É impossível não comparar: quem pensa em comprar ações da Petrobras, ainda que sejam R$ 10, consegue acompanhar, minuto a minuto, a variação do preço da ação na Bolsa de Valores. Consegue, inclusive, o histórico dos últimos 30 anos. Quais os planos para novas perfurações e plataformas, o que dizem as lideranças da empresa e, claro, os relatórios de bancos sobre a companhia, entre milhares de outros insumos para a tomada de decisão.
Agora, quem pensa em alugar ou comprar um imóvel – muitas vezes o investimento mais importante na história de uma família – tem acesso a quase nenhum dado ou informação pública. No máximo conta com a ajuda de um amigo, porteiro ou zelador para entender quanto vale aquela transação, aquele negócio.
Há um certo exagero no exemplo acima, claro, já que bons corretores e imobiliárias possuem conhecimento prático e podem auxiliar nesse processo. Também começam a surgir modelos estatísticos com boa precisão, os chamados AVMs, popularmente conhecidos como “calculadoras de preços”.
Mas, quando comparado aos setores mais desenvolvidos (como o financeiro), o mercado imobiliário vive uma crise de dados, transparência e informação no Brasil.
Valores reais sobre transações são dispersos, por natureza, mas há ao menos três entes públicos que centralizam os dados: a Receita Federal, as prefeituras municipais e os registros públicos. São esses órgãos que podem diminuir o problema da assimetria de informação no Brasil e contribuir para a redução dos custos de transação dentro deste mercado.
Esse tema há muito é debatido por economistas, e três deles já receberam inclusive o Prêmio Nobel por estudos na área. Um dos agraciados, George Akerlof, há mais de cinquenta anos, mostrou o que acontece quando compradores e vendedores de automóveis não têm as mesmas informações em uma transação.
A chance de negociar um “limão” (como são chamados os carros mal conservados nos Estados Unidos) tende a ser maior, o que gera muita incerteza e distorce todas as negociações, inclusive de carros sem quaisquer problemas. Em resumo, a assimetria de informação gera insegurança e perda de eficiência econômica.
Por outro lado, a transparência ajuda as pessoas a fazerem melhores negócios, aumentando o ganho social geral e protegendo os segmentos sociais proporcionalmente mais atingidos pelo desvio nos preços causado pela opacidade negocial.
Sabendo disso, décadas atrás, um jovem economista ajudou a reduzir a assimetria de informações no mercado automotivo brasileiro (e seus derivados, como seguradoras). Junto a outros especialistas, criou a popular Tabela Fipe, um índice nacional de preços para carros usados, a depender da marca, do modelo e do ano de fabricação. Algo relativamente simples, mas muito poderoso.
Esse economista se chama Fernando Haddad, e hoje é ministro da Fazenda. Ele e sua equipe, agora, podem ajudar a trazer mais transparência para o mercado imobiliário, facilitando a compra e venda de imóveis, tornando mais justos os valores das locações e reduzindo o custo do capital nas operações de financiamento.
A Receita Federal recebe todos os meses as Declarações sobre Operações Imobiliárias, arquivos detalhados com valores e endereços de cada transação registrada. Divulgar abertamente esses dados seria uma iniciativa muito bem-vinda, por toda a sociedade, com impactos sociais e econômicos.
Primeiro, a precificação é uma das maiores dores de quem compra e vende, um fator que atrasa negócios. A maioria das pessoas, ao anunciar um imóvel, inicialmente estipula um preço muito acima do mercado, já que a falta de informação gera insegurança no processo.
Com o passar do tempo e as poucas visitas, lentamente passam a reduzir os valores, até que a “oferta encontra a demanda”. Não por acaso, leva-se em média 16 meses para vender um imóvel no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, com fartura de dados, são cerca de 50 dias.
Maior transparência também ajudaria a reduzir o custo do crédito, dado que cerca de metade das vendas de imóveis são financiadas no país. Isso porque os bancos fazem avaliações financeiras dos ativos antes de conceder o empréstimo – já que, em caso de inadimplência, o imóvel é a garantia. Mesmo com algum apoio da ciência de dados, muitas vezes é necessário fazer uma vistoria física dos imóveis, envolvendo perda de tempo e dinheiro.
Aumentar a segurança no mercado com maior transparência é outro argumento forte. Regras de compliance e aumento da fiscalização têm ajudado a reduzir os casos de sonegação de impostos ou de lavagem de dinheiro no setor imobiliário, mas é inegável que elas continuam existindo.
Dados abertos ajudariam a combater fraudes no setor, como sugere a Transparência Internacional. Também combateriam as “vendas por fora”, um enorme problema para corretores e imobiliárias que intermedeiam negócios e, na hora de receber, são deixados para trás.
Por fim, destacam-se os impactos nas políticas públicas e na produção acadêmica focadas em dados. Hoje, diversas cidades estão rediscutindo seus planos diretores, e muitas delas o fazem praticamente no escuro, simplesmente porque essas informações não circulam sequer dentro das Prefeituras. A situação é muito pior para a pesquisa universitária, porque dados são insumos fundamentais.
Do ponto de vista urbanístico, a propriedade urbana é simultaneamente um bem privado e uma fração de riqueza pública sob o domínio de um agente individual. Não por outro motivo, a Constituição tutela o direito de propriedade, mas também o vincula ao cumprimento de uma função social. A regulação urbanística, a cargo do poder público, não pode prescindir do acesso a informações sobre a riqueza social, ainda que ela seja individualmente apropriada.
Esses impactos – e há muitos outros – seriam alcançados com uma política de transparência e dados abertos. O compartilhamento dos dados sob guarda da Receita Federal, por exemplo, poderia alterar substantivamente o mercado imobiliário no Brasil com ganhos evidentes para os atores mais atingidos pela assimetria informacional.
É importante ressaltar que tais informações já são públicas e disponibilizadas individualmente nos cartórios, mas a um custo que praticamente inviabiliza a conversão do dado em informação. Além disso, algumas Prefeituras, como São Paulo e Belo Horizonte, já adotam políticas de democratização da informação, contribuindo para a redução das assimetrias.
Em relação à privacidade ou qualquer outro aspecto relacionado à segurança da informação, existem técnicas já aplicadas que permitem a abertura dos dados sem comprometer as liberdades individuais.
As informações pessoais podem ser anonimizadas ou descaracterizadas para evitar qualquer ameaça à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) ou ao sigilo fiscal. Por outro lado, também é bastante razoável argumentar que informações imobiliárias, como o endereço completo de uma transação, não são dados pessoais, dado que o preço da transação é uma unidade de medida da riqueza social capturada pelo proprietário da unidade imobiliária e de interesse de toda coletividade.
Maior transparência no mercado imobiliário nos aproximaria dos países mais desenvolvidos nessa área, como Reino Unido, Estados Unidos, França e Austrália. No Ranking Global de Transparência Imobiliária, produzido pelas empresas JLL e LaSalle, o Brasil aparece na modesta 44ª posição, na condição de “semi transparente”.
Nesta direção, considerando o relevante papel institucional da Controladoria Geral da União na sustentação de uma agenda de máxima transparência e de adoção de padrões internacionais de integridade, é fundamental o esforço do governo federal para estruturar uma política nacional de transparência imobiliária, com diretrizes para os entes subnacionais, para os registradores e para a fazenda pública de um modo geral.