Fernando Teixeira

Em plena “economia da atenção”, na qual poderosos algoritmos disputam milissegundos de nosso tempo, ainda vemos peças judiciais com centenas, às vezes milhares de páginas. Petições, sentenças e pareceres discorrem pacientemente sobre precedentes e minúcias, reiteram e multiplicam microcosmos argumentativos em uma espécie de estratégia de vitória pelo cansaço. Estudos em Economia Comportamental confirmam o que bons debatedores já sabem: se o objetivo é convencer, menos é mais.
O tema foi abordado pelo professor de negociação e processos decisórios da London Business School, Niro Sivanathan (2019), com base em estudos empíricos nas áreas cognitivas e comportamentais, nas quais se comprova o chamado “efeito diluição”,  segundo o qual argumentos somados perdem força, ao invés de ganhar; ou seja, longas digressões têm efeito oposto ao esperado. Para conseguir comunicar uma mensagem com eficácia, a exposição não deve ser apenas atraente e convincente, ela deve ser “saliente”, ou seja, marcante, visível. Estender indefinidamente a argumentação prejudica “saliência” da mensagem.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Para expor uma posição de forma eficaz é preciso manter o foco nos melhores pontos, esquecendo partes acessórias ou secundárias. Segundo Sivanathan, para elaborar um discurso eficaz é preciso criar um sistema de classificação e separação de informações usando duas categorias: argumentos “diagnósticos” e “não-diagnósticos”; os primeiros são relevantes, os segundos irrelevantes ou sem consequência. Para diferenciar entre ambos, deve-se atribuir pesos aos argumentos selecionados, separando informação entre fortes e fracas, e a partir daí excluir as informações menos relevantes.
Tal técnica pode ser usada tanto para fortalecer como para enfraquecer uma mensagem. Ele cita como exemplo uma propaganda de um medicamento para dormir que incluía entre seus possíveis efeitos colaterais infarto e derrame; sua peça publicitária somava essas consequências graves a uma longa lista de efeitos menos importantes, encerrando com “coceira nos pés”. Infarto e derrame foram “diluídos”, tornando o medicamento mais atrativo.
<blockquote class="jota-article__eye">Quando um advogado, procurador ou juiz lista intermináveis aspectos para fundamentar sua posição, pode dar a impressão de fazer um trabalho minucioso ou completo, mas na prática está enfraquecendo seu argumento.</blockquote>
Para quem olha de fora, calhamaços jurídicos intermináveis fazem parte da “caixa preta” do Judiciário; para quem olha de perto, argumentações laudatórias são parte de uma liturgia usada para encobrir motivações subjacentes.
O jargão técnico é visto, em muitos casos, como verniz para motivações subjetivas; pesquisa recente sobre o tema conclui que, de fato, em muitos casos o jargão opera como uma “estrutura de recepção”, responsável por trazer para o mundo jurídico posições fundadas em motivos extrajurídicos (XAVIER, 2015). Nesse clima de desconfiança, falar de forma clara e direta pode ajudar.
Movimento “Plain Language” (linguagem simples)
Trabalho da linguista Luciane Fröhlich (2015) refaz o histórico do movimento “Plain Language” (linguagem simples), iniciado nos anos 1970, em prol de uma simplificação do linguajar jurídico e burocrático, enumerando para isso alguns componentes do que se convencionou chamar “juridiquês”, colocando, em primeiro lugar, a prolixidade:
<ol>
<li>Prolixidade (obstáculo sintático-semântico)</li>
<li>Orações extensas e complexas</li>
<li>Jargão jurídico (gíria profissional)</li>
<li>Construção Impessoal</li>
<li>Latinismo (expressões em latim)</li>
</ol>
O tema foi abordado em um texto clássico de 1978, “Plain English for Lawyers”, de Richard Wydick, que atribui quatro características à linguagem jurídica: prolixidade, obscuridade, pompa e estilo maçante. Desde então o movimento se ampliou e consolidou. Manuais de redação jurídica contemporâneos fazem apelos a maior clareza e concisão; em 2005 a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou uma campanha contra o “juridiquês” e desde então outras inciativas mais incisivas, inclusive no Congresso Nacional, tentam impor maior objetividade ao texto jurídico. Mas porque é tão difícil mudar a linguagem jurídica?
