Lina Santin

A perspectiva formalista do Direito Tributário reinou quase absoluta nos tribunais administrativos até 2004, formando densa jurisprudência. Após 2005, sem mudança legal e apenas por influência da doutrina estabeleceu-se nova concepção, inaugurando a era da “substância sobre a forma”. A partir de 2009, a antigo Conselho de Contribuintes deu lugar ao novo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que na grande maioria dos casos vinha aplicando esta nova concepção mediante análise criteriosa das operações questionadas. 
Após 2015, com a deflagração da “Operação Zelotes”, observa-se uma mudança no perfil e maior inflexibilidade dos julgadores: qualquer estrutura e operação que resultem no pagamento de menos imposto, ainda que se utilizem de formas lícitas, com substância e propósito negocial, são vistas como simulação, cuja única intenção seria a de pagar menos tributo. Parece-nos impossível atribuir a licitude ou ilicitude da operação de acordo com a “intenção” do contribuinte, mas esta tem sido a prática.
Diante da impossibilidade de criar novos tributos por lei e da omissão do Poder Legislativo em exercer seu dever de atualização e reforma da legislação tributária, o Estado aproveita as mesmas brechas legais que possibilitam estruturas menos onerosas tributariamente para, também em nome da lei, exigir a suposta diferença do tributo incidente sobre a opção mais onerosa, com o acréscimo de multas agravadas de até 150% sobre o valor do suposto “tributo devido”. Qualquer previsão legal que propicie dedução/crédito fiscal, alíquotas inferiores, diferimento, ou até mesmo a não incidência, dificulta e compromete a prova da "efetiva verdade do propósito negocial".
<a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/a-nova-lei-de-conformidade-em-sao-paulo-23042018" target="_blank" rel="noopener">+JOTA: A nova Lei de Conformidade em São Paulo. Evento debate Programa de Estímulos à Conformidade Tributária ‘Nos Conformes’, instituído pelo Estado</a>
Esta prática do fisco que, em nome da “defesa legítima dos interesses nacionais”, flexibiliza a legalidade para preservar o nível de arrecadação é o que chamamos “planejamento tributário ao contrário”, numa lógica perversa de “Capitalismo de Estado Patrimonialista” em que o governo usa a “máquina fiscal” para arrecadar de forma dissociada da prática da legalidade e sem preocupar-se com ambiente de negócios, livre concorrência e competitividade das empresas, induzindo e fomentando a bilionária “Indústria do Contencioso Tributário Nacional”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Buscando combater esta realidade federal e seguindo o exemplo das melhores e mais modernas administrações tributárias do mundo, o Estado de São Paulo sai na frente dos demais com a aprovação da Lei Complementar 1.320/2018 que Institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária - "Nos Conformes", com o objetivo de propiciar melhor relacionamento entre fisco e contribuinte, orientado a facilitar, colaborar e promover o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias do ICMS. 
O Programa “Nos Conformes” busca superar o chamado paradigma da repressão e do crime, avançando na direção do paradigma do serviço, cujo enfoque é facilitar e ajudar o contribuinte no cumprimento das leis tributárias: privilegia os atributos de orientação, atendimento, autorregularização, compliance, controle e aprimoramento da atividade fiscalizatória, redução de litigiosidade e oferta de instrumentos tecnológicos que estimulem o cumprimento voluntário das obrigações tributárias pelos contribuintes.
Merece destaque o artigo 1º da Lei que elege como princípios a (i) simplificação do sistema tributário estadual, (ii) boa-fé e previsibilidade de condutas, (iii) segurança jurídica e coerência na aplicação da lei, (iv) publicidade e transparência na divulgação de dados e informações e (v) concorrência leal entre os agentes econômicos: tratam-se de normas programáticas que estabelecem diretrizes de observâncias obrigatórias que deverão orientar todas as políticas, ações e programas que venham a ser adotados pela Administração Tributária. 
