Thiago Aguiar de Pádua

O presente artigo realiza breve paralelo com a instigante hipótese levantada há alguns anos[1] sobre a possibilidade de o Chief Justice da Suprema Corte Americana, John Roberts, ser um Robô, e as implicações daí decorrentes para o raciocínio jurídico e a tomada de decisão judicial.
Experimentos mentais, como este, sempre ocuparam um importante lugar não apenas no desenvolvimento da filosofia, mas também em áreas como economia, história, matemática, física, inteligência artificial e robótica, desde o Anel de Gyges de Platão, passando pelo gênio maligno de Descartes, a janela quebrada de Bastiat, os macacos infinitos de Borel, o gato de Schrodinger, a sala chinesa de Searle e o “Person-o-Matic”, de Petersen, como bem observam Ian Kerr e Carissima Mathen. 
Longe de ser pejorativo, e antes de ser anedótico, este texto é uma homenagem (com finalidades acadêmicas) à ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, inserida nesta reflexão no lugar do presidente do judiciário Norte-Americano, em nome de todos os ministros do STF e juízes do país, com a substituição dos dados constantes da descrição original da publicação. Tome-se a seguinte narrativa: 
“Em uma bela manhã no Brasil as pessoas acordam com uma notícia muito estranha. Em vários jornais noticia-se a chamada: ‘A ministra Cármen Lúcia é um Robô’. 
Após uma forte explosão no auditório Alberto Deodato, na Faculdade de Direito da UFMG, no qual a Presidente do STF iria ministrar uma conferência, ela foi conduzida ao hospital Mario Penna, em Belo Horizonte, com pequenos ferimentos. Durante os procedimentos de atendimento, os profissionais da saúde descobriram, para espanto geral, que a Ministra Cármen Lúcia era na verdade um Robô.
Foram realizadas uma série de investigações e entrevistas; descobriu-se em que circunstâncias a Cármen Lúcia se tornou bacharel pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1973 a 1977), e que sua carreira pública se desenvolveu exatamente da maneira como consta documentada em sua vida pública. Entretanto, Cármen Lúcia (Robô CLAR-R) era na realidade um protótipo altamente avançado da empresa “BR Robótica e Seres Mecânicos”, desenvolvido cronologicamente nos anos de sua formação pré-acadêmica. 
Como parte de suas pesquisas, a empresa iniciou uma longa e singular experimentação com similaridades de vida humana, através da construção de robôs sociais autônomos que eram virtualmente indistinguíveis dos seres humanos. A finalidade do experimento CLAR-R, a propósito, era saber se robôs sociais conseguiriam se integrar totalmente à sociedade sem auxílio externo. Aspirando testar suas capacidades sociais e intelectuais, CLAR-R foi programada para ser uma estudante do ensino médio, que iria ingressar no curso de Direito. Equipada com várias técnicas de sucesso em cibernética avançada, tato, reconhecimento de voz, engenharia de tecidos e medicina regenerativa, suas diretivas foram programadas a partir de 3 elementos chave da tecnologia de inteligência artificial, e, uma avançada computação afetiva, cada uma das quais mantidas em absoluto sigilo industrial.
Capaz de exibir emoções, e hábil em alterar suas próprias instruções enquanto as executa, CLAR-R foi construída para rodar um código de automodificação, além de um exoesqueleto regenerativo e pele (que iriam sofrendo a ação do tempo, assim como os seres humanos), equipada com uma fonte de energia com a duração de 75 anos. Embora dotada de autoconsciência, CLAR-R não fazia ideia de que era um robô: mais do que isso, CLAR-R estava fortemente condicionada a pensar que era a pessoa humana chamada ‘Cármen Lúcia Antunes Rocha’.
Consequentemente, CLAR-R nunca precisou esconder a sua natureza das demais pessoas, e isso era um elemento chave do experimento. Seus microprocessadores eram capazes de detectar, selecionar, coletar, organizar, internalizar informações de entrada, armazenar, recuperar, pesquisar, processar, agrupar, assimilar, agregar, analisar, sintetizar, estimar, e avaliar resmas de informação exponencialmente mais rápido do que os seres humanos.
Após sua aprovação no vestibular em Direito da PUC/MG, a empresa liberou CLAR-R em 1973 para sua jornada, adotando um comportamento similar à “Primeira Diretriz” (referência ao princípio orientador da Federação Unida de Planetas do universo Star Trek, que proíbe o pessoal da Frota Estelar de interferir com o desenvolvimento interno de civilizações alienígenas), e assim a empresa não interferiu de nenhuma forma no desenvolvimento moral, legal ou social do robô.  