Retórica e Direito
A retórica aristotélica fazia referências ao excesso argumentativo ao elencar entre os elementos do discurso a atenção ao estilo (“lexis”) e a necessidade de seleção e organização dos argumentos (“taxis”). O problema é, segundo Aristóteles, o desenvolvimento da argumentação envolve uma mistura de razão (“logos”), emoção (“páthos”) e autoridade (“ethos”); ou seja, o convencimento depende também da autoridade de quem fala. Isso muda tudo: uma linguagem especial, ritualizada, demonstra um atributo especial do emissor, exprime autoridade.
O poder simbólico
É comum advogados alertarem para a questão de reconhecimento: petições e pareceres gigantescos transmitem a ideia de capacidade técnica, conhecimento, dedicação e empenho; agradam a clientes, que saem satisfeitos com grandes calhamaços. Juízes cada vez mais assoberbados tendem a ser mais simpáticos à capacidade de síntese, mas é difícil saber até que ponto veriam com bons olhos peças com algumas páginas e uma dúzia de parágrafos.
O sociólogo Pierre Bourdieu aborda o tema no ensaio “A força do Direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico” (1989) no qual destaca a importância da linguagem para a legitimidade do discurso jurídico. O autor dá especial importância ao texto escrito, destacando que esse possui um caráter permanente, universalizante, capaz de transcender o tempo e o espaço, algo mais difícil de ser obtido com a linguagem oral. As peculiaridades do discurso jurídico asseguram a seu emissor ganhos em “capital simbólico”, ou seja, reconhecimento social; o texto jurídico produz valor não apenas em decorrência seu conteúdo racional intrínseco (como gostaria o sociólogo Max Weber), mas em decorrência de “uma eficácia quase mágica”, como diz Pierre Bourdieu.
Não é demais relembrar que a linguagem escrita, mais do que a oral, sempre foi associada ao pensamento mágico. A bíblia era uma arma estratégica nas mãos dos jesuítas na cristianização de povos sem escrita, e na África muçulmana o popular “patuá” nada mais era do que a palavra escrita usada como amuleto. O antropólogo Claude Levi-Strauss registra em “Tristes Trópicos” (1955) a apresentação da escrita aos Nambiquara, no Mato Grosso, em 1938. Intrigado com o funcionamento das anotações do antropólogo, um chefe Nambiquara tomou o bloco de notas do visitante e começou a “ler” o conteúdo durante horas, proferindo comandos e distribuindo presentes, numa encenação que mobilizava o mistério da escrita para promover seu próprio status político e econômico. Contudo, a performance não agradou: insatisfeitos, os Nambiquara abandonaram o chefe poucos dias depois.
Segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, o campo jurídico, com suas liturgias e rituais, mantém muito desse mundo pré-moderno, imerso em simbologias, tradições e mistério. Mas os tempos estão mudando, e o espaço para antigos costumes fica cada vez menor. O episódio dos Nambiquara nos traz uma lição: em um mundo em transformação, velhos truques podem falhar.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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Referências
FRÖHLICH, Luciana. Redação jurídica objetiva: o juridiquês no banco dos réus. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC), v. 22, n. 28, p. 211-236, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/ferna/Downloads/128-250-1-SM.pdf
SIVANATHAN, Natan. The Counterintuitive way to be more persuasive. TEDx London Buisiness School. Vídeo Youtube (10min38sec). May 2019. Disponível em: https://www.ted.com/talks/niro_sivanathan_the_counterintuitive_way_to_be_more_persuasive?language=en
XAVIER, Jose Roberto Franco. A opinião pública e o Sistema de Direito Criminal.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 23, n. 112, p. 149-164, jan.-fev.
2015.

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JOTA

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