Carlos Baigorri

Alexandre Freire

Mozart Tenório

A internet conforme nós a entendemos evoluiu desde versões mais rudimentares de comunicação informacional, por meio de mensagens simples e curtas entre computadores, até o ápice de conectividade que vivenciamos atualmente.
Essa fase de criação, que se deu principalmente no ambiente militar e nos centros de pesquisas de engenharia no estado da arte da comunicação eletrônica, desenvolveu-se dos anos 1960 até meados dos anos 1990, quando a internet avançou ao uso pela sociedade. Nesse momento, foram criados os padrões de uso público da internet.
Em seguida, números de endereço Internet Protocol (IP) foram oportunamente “traduzidos” para palavras num processo que ficou conhecido como atribuição de nomes de domínio. A princípio, um único pesquisador, Jon Postel, a partir de uma pequena sala na University of Southern California (USC), realizava a atribuição e o controle de nomes de domínio. Mas, em 1997, conforme dados do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-mundial">Banco Mundial</a>, estimava-se que 100 milhões de pessoas ao redor do globo já acessavam a internet. Tal explosão exigiu que, nos Estados Unidos, em 1998, fosse criada uma organização não governamental para assumir essa tarefa: a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN). O Brasil, revelando pioneirismo, já havia instituído em 1995, por Portaria Interministerial, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), cujo primeiro ato normativo foi justamente o estabelecimento de regras para atribuição de nomes de domínio.
Esse era o cenário quando da primeira fase da internet, a chamada web 1.0. Essa etapa se caracterizou principalmente pela existência de páginas estáticas e interação limitada dos usuários, que utilizavam a internet para, sobretudo, compartilhar informações e se comunicar. Nessa altura, os usuários eram conhecidos como “internautas” e o uso consistia em “surfar” de site em site principalmente em busca de informação – (anota-se que) os motores de busca ainda eram bastante limitados e mesmo o universo de informações à disposição era sobremaneira inferior ao que podemos encontrar hoje.
Tal primeira fase foi marcada pelos provedores de acesso que, ao realizarem a conexão do usuário à rede, também lhe faziam as vezes de “portal”, provendo iniciação à interação e guiando os primeiros passos de muitos usuários nesse novo ecossistema. Esse estágio compreendeu o início dos anos 1990 até o início dos anos 2000.
É importante ressaltar que as fases convivem entre si durante as transições. Em outros termos, uma fase não precisa morrer para que outra se inicie, é mais como se cada nova fase representasse uma onda de evolução que adicionasse mais água ao oceano de possibilidades. Esse foi o período do Altavista, do Yahoo!, da Wikipedia, do ICQ, do MSN, da America Online (AOL, que na época se fundiu à TimeWarner), do Netscape, entre outros. Uma fase romântica, de exploração, que pode ser entendida como a infância da internet.
A web 2.0 foi a segunda fase da internet e caracterizou-se por páginas dinâmicas e maior interação dos usuários. Ela foi usada principalmente para colaboração, redes sociais e criação de conteúdo. Essa fase durou, aproximadamente, do início dos anos 2000 até meados dos anos 2010. Nesse período, vivenciamos a ascensão e a queda do Orkut e de tantas outras redes sociais, mas algumas delas sobreviveram e dominaram o mercado em escala global, com destaque para o Facebook, o Twitter, o Instagram e mais recentemente o TikTok. Um motor de busca em particular, o Google, se destacou.
A evolução da transmissão de dados tornou sites com experiências inicialmente incipientes em autênticos canais de TV, como o YouTube e a Netflix, entre outros. O mundo físico migrou para a internet e assim a sociedade mudou: entregas, ecommerce, mensageria, deliveries de bens de consumo, serviços financeiros, transporte de pessoas e marcação de hospedagem são alguns exemplos de serviços que passaram a ser largamente oferecidos por meio da internet. Mais do que isso, essa fase representou, por um lado, a independência da internet do computador, devido principalmente aos aparelhos celulares, mas também às TVs e outros dispositivos conectados. Por outro lado, a web 2.0 representou a independência dos prestadores de serviços online em relação ao sistema clássico de nomes de domínio, em razão especialmente dos aplicativos (apps).
Foi assim que, do ponto de vista do usuário, o próprio conceito de internet se dissipou. A conectividade se tornou praticamente uma commodity, de modo que, ao utilizar serviços como Uber, WhatsApp, Spotify e outros, o consumidor sequer se percebe usando a internet em sua versão clássica. É somente quando (muito raramente) a “internet cai” que o usuário se lembra de que precisa do seu “serviço de dados” para proporcionar o uso de facilidades já tão inseridas no seu dia a dia. Para além disso, serviços de exercício de cidadania, como identificação civil e acesso à saúde pública, também exigem hoje um aparelho celular com bateria e acesso a dados.
Nesse momento, estamos marchando para o que é entendida como a terceira fase da internet – que seria, em comparação com o ciclo de vida humano, algo como o início da fase adulta. Descentralizada, imersiva, semântica, centrada no usuário e conectada com o mundo ciberfísico, a web 3.0 se caracteriza pelo uso de inteligência artificial e aprendizado de máquina para criar experiências personalizadas. Metaverso, blockchain, Internet das Coisas, tudo isso encadeado aponta para um aprofundamento ainda maior da relevância da internet em nossas vidas. Mas essa relevância não vem sem custos ou sem riscos.
Assim, em termos de regulamentação, pode-se objetivamente afirmar que a web 1.0 não era regulamentada, existiam apenas diretrizes às quais a comunidade poderia optar por aderir ou não. Por sua vez, essa cibercomunidade, interessada no desenvolvimento sustentável e na massificação do uso da internet, costumava assentir de maneira entusiasmada aos preceitos inclusivos de outrora.
