Justiça Eleitoral

Voto impresso – Por que tanta resistência à transparência?

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Capítulo 1

Resposta ao artigo ‘O voto impresso e a falsa sensação de segurança’, de Fernando Neisser

No dia 20 de maio deste ano, Fernando Neisser, reconhecido jurista atuante no Direito Eleitoral, publicou um artigo intitulado “O voto impresso e a falsa sensação de segurança” nesta mesma coluna, tratando sobre o mecanismo de impressão do voto inserido pela Lei 13.165/15 na Lei 9.504/97. Em seu texto, Neisser se coloca contra a medida, alegando que sempre haverá o “desconhecido técnico” das coisas que nos cercam, já que não há como saber em detalhes sobre tudo do cotidiano; que em uma sociedade de risco (trazendo as lições de Ulrich Beck), não existe forma de ter uma condição de “risco zero” ou de erros sobre tudo, cabendo aos cidadãos apenas confiar nos avais técnicos dos especialistas. Transladando isso para a urna eletrônica, o cerne da questão, segundo Neisser, seria encontrar um ponto de risco tolerável para as fraudes e também avaliar se o custo da implantação do voto impresso compensa para a diminuição deste risco.

Em sua defesa da atual urna eletrônica, o autor expõe quatro argumentos principais: (i) que a impressora é a parte de todo computador que mais apresenta problemas, sendo também uma porta para a entrada de vírus; (ii) que, com a impressão do voto, mesmo o comprovante sendo enviado sem contato manual a um local previamente lacrado, seria possível desembaralhar a combinação de votos – algo que ele julga impossível nos dias de hoje -, e assim, conferir se o eleitor “cumpriu” a sua parte no ilícito de compra de votos; (iii) que os erros humanos, embora frequentes hoje em dia, seriam muito mais visíveis pelo eleitor que, ao perceber que errou, pode ficar “desesperado”, causando problemas nos locais de votação e gerando muito mais questionamento sobre o sistema eletrônico de votação do que pacificação da sociedade em torno do tema; (iv) que não há falha detectada na urna eletrônica até hoje, sendo tudo comprovado pelo método da votação paralela, que já seria um tipo de auditoria eficaz para assegurar o resultado.

Desde a adoção do sistema de votação eletrônica do Brasil ocorrida no final da década de 80, o assunto se tornou um daqueles que despertam acalorados debates. Não há um ponto médio, já que há opiniões muito radicais tanto no sentido de contestar os resultados e a confiabilidade da urna, quanto no de defender cegamente seus números e sua aplicação. Ambas as posições são totalmente plausíveis e saudáveis para o aperfeiçoamento do sistema, e é deste ponto de conflito que desde já se estabelece a primeira premissa: este artigo não vem atacar o sistema eletrônico de votação. O que se propõe ao leitor é uma visão mais sofisticada do que poderia ser melhorado para aumentar ainda mais a segurança das urnas eletrônicas, bem como associar este aumento de segurança com o necessário desenvolvimento da própria democracia. Afinal, quem vota são as pessoas, não as máquinas. Os eleitores não podem ser apartados deste debate como comumente vêm sendo. Portanto, assume-se que qualquer medida que vise integrar cada vez mais o eleitor na melhoria do funcionamento do sistema eleitoral como um todo, compensa.

Dito isso, a primeira parte do texto será destinada a demonstrar a resistência por uma maior transparência no sistema de votação eletrônica pela Justiça Eleitoral. A segunda parte será para responder aos argumentos expostos por Neisser, sendo a terceira reservada para expor algumas sugestões visando tornar o debate menos maniqueísta e mais conciliador, na tentativa de amenizar as radicais opiniões.

Capítulo 2

A necessidade do contínuo aprimoramento da democracia v. resistência à implantação de medidas para este fim

Não há como pensar em Direitos Humanos sem a presença da democracia, e nem o contrário. [simple_tooltip content=’Aliando-se às lições de PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: desafios da ordem internacional contemporânea. Cadernos de Direito Constitucional. Porto Alegre: EMAGIS, 2006. p. 10′]O regime mais compatível com a proteção dos Direitos Humanos é, sem dúvida, o democrático[/simple_tooltip]. Atualmente, dos 195 países analisados anualmente pela Freedom House, 125 realizam eleições periodicamente (sendo classificadas como electoral democracies). Este número pouco se alterou nos últimos anos, embora a entidade destaque que, considerando 2015, a perda de valores democráticos vem aumentando, [simple_tooltip content=’Vid. https://freedomhouse.org/report/freedom-world-2015/discarding-democracy-return-iron-fist Acesso em 21 jan. 2016.’]devido à ascensão de discursos contra a democracia, de autoritarismos, de proibição do exercício de direitos civis e políticos, bem como do terrorismo[/simple_tooltip].

