Vanessa Rahal Canado

No final de 2018, eu, Frederico Bocchi Siqueira – à época aluno do mestrado profissional em direito da FGV Direito SP – e o economista Marcos Lisboa publicamos no JOTA um <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/para-alem-do-tratamento-contabil-e-juridico-das-subvencoes-governamentais-28122018">artigo</a> comentando o quão superficial era a discussão do tema da tributação dos incentivos fiscais de ICMS. À época, o quadro normativo e jurisprudencial não era muito diferente do que temos agora. Não há diferença relevante no posicionamento da Receita Federal, nos julgados do Carf e no posicionamento do STJ.
A Receita Federal e os julgados do Carf focam na diferença entre subvenções para custeio ou investimento, isto é, em analisar se o incentivo fiscal de ICMS dado por determinado estado caracteriza-se como um ou outro. A análise da Receita e do Carf focam apenas na legislação federal para determinar se os subsídios devem ou não ser incluídos no lucro tributável, sem adentrar em questões constitucionais.
Para o STJ, a questão é muito diferente, pois a relevância está na interferência que o governo federal opera ao retirar parte dos ganhos com os incentivos fiscais estaduais, impondo a tributação pelo IRPJ e pela CSLL. Nesse contexto, a União estaria ferindo a autonomia federativa dos estados, e, com isso, ofendendo cláusula pétrea constitucional (art. 60, par. 4º). Esse posicionamento não deveria mudar no julgamento desta quarta-feira (26), pois é irrelevante, neste raciocínio, se o incentivo fiscal é dado via crédito presumido, crédito outorgado, redução de base cálculo, diferimento etc. Não existe diferença de conceito, contabilização ou finalidade: todos são dados pelos estados para atrair empresas aos seus territórios, dado o princípio da origem aplicado ao ICMS.
A novidade mesmo é que o tema entrou na agenda do ajuste fiscal. O governo tem a expectativa de aumentar a arrecadação do IRPJ e da CSLL de forma perene, tributando os incentivos fiscais de ICMS. Mas não é tão simples assim.
O principal precedente do STJ, o Recurso Especial 1.517.492, julgado em setembro de 2017 pela 1ª Turma, entendeu que, independentemente de serem subvenções para custeio ou investimento, os incentivos fiscais de ICMS decorrentes de créditos presumidos não podem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL, sob pena de ofensa ao pacto federativo.
Esse entendimento foi ampliado, na 1ª Turma, para todo e qualquer incentivo fiscal de ICMS, em março de 2022. A 2ª Turma do STJ decidiu pela não tributação apenas aos incentivos fiscais decorrentes de créditos presumidos. Analisando os fundamentos das decisões, não existe praticamente diferença entre elas. A restrição ao crédito presumido pela 2ª Turma esteve muito mais relacionada à preocupação de o incentivo fiscal de ICMS estar convalidado após a Lei Complementar 160 do que ser propriamente um crédito presumido. Entretanto, para eliminar a aparente divergência, o tema será definido pela 1ª Seção nesta quarta-feira (26).
A menos que o STJ mude completamente os fundamentos de suas decisões, o governo não vai conseguir implementar tal mudança nem por emenda constitucional, pois o principal argumento dos precedentes está relacionado ao pacto federativo, uma cláusula pétrea (art. 60, par. 4º, I).
A solução parece até clichê, mas está na reforma tributária. Com a implementação do IVA, a tributação de bens será feita de acordo com a legislação do estado de destino, como nos demais países. Não importará mais o local onde está estabelecida a empresa, seu centro de distribuição ou suas lojas: o que valerá ser o local onde está o consumidor.
Infelizmente, não há solução de curto prazo, e eventual mudança da jurisprudência do STJ, no atual contexto, só irá piorar a situação. Se o STJ definir que apenas os incentivos fiscais decorrentes de créditos presumidos de ICMS não precisam ser tributados, a confusão será ainda maior.
O tipo de incentivo fiscal de ICMS, se redução de base de cálculo, crédito presumido, crédito outorgado ou diferimento, depende unicamente de questões operacionais internas dos estados e dos termos utilizados por convênios do Confaz. Eventual distinção entre eles acabará privilegiando estados que se utilizaram, basicamente para fins burocráticos, do crédito presumido ao invés de outro tipo de mecanismo para redução do ICMS devido. Empresas de outros estados, ou até do mesmo estado, que operam com mecanismo diferente para redução de ICMS teriam sua carga tributária aumentada, desorganizando ainda mais a produção e distribuição de bens pelo Brasil. Parecia impossível pensar em uma situação pior do que a que temos, mas, de fato, isso pode acontecer caso o STJ restrinja seu entendimento a um tipo específico de incentivo fiscal de ICMS. É, é melhor deixar como está.

superior tribunal de justica stj

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JOTA

Se a corte definir que só incentivos decorrentes de créditos presumidos não precisam ser tributados, confusão será ainda maior

É melhor deixar como está: STJ julga tributação de benefícios fiscais de ICMS

Se o STJ definir que só incentivos fiscais decorrentes de créditos presumidos de ICMS não precisam ser tributados, confusão será ainda maior