Já na fase da web 2.0, a internet passou a ser mais fortemente regulamentada em iniciativas esparsas e pontuais, mais focadas em conter as tentativas de solapamento da liberdade na rede do que qualquer outra coisa. Um exemplo disso é a regulamentação da chamada neutralidade de rede.
Agora, justamente nesta fase de transição em que a web 2.0 já se apresenta amadurecida e a web 3.0 começa a demonstrar seus efeitos de maneira mais visível, é que o debate sobre a regulamentação da internet atinge níveis decisivos em escala mundial. O movimento de autorregulação parece ter sucumbido à pressão de interesses de grandes corporações. Os casos de fracasso da autorregulação se acumulam e uma internet cada vez mais concentrada em grandes corporações e em agregadores de conteúdo e serviços revela suas fraquezas sociais.
Essa fase de expansão ampliou os benefícios, mas naturalmente ampliou também os malefícios advindos do ambiente virtual. Problemas relacionados a toda sorte de ilícitos, então ocasionais na primeira fase da internet, transmudaram-se em ameaças ainda maiores do que eram no ambiente físico. Cibercrimes vitimam milhões de pessoas todos os dias, ciberataques ameaçam paralisar nações. Discursos de ódio, disseminação de ideias antidemocráticas, pregação de ideologias nefastas e desinformação estrutural encontraram nesse espaço transfronteiriço, e em grande parte anonimizado, da internet, terreno fértil para se alastrarem como uma praga.
O Brasil apresentou, ao longo de tal processo, pioneirismo e coragem para enfrentar várias dessas questões, mas hoje carece de um arcabouço legal mais sólido para equacionar a matéria. Especialmente no âmbito do que em regulação se expressa por meio do termo em inglês enforcement, o sistema apresenta lacunas a serem preenchidas.
Foi nesse ambiente, e por força de ordem judicial, que a Anatel passou a receber dos Tribunais Superiores a incumbência de implementar decisões voltadas a inibir crimes eleitorais e afins na internet. No ano de 2022, a Anatel cumpriu decisões para remover 21 sites de conteúdo ilícito online, sendo seis a partir de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e 15 a partir de pronunciamento judicial do Supremo Tribunal Federal (STF).
O primeiro problema decorreu da falta de padrão e procedimento no recebimento do mandado dessas decisões, às vezes por protocolo comum, outras por recebimento a partir de Oficial de Justiça (situação em que o servidor que recebeu a ordem na Anatel variou), ou ainda por e-mail (caso em que o e-mail utilizado também variou), o que acarretou por vezes algum atraso no cumprimento da decisão.
Nesse sentido, a Anatel empreendeu esforços para notificar as decisões a um universo de aproximadamente 16.700 prestadores de serviços de comunicação de dados espalhados pelo Brasil. O contato com maiores prestadores deu-se por intimação eletrônica oficial, reservando-se a intimação por meio eletrônico comum (e-mail) para os pequenos prestadores, ocasião em que a capacidade de acompanhamento da implementação dessas ordens restou impactada.
Na maior parte dos casos, a remoção dizia respeito a websites inteiros e hospedados no Brasil – particularidade que abre a oportunidade para que a Anatel diversifique os esforços no sentido de manter diálogo institucional com o CGI.br para remover do ar os nomes de domínio diretamente, tornando mais efetiva a execução das medidas, tratativas nesse sentido estão em curso.
Contudo, cabe mencionar que o CGI.br só tem ingerência sobre os domínios brasileiros (.br), portanto com alcance limitado, vez que algumas ordens de bloqueio tratam de sites com nomes de domínio fora do universo .br. Isso exigirá complexas tratativas junto aos pares internacionais do CGI, tais como o ICANN americano. Além disso, a Anatel também recebeu ordem de efetuar a exclusão de página dentro de site, o que é bem mais complexo. Nesse bojo, é preciso prever também a necessidade de retirada de conteúdo criminoso de sites que hospedem “subpáginas”, ou ainda a retirada de apps do ar, ou canais dentro de apps, ou conteúdos em serviços de streaming, ou de conteúdos específicos em plataformas de upload de conteúdos, de perfis em redes sociais, entre outras situações menos comuns.
A missão de inibir ou remover esses ilícitos na rede não foi simples desde o início, mas promete se tornar cada vez mais desafiadora conforme o seu desenvolvimento. É imprescindível, portanto, atribuir competência para um ente do Estado que tenha autoridade, expertise e método para ser o órgão de implementação dessas decisões judiciais que, em razão da natureza da inovação tecnológica do objeto, têm intrinsecamente um elevado grau de complexidade.
A Anatel revela-se, nesse cenário, como instituição apta a exercer essa relevante função. Em razão das suas elevadas capacidades institucionais, a agência tem contribuído para o amadurecimento do debate público sobre a regulação da internet. Por seu turno, no ambiente econômico, tal regulação promoverá a minimização de atos de concentração dos grandes conglomerados; já no ambiente social, a regulação permitirá coibir a ocorrência de ato atentatórios ao Estado democrático de Direito, a disseminação da desinformação e o discurso de ódio. Não se trata da pretensão de assumir toda a regulação de tema tão complexo e multissetorial quanto o ecossistema digital, mas sim de reconhecer que a Anatel possui as capacidades institucionais para executar adequadamente essa desafiadora missão.

Sede da Anatel

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JOTA

Estamos marchando para a terceira fase da internet: descentralizada e imersiva

Ecossistema digital, eleições e a capacidade da Anatel para inibir desinformação

A Anatel tem contribuído para o amadurecimento do debate público sobre a regulação da internet