Nesta linha, a democracia possui três aspectos, segundo os ensinamentos de Sartori: [simple_tooltip content=’SARTORI, Giovanni. Elementos de teoria política. Madrid: Alianza editorial, 2008. p. 29′]o primeiro é que a democracia é um princípio de legitimidade; já o segundo é a democracia como um sistema político chamado a resolver problemas de exercício e de titularidade do poder; e o terceiro é a democracia como um ideal[/simple_tooltip]. É dentro desta perspectiva é que surge temas como a confiança nos resultados das urnas.

Não há muitos questionamentos sobre a situação democrática no Brasil. Há anos temos eleições diretas e periódicas, com voto secreto e sufrágio universal. Há a realização de campanhas eleitorais, competição eleitoral ampla e liberdade de escolha do voto. No entanto, um exame mais atento já é suficiente para colocar este “estado democrático brasileiro” em cheque. Se pensarmos que estamos tratando de um país que sofreu com experiências autoritárias, que teve seus períodos democráticos interrompidos somente após algumas décadas cada e que não faz muito tempo que concretizou a sua transição para a democracia, realmente muito foi feito. Porém, mesmo estando no conjunto de países que compôs o que [simple_tooltip content=’Cf. HUNTINGTON, Samuel P. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. US: University of Oklahoma Press, 1992. p. 3 e ss.’]Huntington denominou de 3° onda democratizadora[/simple_tooltip], após a implantação de procedimentos democráticos no Brasil, não houve esforços no sentido de melhorá-los. Ou seja, o Brasil conseguiu conferir legitimidade formal na realização das eleições depois de seu período de exceção, mas não avançou em seu viés material.

Embora já não exista mais a necessidade de antes de legitimar as eleições, agora os desafios são outros, e quase todos conectados à transparência. Vincula-se diretamente com a distinção que se deve ter da democracia como procedimento da democracia com qualidade. Não se pode pensar que, somente porque se realizam eleições periódicas, mas em condições precárias de liberdade, com uma deficitária organização e que terminam elegendo a líderes com pouca ou nula capacidade de transformação social, é que há um [simple_tooltip content=’MEDRANO, Gabriel. La observación electoral desde la academia. In: AA.VV. Lecciones aprendidas en materia de observación electoral en América Latina. Cuadernos CAPEL 53. San José de Costa Rica: IIDH/CAPEL, 2008. p. 94′]ambiente democrático[/simple_tooltip]. A democracia como procedimento – em sua versão minimalista e [simple_tooltip content=’Refere-se a eleições meramente procedimentais entre elites capazes de governar. (Cf. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo y Democracia. Barcelona: Folio, 1984. p. 346-348). Canotilho denomina esta teoria como elitista da democracia, na qual a democracia não seria o poder do povo, mas sim das elites, para que o povo eleja somente a elas. (Cf. GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3º ed. reimp. Coimbra: Almedina, 1999. p. 1317-1318)’]“schumpteriana”[/simple_tooltip] – não agrega legitimidade a um governo, nem fomenta o sentimento de cidadania. Somente a democracia material, dotada de integridade e qualidade, é capaz de fortalecer princípios sociais concretos.

A qualidade da democracia é um conceito complexo, porém essencial ao tema aqui exposto. Reporta-se ao grau em que, dentro de um regime democrático, uma convivência política se aproxima das aspirações democráticas da sua cidadania. Esta definição pode ser fracionada em cinco elementos: (i) grau de aproximação, que se relaciona com a capacidade da cidadania em desenvolver certos tipos de práticas consideradas desejáveis na gestão de assuntos públicos; (ii) regime democrático, que se conecta diretamente com a [simple_tooltip content=’Dahl entende que uma poliarquia é composta por funcionários eleitos que decidem oficialmente sobre medidas governamentais; pela presença de eleições livres e imparciais e relativamente frequentes; pelo sufrágio amplo e universal; pela segurança no direito de ser votado e de ocupar cargos públicos; pela existência de liberdade de expressão, principalmente na esfera política; pelo acesso a diversas fontes de informação não submetidas ao controle estatal; bem como pelo direito de associação e de liberdade para isto. (DAHL, Robert. La Democracia y sus Críticos. Barcelona: Paidos, 1992. p. 280-281). A obra principal sobre o tema é DAHL, Robert. La Poliarquía: Participación y Oposición USA: Yale University Press, 2002)’]ideia de poliarquia de Dahl[/simple_tooltip]; (iii) convivência política, que aponta para a relação entre a cidadania e seus líderes, funcionários públicos, bem como os “não-cidadãos”, como estrangeiros e crianças; (iv) aspirações democráticas, que reflete o que se considera desejável pelos cidadãos; e (v) cidadania, que é definida pela Constituição mas que, em seu sentido amplo, [simple_tooltip content=’Cf. VARGAS CULLELL, Jorge. Calidad de la democracia. In: AA.VV. Diccionario electoral. Tomo I. San José de Costa Rica: IIDH/CAPEL, 2000. p. 109-121; VALVERDE GÓMEZ, Ricardo. Algunas reflexiones y lecciones aprendidas en torno a la democracia y la calidad democrática. El poder de la doctrina y de las metáforas al servicio de la causa democrática y de los derechos humanos. Revista de Derecho Electoral. Lima, Escuela Electoral del Perú, año I, n. 0, p. 46-57, 2007′]refere-se ao que é universal[/simple_tooltip]. Este conceito permite entender a democracia não só como um conjunto institucional, mas também como uma vida política, uma experiência cidadã em diversos âmbitos desta convivência política. Sabe-se que muitos cidadãos não vivem a democracia nem em seus níveis medianos, sendo por isso que a qualidade da democracia possibilita distinguir, dentro de um mesmo regime político, os seus pontos fortes e fracos, as boas e as más práticas, [simple_tooltip content=’Cf. VALVERDE, Ricardo. Del Boletín Electoral Latinoamericano XVII (1997) al Cuaderno de Capel 53 (2008): Una lectura actualizada sobre la observación nacional electoral 10 años después. In: AA.VV. Lecciones aprendidas en materia de observación electoral en América Latina. Cuadernos CAPEL 53. San José de Costa Rica: IIDH/CAPEL, 2008. p. 109′]se há medidas que aproximam os cidadãos da democracia e que viabilizam canais de accountability, ou se existe o predomínio de condutas clientelistas, autoritárias[/simple_tooltip].

