Renato Giovanini Filho

Vinicius Feliciano Tersi

Recebida como promissor incentivo ao investimento-anjo, a Lei Complementar (LC) 155/2016 pode ter seus objetivos frustrados diante da recente Instrução Normativa (IN) 1.719/2017 da Receita Federal, que regulamentou a tributação a que se sujeita essa categoria de investimento. Ainda que seja compreensível o aparente esforço arrecadatório do governo federal, especialmente em tempos de difícil ajuste fiscal, a regulamentação de uma lei deve ser um meio a facilitar a sua aplicação, e não um óbice às suas finalidades.
O art. 61-A da LC 155/2016 explicita que o objetivo da nova lei é “incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos”, o que deverá nortear o tratamento jurídico dado ao investimento-anjo. Talvez a principal inovação trazida pela nova lei seja distinguir o investimento-anjo da participação societária. O investidor-anjo não se torna sócio da empresa, detentor de cotas ou ações do seu capital, mas celebra um contrato de participação. E a lei assegura expressamente que o investidor-anjo “não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 do Código Civil”. Uma enorme conquista em um sistema jurídico em que a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilização dos sócios foi há muito tempo banalizada.
A distinção entre investimento-anjo e participação societária é também uma proteção para o empreendedor, ao assegurar que o controle societário da startup permanecerá em suas mãos. O investidor-anjo não tem o poder de se envolver na condução dos negócios sociais da empresa e muito menos na sua administração. Dessa maneira, além de criar um ambiente mais seguro para o investimento em startups, protege-a de interferências externas. Nessa mesma linha, a LC 155/2016 estipula ainda que o recebimento de investimento-anjo não interfere no acesso ao Simples Nacional.
Diante desse marco jurídico claramente favorável ao investimento-anjo e às startups, surpreendeu o teor da citada regulamentação da sua tributação, veiculada pela Receita Federal no último dia 21 de julho, determinando que a “remuneração periódica” e os ganhos no resgate do investimento estarão sujeitos ao imposto de renda a alíquotas que decrescem de 22,5% a 15%, a cada 180 dias de permanência do investimento.
Na prática, a regulamentação expedida pela Receita Federal equivale a tratar todas as formas de rentabilização do investimento-anjo de uma única forma, como se fossem aplicações de renda fixa ou variável, e não um investimento produtivo. Tendo em vista que os dividendos oriundos de participações societárias são isentos de imposto de renda e os ganhos de capital, sujeitos à alíquota de 15% até o valor de R$ 5 milhões (Lei 13.259/2016), a IN 1.719/2017 acaba por desincentivar a realização de investimentos-anjo, levando o investidor a optar pelas participações societárias (ou os conhecidos mútuos conversíveis em participações societárias), e valer-se de estratégias próprias para reduzir os riscos correspondentes.
Tendo em vista a legislação tributária em vigor e o citado caráter de incentivo às startups da LC 155/2016, o mais coerente teria sido considerar a “remuneração periódica” do investimento-anjo como dividendo, que é isento de imposto de renda. Tal tratamento tributário seria mais condizente com a natureza do investimento-anjo, uma vez que, como dito, a própria lei define que só o investimento produtivo pode ser considerado como investimento-anjo.
Os graves e persistentes desafios que o País enfrenta atualmente, entre os quais certamente está o enorme desequilíbrio das contas públicas, impõem um cuidado pelo desenvolvimento de um ambiente de empreendedorismo e inovação saudável. Ao que tudo indica, a tributação do investimento-anjo trazida pela nova regulamentação deverá gerar o efeito exatamente oposto ao que parece almejar: em vez de promover uma nova fonte de receita pública, deverá inibi-la, levando os investidores a fazer os investimentos em participações societárias sujeitas a ônus tributário menor. E pior: desincentivará o desenvolvimento de atividades produtivas, o que justamente poderia assegurar o crescimento sustentável dessa receita no futuro.
É preciso defender o investimento-anjo, atribuindo-lhe tratamento tributário coerente com as finalidades da lei que o instituiu, seja para o desenvolvimento de atividades produtivas e de inovação no Brasil, seja para o próprio bem das contas públicas.

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JOTA

Regulamentação de uma lei deve ser um meio a facilitar aplicação, e não um óbice