Conforme ressaltado na exposição de motivos, a iniciativa busca enfrentar os atuais problemas do sistema tributário brasileiro que prejudicam a produtividade e a competitividade do País. Alinhando a metodologia sugerida pela OCDE para orientação do emprego dos recursos de fiscalização de acordo com o risco assumido pelo contribuinte em cumprir suas obrigações tributárias, valorizando e propiciando um papel mais estratégico e com maior agregação de valor à Administração Tributária, buscando reduzir a assimetria de informações existentes no mercado, que só favorecem a concorrência desleal de quem não cumpre suas obrigações tributárias contra aqueles que integralmente as cumprem. 
Através de três critérios simples e objetivos será possível a classificação dos contribuintes do ICMS por perfil de risco, cujo objetivo central é avançar na transparência tributária do Estado de São Paulo: (i) adimplência ou inadimplência com o Fisco Paulista, (ii) inconsistências entre a escrituração ou a declaração e os documentos fiscais emitidos ou recebidos pelo contribuinte, e, finalmente, (iii) regularidade tributária de seus fornecedores. Dentro desses critérios os contribuintes serão classificados em 6 faixas de riscos a exposição de passivos tributários, sendo a de menor “A+” e a maior exposição a risco “E”.
Estabelecendo-se uma nova relação fisco-contribuinte, os contribuintes com menor exposição a riscos de passivos tributários poderão ter procedimentos simplificados para fruição de alguns serviços ou mesmo a flexibilização de procedimentos do Fisco Paulista. Além disso, poderão contar com a introdução de uma nova lógica tributária focada no monitoramento fiscal e autorregularização, em substituição ao modelo existente excessivamente focado na lavratura de autos de infração. 
Para tanto, há medidas de engajamento dos servidores fazendários nas ações do Programa visando a obtenção dos resultados almejados: servidores de Estado, como o próprio cargo diz, devem servir ao contribuinte, guiando-o e orientando-o na correta interpretação da lei tributária para o pagamento dos tributos devidos. 
A lei ainda está pendente de regulamentação e a Secretaria da Fazenda já se pronunciou<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> que o fará de forma fragmentada, utilizando o mesmo processo democrático observado na elaboração do projeto e nos trâmites que sucederam sua aprovação pela Assembleia Legislativa: será aberta audiência pública, com o objetivo de que todos possam se manifestar e serem efetivamente ouvidos, à exemplo do que já ocorreu com a lei, contribuindo com ajustes e melhorias ao texto. 
Nunca é demais lembrar aos pessimistas de plantão que a regulamentação da lei deverá observar, necessariamente, os princípios eleitos em seu artigo 1º: ao invés de prever falhas e eventuais gargalos, desejamos que a iniciativa privada, à exemplo da Administração Paulista, atue de forma propositiva e colaborativa, buscando aperfeiçoar o Programa Nos Conformes e garantir que seus objetivos não sejam desvirtuados. 
A Lei Complementar 1.320/2018 inaugura uma nova era de cooperação e diálogo com a iniciativa privado, pelo objetivo comum da melhora do sistema tributário, altera a lógica repressiva para foco no monitoramento fiscal, orientação, autorregularização e incentivo à boa governança tributária, apostando na diminuição da litigiosidade e da inadimplência e na melhoria do ambiente de negócios para manutenção e atração de novos investimentos.
Parabéns São Paulo! Que a Lei Complementar 1.320/2018 seja apenas o primeiro passo de uma longa caminhada que está apenas começando.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “Fisco e contribuintes estão alienados na névoa do sistema” 
<a href="https://www.conjur.com.br/2014-mar-20/eurico-santi-fisco-contribuintes-alienados-nevoa-sistema">https://www.conjur.com.br/2014-mar-20/eurico-santi-fisco-contribuintes-alienados-nevoa-sistema</a>
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Conforme fala de Rogério Ceron, no evento promovido pelo Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas - NEF/FGV realizado em 23.04.2018, cuja íntegra está disponível para ser assistida no link:
<a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/a-nova-lei-de-conformidade-em-sao-paulo-23042018">https://www.jota.info/tributos-e-empresas/a-nova-lei-de-conformidade-em-sao-paulo-23042018</a>
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JOTA

Estado de São Paulo sai na frente com a Lei Complementar 1.320/2018 - 'Nos Conformes'

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