É esta diferenciação entre democracia procedimental e da com qualidade que permeia a principal dificuldade da Justiça Eleitoral brasileira no manejo de diversos temas, como o sistema eletrônico de votação. Embora se afirme que todo o procedimento de utilização deste sistema atenda a uma ampla fiscalização por parte dos partidos, de instituições como o Ministério Público, a Ordem os Advogados do Brasil, etc., isso não significa que aperfeiçoamentos não possam ser implementados, na direção da renovação da legitimidade dos resultados e, consequentemente, no aumento da qualidade da democracia no Brasil. Não se questiona o fato de que as eleições já gozem de solidez. O que se coloca em dúvida é se isso é suficiente para que a democracia como ideal, como valor, também se consolide.

Nesta esteira, já ocorreram outros episódios nos quais o Tribunal Superior Eleitoral interveio diretamente em ações relacionadas com o sistema eletrônico de votação, como foi no debate sobre o Projeto de Lei PLS 194/99, de autoria dos Senadores Roberto Requião e Romeu Tuma, e que teve todas as suas principais disposições modificadas por emendas solicitadas pelo então Min. Nelson Jobim, na época presidente do TSE, aos senadores, dando origem à Lei Jobim (Lei 10.408/02). A polêmica foi muito grande devido à desconfiguração do PLS por parte destas emendas, que refletiam a forte resistência do TSE em adotar qualquer tipo de procedimento passível de auditoria no que tange à [simple_tooltip content=’Neste sentido, ver o estudo detalhado dos textos do PLS e da lei aprovada em: http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/req-job.htm. Acesso em 03 jun. 2016.’]votação por meio das urnas eletrônicas[/simple_tooltip].

Esta Lei inseriu um sistema de impressão de voto para conferência do eleitor que sequer chegou a ser aplicado às eleições de 2004, por advento da Lei 10.740/03. Embora o procedimento de impressão de voto e posterior conferência pelo eleitor tenham sido feitos como teste, o fato é que o TSE não empreendeu esforços para revalidar a medida, nem demonstrou interesse em implantar ferramentas que pudessem concretizar este controle externo, valendo-se de uma única alegação: a de [simple_tooltip content=’Cf. CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. A lei nº 10.740 de 1º de outubro de 2003: o registro digital do voto, o fim do voto impresso e antinomia eleitoral. a urna eletrônica é segura?. Disponível em: < http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20080811143335.pdf> Acesso em 03 jun. 2016′]“que os eleitores confiavam na urna eletrônica e que, por isso, a experiência era inconveniente e apenas retardatária dos resultados.”[/simple_tooltip]

Este mesmo argumento é utilizado até hoje, reforçado por outros que se amparam na não detecção de falhas por meio da votação paralela e na ampla fiscalização de todas as fases do sistema eletrônico, desde a apresentação dos programas a serem inseridos nas urnas até o seu lacre.

Outro episodio também conhecido veio com a aprovação da Lei 12.034/09, responsável por uma das “minirreformas” eleitorais, e o seu art. 5°, que também implantava um sistema de impressão e posterior [simple_tooltip content=’“Art. 5o Fica criado, a partir das eleições de 2014, inclusive, o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto e observadas as seguintes regras (…)”’]conferência dos votos pelo eleitor[/simple_tooltip]. Um fato curioso é que este artigo 5° foi objeto de apenas duas emendas parlamentares, de um total de 118, durante a sua discussão na Câmara (PL 5.498/09), [simple_tooltip content=’Vid. EMP 92/09 (Dep. João Almeida) e 114/09 (Dep. Paes de Lira).’]uma sobre a sua supressão e outra modificando a redação[/simple_tooltip]. No entanto, mesmo ambas sendo rejeitadas, não houve nos debates em plenário forte oposição ao teor do artigo, nem mesmo no parecer elaborado pela Comissão de Constituição de Justiça, de autoria do então deputado Flavio Dino, documento que confirmava a constitucionalidade do mencionado art. 5. Ou seja, se tomarmos em conta todas as ocasiões em que se discutiu o voto impresso no Congresso, parece haver uma posição favorável por parte dos parlamentares, que sempre é seguida pela resistência do TSE.

