasília, n. 12, p. 219-254, dez. 2012.
SUISSE. Guide de Législation: Guide pour l’élaboration de la législation fédérale, 2019. Disponível em: https://www.bj.admin.ch/dam/data/bj/staat/legistik/hauptinstrumente/gleitf-f.pdf . Acesso em: 01/10/2019.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Os estudos de avaliação legislativa referenciada feitos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico fazem parte desse circuito. Como exemplos têm-se:  Recommendation of the Council on OECD Legal Instruments Improving the Quality of Government Regulation (1995); APEC-OECD Integrated Checklist on Regulatory Reform (2005); Building an Institutional Framework for Regulatory Impact Analysis (RIA) (2008); Indicators of Regulatory Policy and Governance: Design, Methodology and Key Results (2015); Opening Government: Transparency and Engagement in the Information Age (2018).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Tais como: conflito de atos normativos; falta de fiscalização pelo excesso de atos; ausência de regulação específica de algum ato criado, o que leva a grandes lacunas e arbitrariedade na aplicação; ingerência excessiva do Estado na economia, o que obsta a livre competição de mercado.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> É o caso, por exemplo, do guia de legislação federal da Suíça. Nele, não só as pessoas envolvidas no processo de produção normativa, como também quaisquer cidadãos têm acesso a todas as informações relevantes para o processo legislativo, sobretudo em relação aos instrumentos de avaliação de impacto e de controle e monitoramento da implementação da norma. Assim, é traçado todo um caminho metódico para se observar e garantir não apenas melhores formas de concepção e criação das normas, mas de sua implementação e análise dos efeitos na realidade. Disponível em https://www.bj.admin.ch/bj/fr/home/staat/legistik/hauptinstrumente.html. Acesso em 1º de outubro de 2019.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Tem-se como referência o modelo de elaboração legistativo-regulatória na Suíça, que segue os procedimentos da Legística e conta com um guia específico para a gestão de proposições de atos normativos, como já trazido alhures.

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