Codificada, como os melhores estudantes de direito, CLAR-R foi programada para aprender sobre como aprender, sem agenda política pré-programada, exceto as ambições normais de um calouro do curso de direito. A empresa não possuía razões para acreditar que CLAR-R viesse a obter sucesso em sua integração humana após a semana de acolhimento dos calouros, e também nunca pretendeu desenvolver um robô com habilidades na tomada de decisões judiciais, mas de alguma maneira CLAR-R não apenas foi aprovada no curso, como brilhou na academia. O resto, como dizem, é história.
Ocupou inúmeros cargos de relevo nas searas jurídica e acadêmica, sendo nomeada juíza do Supremo Tribunal Federal, chegando a exercer a presidência da Corte, tendo escrito e participado de um grande número de importantes decisões (colegiadas e unipessoais).”
A partir desta perspectiva, utilizada como mote para refletir sobre algumas questões que surgem do ponto de vista da filosofia do direito, é preciso refletir, como sugerem Ian Kerr e Carissima Mathen, sobre a possibilidade e a importância de uma máquina (inteligência artificial) geradora e articuladora de argumentos jurídicos para decisões judiciais. Deixemos o exemplo utilizado no texto, para pensar de maneira abstrata, para as provocações que se seguem. 
O primeiro ponto aberto pelos autores, e que vale para a presente reflexão, é que a Suprema Corte possui status constitucional, fazendo nascer a indagação: a Constituição Federal admitiria no STF um ser com inteligência artificial, emitindo e articulando raciocínios jurídicos? Em segundo lugar, admitindo-se que um juiz do Supremo pudesse ser uma inteligência artificial, seria possível exercer o papel de alguém que possui a missão de salvaguardar a CF/88 e prestar (e cumprir) o compromisso do art. 15, § 1º, do RISTF, de “bem cumprir os deveres do cargo, de conformidade com a Constituição e as leis da República”? Preencheria os requisitos constitucionais de idade (mais de 35 e menos de 65 anos), reputação ilibada e notável saber jurídico?
Evidentemente, pensar sobre tais questões implicaria pensar em coisas distintas das quais estamos acostumados. Não se trata de um computador de mesa ou de um aplicativo de smartphone. Fala-se da possível e especulativa relação interdisciplinar entre a inteligência artificial e o direito (AI &amp; the Law), assim como já se fala há algum tempo nas relações entre direito &amp; literatura e/ou direito &amp; economia (Law and economics). Juízes, assim como advogados (públicos e privados), membros do MP, delegados de polícia, ou pesquisadores no geral, não são deuses e nem máquinas, mas a inteligência artificial é algo muito próximo de nossa realidade, mais do que já foi no passado, e aproxima vontade criadora de ação maquinal. 
O assunto descortina, por evidente, um dos temas mais importantes no direito: a eterna disputa teórica, epistemológica e filosófica entre os adeptos do positivismo jurídico e do jusnaturalismo, que alberga questões de justiça e que sempre atraiu a incomoda desconfiança sobre quem se propõe a seguir a letra dos códigos (em momentos totalitários ou não) ou a superá-los (igualmente em momentos totalitários ou não), sem maiores constrangimentos (em um, ou em outro caso), e a referência ao Justice John Roberts (no texto inspirador destas linhas) ocorre pelo fato dele ser adepto do chamado “originalismo”, com características ligadas ao positivismo, sugestionado que a “reprogramação” seria vedada. 
Torna-se imprescindível refletir sobre as linhas de um dos grandes jusfilósofos de nosso tempo, o genovês Pierluigi Chiassoni, conhecedor do positivismo jurídico como poucos, e que precisou fazer a seguinte justificação para falar sobre o tema:
“Escrever sobre o positivismo jurídico pode parecer, hoje em dia, um non sense anacrônico. Segundo a opinião de autores influentes, estaríamos, pois, em uma estação, no desenvolvimento incessante da cultura jurídica, onde o positivismo já havia esgotado sua função. O esgotamento seria o resultado conspirador de três fatores. Em primeiro lugar, a decrepitude que desfaz todas as coisas, materiais e espirituais. Em segundo lugar, a “renovação interior”, na forma de um giro palingenésico pelo qual alguns dos positivistas contemporâneos vêm atribuindo uma novidadeira – mas ao mesmo tempo, em minha opinião, equivocada - jurisprudência essencialista. Em terceiro lugar, e principalmente, os impiedosos golpes de competidores poderosíssimos – pense-se no interpretacionismo (interpretativism) e no (neo) constitucionalismo principialista - os quais tem feito do “não-positivismo”, ou melhor, do “pós-positivismo”, sua bandeira de batalha”[2].