Este art. 5° da Lei 12.034/09 também nem chegou a ser posto em prática devido à ADI 4.543, de relatoria da Min. Cármen Lúcia, na qual houve concessão de pedido liminar para suspender a sua eficácia em 2011, sendo a ação julgada procedente em 2014. Na própria ementa, consta a afirmação de que “A manutenção da urna em aberto põe em risco a segurança do sistema, possibilitando fraudes, impossíveis no atual sistema (…).” Assim, na ótica exposta pelo STF constante também no inteiro teor do acórdão da ADI em questão, o modelo já usado se garante por si só e, por ser ato personalíssimo do eleitor sem que precise prestar contas disso, a impressão dos votos somente violaria o seu segredo, sem agregar em nada a legitimidade dos resultados.

Nesta mesma ocasião, a celeridade da apuração e divulgação dos resultados serviu de principal fundamento para barrar qualquer método que possibilitasse a auditoria posterior da votação. [simple_tooltip content=’Tais alegações também constam no Projeto de Lei n° 2789-A/11, de autoria do Senado Federal. Cf. íntegra do PLS: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/953735.pdf. Acesso em 06 jun. 2016′]Privilegiou-se a rapidez do que a certeza, assumindo-a como verdade absoluta, sendo quase um sacrilégio contestá-la[/simple_tooltip].

É a rapidez nos resultados que torna legítimo o sistema, segundo a lógica acima exposta. Cabe aos eleitores simplesmente confiar na urna eletrônica ou não participar da votação, porque caso exista alguma disparidade, o eleitor será considerado o “defeito”, não a máquina. É esta a posição – implícita – atual do TSE.

Capítulo 3

Os argumentos de Neisser v. o contraponto

Como primeira razão para negar a impressão do voto inserida na Lei 9.504/97, Fernando Neisser afirma que a impressora é a parte que mais apresenta problemas e que isso poderia tumultuar a votação. Além disso, o jurista entende que, quanto mais simples o equipamento for, melhor ele funcionará, sendo a impressora um canal para a entrada do que chama de “contaminações externas”.

Pois bem. Da mesma forma que a impressora pode apresentar problemas, a urna também pode. Ambas são eletrônicas, passíveis de contratempos. Se a urna não funciona ou para de funcionar, prejudica a votação. Se ocorre isso com a impressora, por ser um componente mais simples e que não condiciona a realização da votação, poderá ser facilmente trocada no momento, algo que não ocorre com a urna justamente pelos sistemas de segurança que ela possui. A urna é lacrada, é conferida, o que não precisa haver em uma simples impressora. Assim, trata-se muito mais de um problema logístico, o de haver impressoras extras. No entanto, se há qualidade no funcionamento e manutenção das urnas, o mesmo deve haver com as impressoras. Se os problemas com as urnas são mínimos, não há razão para se acreditar que isso aumentará com as impressoras.

Já no que se refere à entrada de “contaminações externas” pela impressora, sólidos conhecimentos em informática demonstram ser esta uma remota possibilidade. Impressora é um hardware, e tecnicamente, um vírus não atinge um hardware, embora teoricamente eles sejam atingidos, mas não diretamente. O que ocorre é que um vírus se aloja em algum ficheiro instalado dentro dos softwares desses hardwares, utilizando o sistema operacional como uma ponte. Ou seja, uma “contaminação externa” não virá pela impressora, mas por algum canal aberto no software¸ que estará dentro da urna eletrônica antes de ser conectada à impressora.

Porém, poder-se-ia pensar na hipótese de algum vírus vir em um ficheiro da impressora, fazendo com que ela tenha o seu funcionamento comprometido. Neste caso, basta uma correta formatação previamente às eleições com um programa antivírus, para que esta possibilidade seja eliminada.

Como segundo argumento, Neisser afirma ser impossível, no atual modelo de votação eletrônica, desembaralhar os votos emitidos por um eleitor, o que impede de saber a sua combinação. Com a impressão, o papel com a votação poderá ser acessado pelos candidatos que queiram verificar a regularidade das eleições, oportunizando a conferência do cumprimento da obrigação por parte do eleitor em caso de uma compra de votos. O jurista se utiliza de uma lógica peculiar para uma possível dedução do candidato de que o eleitor cumpriu a sua parte no ilícito ou não.

