Lorice Scalise

Por muito tempo, a ciência contemplou apenas homens para a realização de estudos clínicos. Não por acaso, os sistemas de saúde atuais foram construídos com base em dados que, em grande medida, desconsideram as experiências e necessidades das mulheres. Foram as décadas de tolerância à exclusão ou minorização do gênero feminino que geraram uma estrutura de iniquidade na saúde que, até os dias de hoje, temos dificuldade para superar.
Há pouco tempo, li um estudo que indica que as mulheres vivem 1.606 dias a mais do que homens e, ainda assim, passam 25% a mais de tempo com um estado de saúde ruim. Outro relatório, que escutou o depoimento de mais de 600 mulheres, apontou o descaso quanto às queixas médicas como um dos principais desafios enfrentados nos cuidados com a saúde da mulher.
Lembrei, imediatamente, da fala de uma paciente do SUS que compartilhou ter buscado ajuda médica para examinar um nódulo na mama. Ela se consultou com vários profissionais que não se dispuseram a fazer exame físico, deixando de avaliar as características físicas do nódulo e desconsiderando suas queixas. Ela foi diagnosticada com câncer apenas anos depois.
Atualmente, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cancer-de-mama">câncer de mama</a> conta com tratamentos eficazes que nos permitem oferecer melhores chances de cura e controle da doença. No entanto, a falta de atenção à voz das mulheres tem comprometido não só o seu acesso aos cuidados mais adequados, como também gerado ineficiências às estratégias de saúde.
Um levantamento recente revelou que 52% das pacientes de câncer de mama desistem do tratamento, sendo os efeitos colaterais (82%), a distância (70%) e frequência de visitas ao hospital (64%) apontadas como grandes motivações para isso. É preciso enfatizar: cenários como este também geram impactos significativos à nossa economia.
Análises do McKinsey Health Institute e do McKinsey Global Institute indicam que igualar o tempo de vida saudável entre homens e mulheres poderia aumentar a economia global em pelo menos US$ 1 trilhão anualmente até 2040. Uma estimativa considerada conservadora, devido aos sub-relatos e audiência de dados.
Como, então, resolver esta questão? Um infinito de estratégias pode ser explorado para aumentarmos a equidade de gênero na saúde. Todas elas, contudo, passam por termos a voz da paciente no centro da tomada de decisão.
Quando consideramos os dados sobre desistência do tratamento, por exemplo, opções que reduzam o tempo despendido no hospital ou, até mesmo, que viabilizem o cuidado fora do ambiente hospitalar podem gerar múltiplos benefícios. Isso porque as pacientes terão um impacto menor em suas rotinas, reduzirão ou eliminarão os custos relacionados à locomoção, enquanto as instituições de saúde poderão liberar sua capacidade, aumentar sua produtividade e operar com mais eficiência.
Do ponto de vista de tecnologias, já estamos prontos para isso. Soluções como esta já estão disponíveis no país. O problema é que elas ainda não estão acessíveis para a maioria das pacientes que poderiam se beneficiar delas.
Acredito muito no conceito de antifragilidade, na capacidade de crescer e de nos aprimorarmos a partir de situações difíceis. Então é necessário não perdermos de mente: cerca de 50 mulheres morrem de câncer de mama por dia. Enquanto sua voz é negligenciada, nossos sistemas de saúde ficam cada vez mais sobrecarregados. A crise já está aqui. Torço para que não toleremos mais isso. Quando diagnosticadas de forma precoce e tratadas de maneira adequada, essas mesmas pacientes possuem altas chances de cura e melhor controle da doença. É hora de construirmos novos caminhos.

national-cancer-institute-JxoWb7wHqnA-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Várias estratégias podem ser exploradas para aumentarmos a equidade de gênero na saúde

É urgente melhorar qualidade de vida das mulheres com câncer de mama no Brasil

Várias estratégias podem ser exploradas para aumentarmos a equidade de gênero na saúde, como no tratamento do câncer de mama