A Constituição da República dispõe que um juiz do Supremo, antes de tudo, deve ser um cidadão (art. 101), e este seria o primeiro empecilho para se admitir um Juiz Constitucional cujo ser fosse dotado de inteligência artificial, exceto, evidentemente, que se pudesse considerar um robô como cidadão, mas a hipótese central que se encontra no meio destas reflexões é dada pelos autores do texto original: os desafios que surgem a partir disso são: 1) esclarecer sobre como nós compreendemos os juízes e o ato de tomada de decisão judicial, e, 2) o que nós esperamos deles e da prática do papel judicante. Trata-se de filosofia a partir do (e sobre o) STF. 
Surge então outra pergunta: a filosofia merece algum lugar de destaque no Supremo Tribunal, como questionado por Thom Brooks?[3]  Tal indagação foi feita em razão de a Suprema Corte dos Estados Unidos da América ter decidido os casos sobre o suicídio assistido (Vacco v. Quill , e Washington v. Glucksberg ), sem fazer qualquer referência a um específico amicus curiae briefing  (o brief dos filósofos Ronald Dworkin, Thomas Nagel, Robert Nozick, John Rawls, Thomas Scanlon e Judith Jarvis Thomson)[4].
Certamente não é um tema desimportante, e nem recente, bastando recordarmos que em 1960 James Gardner fez publicar um instigante artigo com o título: “A Suprema Corte e a Filosofia do Direito”[5].  A epígrafe utilizada no artigo, como forma inicial de provocação ao leitor, foi um fragmento de “The Path of the Law”, de Oliver Wendell Holmes Jr, mencionando que “a teoria é a parte mais importante da dogmática jurídica, assim como o arquiteto é o homem mais importante a tomar parte na construção de uma casa”[6]. 
Uma Suprema Corte sem teoria (e sem filosofia do direito, com lastro densamente constitucional), tende a fazer ruir toda a arquitetura da Constituição, por mais bem-intencionadas que sejam as decisões. Isso implica na necessidade de reflexão e questionamentos sobre a força - e sobre os poderes - do Supremo Tribunal, pois como refletido por James Gardner, retomando Holmes, precisa ficar bastante claro para os Juízes que eles devem sempre se lembrar de que não são Deuses, e de que seu pequeno sistema não é cósmico[7].
Havendo liberdade ilimitada de criação, ainda que “cautelosamente disfarçada” (e a utilização de inteligência artificial autônoma merece reflexão), estaremos diante da possibilidade de um “Precedente Adâmico”[8], como nos sugere José Ortega y Gasset, em suas Meditações do Quixote, filósofo que também nos adverte para o fato de que “a filosofia é a ortopedia da crença fraturada”, decorrente da “crença na não crença”, fragmento filosófico escrito em linguagem poderosa e transformadora. 
Estas linhas servem para inverter (quebrar) a indagação: pensemos não apenas sobre a possibilidade de os Juízes do STF serem robôs, com inteligência artificial, mas sobre eventuais avanços tecnológicos permitirem que robôs atuem a partir do perfil de alguns dos juízes do STF. Isso torna necessário que os Juízes da Corte Suprema sejam pesquisados (e se permitam sê-lo) a partir de cada uma de suas características idiossincráticas na tomada de decisão judicial, pois um juiz do Supremo ser um robô é diferente de um robô imitar um juiz do Supremo, ou será que não?
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[1] KERR, Ian;  MATHEN, Carissima. Chief Justice John Roberts is a Robot. Presentation paper at University of Miami, Newman Alumni Center, in Coral Gables, Florida, 5 de abril de 2014. Disponível em: &lt;http://robots.law.miami.edu/2014/wp-content/uploads/2013/06/Chief-Justice-John-Roberts-is-a-Robot-March-13-.pdf&gt;, acesso em: 01.02.2017. 
[2] CHIASSONI, Pierluigi. El discreto placer del positivismo jurídico. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2016, p. 47. 
[3] BROOKS, Thom. Does Philosophy Deserve a Place at the Supreme Court? The Rutgers Law Record, vol. 27, 2003. 
[4] DWORKIN, Ronald; NAGEL, Thomas; NOZICK, Robert; RAWLS, John; SCANLON, Thomas; JARVIS THOMSON, Judith. Assisted Suicide: The Philosopher’s Brief. The New York Review of Books, vol. XLIV, n. 5, March 27, 1997. 
[5] GARDNER, James. The Supreme Court and the Philosophy of Law. Villanova Law Review, vol. 5, n. 2, 1960. 
[6] HOLMES JR, Oliver Wendell. The Path of Law. 10 Harvard Law Review 457, 1897. 
[7] GARDNER, James. The Supreme Court and the Philosophy of Law. Villanova Law Review, vol. 5, n. 2, 1960, p. 204. 
[8] A partir de Ortega y Gasset, na abordagem realizada na “perplexidade preliminar” das Meditações do Quixote, no fragmento sobre “Cultura e Segurança”. Cfr. ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote. Trad. Gilberto de Mello Kujawski. São Paulo: Livro Ibero-Americano Ltda, 1967, p. 103.

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JOTA

Um juiz do STF ser um robô é diferente de um robô imitar um juiz do STF, ou será que não?


E se Carmen Lúcia fosse um robô?

Um juiz do STF ser um robô é diferente de um robô imitar um juiz do STF, ou será que não?