Para que o raciocínio do jurista pudesse ser realmente percebido na prática, o candidato teria que se utilizar de uma sofisticada estratégia para averiguar se a sua compra de votos foi concretizada, o que por si só não atende à realidade, pois a compra de votos é informal, muitas vezes planejada sem uma visão estritamente estratégica e mais presa aos costumes locais. Poder-se-ia cogitar esta situação de “dedução” de “combinação de candidatos supostamente incompatíveis” se fossem poucos, bem poucos, os casos. Agora, trata-se de um equívoco aplicar esta lógica ao atual sistema político, que carece de lógica ideológica. E se o eleitor quiser realmente votar nesta combinação tida como improvável, isso será indício de compra de votos? Uma combinação de opções incompatíveis tem mesmo o condão de demonstrar ao candidato que ele conseguiu comprar o voto do eleitor? Não parece muito palpável na prática.

Como forma de solucionar este problema, pode-se recorrer a um tamanho maior de urna que permita que o papel impresso não caia em sequencia.

Qualquer forma de conferência do voto envolverá muitas pessoas, da mesma forma que ocorre com alguma eventual tentativa de fraudar as urnas. Se Neisser entende que não há como eliminar riscos de tudo, este argumento também é aplicável aqui. Mais positivo é assumir um risco em favor da legitimidade do resultado do que em favor da falta de transparência.

Como terceiro argumento, o jurista entende que os erros humanos podem ser um grande problema. O autor não nega que esses erros existem e que sejam muitos, mas questiona qual será a reação do eleitor ao ver que se equivocou ao votar, o que não colabora à pacificação na sociedade e não aumenta a credibilidade no sistema. No entanto, ao admitir a existência de erros humanos no procedimento atual de votação, o jurista recorre ao que se denomina na Ciência Política e na Economia como “milagre de agregação”.

Este fenômeno foi muito bem descrito em uma polêmica obra de Brian Caplan, intitulada “The Myth of the Rational Voter: Why Democracies Choose Bad Policies” (O Mito do Eleitor Racional: Porque Democracias escolhem políticas ruins, Princeton University Press, 2007). Neste trabalho, o autor afirma que, devido às falsas concepções populares, as crenças irracionais e os vieses pessoais assumidos pelos eleitores comuns, eles terminam elegendo políticos que compartilham esses vieses ou que pretendem compartilhá-los, que resultam em políticas públicas ruins que novamente vencem pelo voto popular. Para fundamentar a sua posição, Caplan se utiliza da ideia de “ignorância racional”, alimentada pela imagem dos próprios eleitores de que o voto não tem o poder de provocar nenhuma mudança, o que faz com que eles optem por prescindir das eleições em contextos de votos não obrigatórios (o autor trata dos EUA). Ocorre que, ao invés de pensar de que a democracia funciona pobremente assim, Caplan entende que os erros não são sistêmicos, mas aleatórios, já que os eleitores optaram por não ter informação nenhuma e mesmo assim, emitem o voto, escolhendo no final alguma alternativa. É aqui que entra o princípio – ou milagre – da agregação, que é quando eleitores individuais possuem pouca informação, tornando seus votos aleatórios, mas que, se as eleições se fundamentam em escolhas agregadas de milhões de eleitores, mesmo que exista um alto nível de aleatoriedade no voto individual, o princípio da agregação assegura que os resultados ainda tenham sentido para todos os propósitos.

Este pensamento poderia ser considerado somente enfocando o ato do voto, mas talvez não fosse o mais adequado quando se trata de emissão de voto por meio de um dispositivo eletrônico. O erro aleatório do milagre da agregação se refere ao voto em si, e não a maneira como se vota.

Provavelmente haverá muitos casos em que o eleitor, ao conferir o seu voto e ver que errou, vai reagir. Sempre que o ser humano percebe que errou, pode escolher entre manter o erro ou consertá-lo.

Esta hipótese já constava na Lei 10.408/02 e segundo o Min. Nelson Jobim, após o teste realizado, muitos eleitores sequer conferiam o voto, o que para ele [simple_tooltip content=’Cf. CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. A lei nº 10.740 de 1º de outubro de 2003: o registro digital do voto, o fim do voto impresso e antinomia eleitoral. a urna eletrônica é segura?. Disponível em: < http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20080811143335.pdf> Acesso em 03 jun. 2016′]“fazia com que a impressão do voto fosse inútil”[/simple_tooltip].

Não há, na atual redação do art. 59-A da Lei 9.504/97, a possibilidade de o eleitor votar novamente, como havia na Lei 10.408/02. Trata-se de uma lacuna que deve ser resolvida antes da eventual implantação da impressão do voto. Contudo, qualquer que seja a solução para isso, o eleitor não pode ser obrigado a revalidar voto emitido equivocadamente e nem ter o seu voto anulado por causa deste erro. É direito dele votar no candidato escolhido. A opção de querer votar novamente ou anular o seu voto deve ser do eleitor. No atual modelo, o erro do eleitor é computado como correto, sem que ele saiba que errou e muito menos sem ensiná-lo a votar corretamente em outra ocasião. A democracia é também aprendizado, se o eleitor não sabe como vota ou vota errado sem saber, também é dever da Justiça Eleitoral melhorar a informação sobre como votar devidamente, para além de campanhas que são feitas a cada processo eleitoral. Para tanto, a ciência do eleitor sobre o erro em seu voto pode ser muito positiva para o aperfeiçoamento da própria democracia e até mesmo do sistema eletrônico de votação, pois se o número de erros detectados for grande, o problema pode estar no sistema, e não no eleitor. Manter a “ignorância” do eleitor diante de um erro seu é também permitir que a Justiça Eleitoral se esquive de seus deveres perante o desenvolvimento da democracia e a melhoria de sua qualidade.

Além disso, abrir a “caixa preta” da urna eletrônica provavelmente pacificará muito mais a sociedade em torno a este tema do que simplesmente negar que isso possa favorecer a credibilidade no sistema.

Quanto mais o TSE se nega a implementar medidas de auditoria de resultados, mais desconfiança haverá, o que não ocorreria se o Tribunal demonstrasse boa disposição em controlar a situação. A opção pela transparência pode gerar mais conflitos no início, mas sempre é mais favorável e mais vantajosa a longo prazo, pois seus frutos são amparados em uma democracia mais sólida e que inclui os cidadãos. Já a opção por negar o controle externo dos resultados das urnas eletrônicas pode controlar os conflitos sociais, mas a curto prazo, fazendo com que o eleitor se sinta um mero votante formal, que não importa como vote, se corretamente ou não, se informado ou não. Basta que ele emita o seu voto e legitime formalmente resultados rápidos, satisfazendo a ansiedade de saber quem são os vencedores do pleito. Isso só fomenta o descontentamento com a democracia.

Como ultimo argumento, Neisser afirma que não há falhas detectadas na urna eletrônica até os dias de hoje, já que as votações paralelas nunca indicaram diferenças nos votos. O que ocorre, segundo o jurista, é que votações apertadas provocam contestações, e que por isso o voto impresso é apontado como uma solução para a segurança do sistema.

Em primeiro lugar, não há como se garantir, e nem legitimar, o resultado das urnas por meio da votação paralela, que por si só é problemática. A votação paralela exige muito trabalho para ser realizada com o rigor necessário para garantir a sua eficácia, uma vez que nenhum padrão de procedimento pode ser adotado ou fixado fora da situação normal de votação. O teste somente pode ser realizado durante o período de votação, das 8 às 17 horas, ou seja, se uma das urnas sob teste for ligada depois das 9 horas do dia da votação, seu teste fica invalidado. Assim, devido às dificuldades e custos de implementação (em torno de 30.000 reais por urna) – novamente o fator econômico pesando no debate -, o TSE, responsável pela regulamentação desta votação, decidiu restringir a amostra de urnas com votação paralela, perfazendo um total muito pequeno para ser ilustrativo de sua eficácia.

Para se ter uma ideia, a metodologia de sorteio das urnas que serão acompanhadas de uma votação paralela consta na Resolução n° 23.458/15. Para as eleições de 2016, o art. 51 estabelece que, para a realização da auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas por meio de votação paralela, deverão ser sorteados, no primeiro turno, em cada unidade da Federação, os seguintes quantitativos de seções eleitorais, sendo uma delas obrigatoriamente da capital: I – três nas unidades da Federação com até quinze mil seções no cadastro eleitoral; II – quatro nas unidades da Federação que possuam de quinze mil e uma a trinta mil seções no cadastro eleitoral; e III – cinco nas demais unidades da Federação. O número de urnas aumentará em comparação com as eleições de 2014, já que em 2014 [simple_tooltip content=’Este número foi informado diretamente pelo TSE, mas conflita com o número informado no relatório de fiscalização elaborado pelo PSDB realizado após as eleições de 2014, que era de 68′]foram 66[/simple_tooltip] urnas e em 2016 a [simple_tooltip content=’Cálculo realizado pelo TSE a pedido da autora’]previsão é de que sejam 93[/simple_tooltip], mas ainda está longe do ideal para fundamentar uma afirmação absoluta de que não há falhas no sistema. Não há como assumir a impossibilidade de falhas no sistema a partir de 66 urnas com votação paralela (dados de 2014), em um [simple_tooltip content=’Cf. http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Outubro/tse-registra-3-186-ocorrencias-em-todo-o-pais. Acesso em 06 jun. 2016. O total de urnas com as reservas foi de 532.705′]universo de cerca de 494,9 mil[/simple_tooltip]. Seria ingênuo ou proposital garantir o resultado com tão pequena margem, aproveitando-se, quiçá, da ignorância racional da maioria dos eleitores.

Em segundo lugar, votações apertadas que ocorrem em um sistema blindado de verificação posterior será sempre contestado. O surpreendente é que não se admita a contestação diante da “perfeição” do sistema eletrônico de votação. Ou seja, o resultado e o seu processamento são tão perfeitos que é quase uma heresia contestá-los. Pois nada mais legitimador do sistema do que a confirmação de que uma contestação de resultado não tem razão na prática. No entanto, a postura irredutível da Justiça Eleitoral em adotar mecanismos de auditoria externa de resultados torna não só o debate maniqueísta (ou a favor ou contra a urna eletrônica), mas também aumenta ainda mais o conflito sobre o tema. Não há debate porque se sufocam as contestações, tidas como desarrazoadas e diretamente sem nenhum amparo, não se resolvendo a desconfiança que só aumenta a cada processo eleitoral.

Portanto, a meu ver, tais argumentos levantados por Neisser não são suficientes para demonstrar que o voto impresso não é benéfico.

Capítulo 4

O necessário enfrentamento da questão

Como última parte do texto, o debate ficaria incompleto se não se apontassem sugestões para uma maior legitimação do sistema de votação eletrônica e para a redução dos conflitos em torno ao seu tratamento.

Um ponto importante para a reflexão é a postura do Brasil em continuar adotando uma urna eletrônica que é ainda de 1° geração, sendo que no mundo já existe as máquinas de 2° e 3° gerações. A Min. Carmen Lúcia, no julgamento da ADI 4.543, não considerou correta a nomenclatura de “gerações” de urnas, adotando a palavra “modelos” em sua fundamentação. No entanto, parece que o termo “gerações” é mais adequado, tendo em vista o aprimoramento das urnas ao longo dos anos.

Neste sentido, ao invés de incorporar máquinas de 2° ou até mesmo de 3° gerações, o Brasil segue utilizando as urnas já ultrapassadas de 1° geração, que são as únicas em que o registro de voto depende totalmente do programa da urna. Estas urnas são conhecidas como DRE (Direct Recording Electronic voting machine, em português: maquina de gravação eletrônica direta do voto), e possui como característica principal o fato de que a confiabilidade do resultado publicado fica totalmente dependente da confiabilidade do software instalado no equipamento. A absoluta dependência da confiabilidade do software nas máquinas DRE encontrou forte resistência e a partir de 2004 começou o declínio do seu uso. Entre 2006 e 2012 este tipo de urna foi abandonado por Holanda, Alemanha, EUA, Canadá, Rússia, Bélgica, Argentina, México e Paraguai, seguidos em 2014 pela Índia e pelo Equador, restando apenas o Brasil como o único país que ainda utiliza [simple_tooltip content=’Cf. Relatório sobre o sistema brasileiro de votação eletrônica. Comitê multidisciplinar independente, 2010. Disponível em < http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/RelatorioCMind.pdf> Acesso em 06 jun. 2016′]esta urna DRE de 1ª Geração em todo o mundo[/simple_tooltip].

A partir das máquinas de 2° geração houve uma mudança importante no que tange ao registro do voto, com a criação de uma segunda via além do registro digital das máquinas DRE. Tal registro devia ser gravado em meio independente que não pudesse ser modificado pelo equipamento de votação, podendo ser visto e conferido pelo eleitor antes de completar a sua votação. Diante destas características, estas urnas foram denominadas de Voter Verifiable Paper Audit Trail (Documento de Auditoria em Papel Conferível pelo Eleitor), ou VVPAT, e logo após Independent Voter Verifiable Record (Registro Independente Conferível pelo Eleitor), ou IVVR. No Brasil é chamado de voto impresso conferível pelo eleitor. Nestes tipos de máquinas, o registro dos votos não depende do software, sendo possível conferir o voto por auditoria, independentemente do administrador do sistema. Com esta inovação, surgiu o princípio da independência do Software em sistemas eleitorais, que passou a ser exigido em todos os países que utilizam o voto eletrônico, exceto o Brasil.

Este sistema foi, como já dito, objeto de aplicação experimental nas eleições de 2004, sem sucesso. Mas o resultado, para muitos especialistas, decorreu muito mais por desídia do TSE do que pela impressão do voto em si, já que “[simple_tooltip content=’Cf. Opinião de Amílcar Brunazo Filho, componente do Comitê Multidisciplinar Independente, formado em 2010 para réplica ao relatório elaborado pelo Comitê Multidisciplinar do TSE, criado em março de 2009 para avaliação de propostas apresentadas pela Subcomissão Especial de Segurança do Voto Eletrônico da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC). Disponível em: <http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/modelosUE.htm> Acesso em 06 jun. 2016′]a má vontade do administrador eleitoral brasileiro, que repele a ideia de um sistema eleitoral que possa passar por uma auditoria independente do seu controle, resultou numa experiência mal projetada e mal conduzida. O treinamento de eleitores e mesários foi menosprezado e o teste resultou em fracasso.[/simple_tooltip]”

Já as urnas de 3° geração surgiram a partir de 2008, fundamentando-se na ideia de sistema eleitorais independentes do software que aperfeiçoavam ou mesmo facilitavam auditoria tanto do registro do voto como de sua apuração. A experiência ganhou espaço na Argentina, que adotou uma cédula eleitoral com um chip de radio-frequência (RFID), permitindo que, em um só documento, estejam o registro digital e o registro impresso do voto. [simple_tooltip content=’Cf. http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/modelosUE.htm. Acesso em 06 jun. 2016′]Este documento é denominado de Boleta de Voto Electrónico (BVE) e facilita muito ao eleitor e aos fiscais de partido conferir o registro do voto, a apuração e a transmissão dos resultados[/simple_tooltip].

Dito isso, parece haver uma insistente opção por continuar usando urnas obsoletas em detrimento do voto impresso. Ao invés de constantes investimentos em biometria ou em aperfeiçoamento de uma máquina que não satisfaz mais as exigências da sociedade, poderia o TSE migrar para a 2° geração de máquinas, tornando o seu gasto muito mais justificável. Opta-se por gastar mal e se mantém o conflito em torno das atuais urnas eletrônicas.

Vale lembrar que o recadastramento com a biometria também gerou um enorme impacto no orçamento e não houve por parte do TSE oposição em sua implantação, o que não é o caso da adoção de instrumentos de transparência nos votos no sistema eletrônico. Segundo o estudo exposto no Processo Administrativo n° 329-23.2011.6.00.000, que deu origem à Resolução 23.335/11, [simple_tooltip content=’Cf. http://www.tse.jus.br/hotSites/estatistica2012/arquivos/pdf/23335.pdf’]relatoria do Min. Aldir Passarinho Junior[/simple_tooltip], a biometria custaria ao redor de 4 reais por eleitor, [simple_tooltip content=’Dados de 2015. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-grau-de-instrucao> Acesso em 03 jun. 2016′]perfazendo o total de 576.764.988 reais, considerando número atual de 144.191.247 eleitores[/simple_tooltip]. Não houve qualquer manifestação dos ministros sobre o impacto orçamentário da medida, mas somente o ajuste de recursos, de modo a comportar a realização gradual do recadastramento no país. Diante disso, é de se questionar se a importância da biometria é maior do que a de adotar uma forma de possibilitar o controle dos resultados, sendo esta uma reivindicação já de longa data por parte de segmentos da sociedade que só tendem a crescer e a gerar ainda mais desconfiança e descrédito no sistema eletrônico de votação.

Não há como aceitar o argumento econômico só quando ele parece conveniente. Ambas as medidas visam aumentar a segurança das eleições e ambas custam uma quantia vultosa de recursos públicos. Além do mais, recursos públicos empregados em favor da sociedade são sempre um bom gasto público, porque contribui para o bom funcionamento das instituições.

Ainda, não é demais lembrar que a democracia requer a realização da accountability, que tem como primeiro passo a transparência. Mesmo que o eleitor, nos dizeres da Min. Cármen Lúcia, não precise prestar contas de seu próprio voto, a questão do controle externo da votação não se limita na pessoa do eleitor. É assunto de todos. A transparência deve ser a palavra de ordem neste campo, se realmente estamos pensando em uma verdadeira democracia. A atual situação é a de completa não-transparência, não havendo dados sobre votação, sobre erros humanos na votação, sobre problemas no registro ou apuração, sobre urnas com votação paralela, nem mesmo transparência sobre o debate público que há em torno disso, uma vez que as vozes dissonantes são rapidamente rotuladas de falaciosas ou até mesmo lúdicas. Falta transparência para um debate público sério e sereno sobre o tema.

Nem mesmo o procedimento de fiscalização das urnas e dos programas descrito no art. 66 da 9.504/97 é bem realizado na prática. Mesmo havendo regras legais de procedimento para a apuração de casos, o fato é que isso é muito dificultado quando aplicado, algo que levou até a Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público prescindir desta tarefa. [simple_tooltip content=’Resumo dos casos disponível em: < http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/RelatorioCMind.pdf> Acesso em 06 jun. 2016′]Aqui cabe a menção aos casos ocorridos em 2000 em Diadema, SP; em 2004 em Marília, SP; em 2006 em Campos, RJ, na eleição suplementar; em 2006 em Alagoas e Maranhão; e em 2008 em Itajaí, SC[/simple_tooltip]. Em todos eles, a apuração das irregularidades se viu extremamente dificultada por muitos fatores, reforçando a percepção de que somente há espaço para se acreditar no sistema de votação. Qualquer contestação não vale. Ocorre que, paralelamente a todas estas situações, deve-se admitir que as ocasiões abertas à fiscalização também não são completamente exploradas pelos partidos, que também devem colaborar com a Justiça Eleitoral para a lisura dos procedimentos. Não poucas foram as vezes em que o TSE chamou a comunidade para verificar a regularidade das urnas e que não houve participação expressiva dos cidadãos. Se estamos querendo aumentar a qualidade da democracia, todos nós devemos colaborar.

Contudo, também se deve reconhecer que a previsão do voto impresso já para as eleições de 2018 não é adequada, ainda mais nos termos que consta. Nem mesmo a urna eletrônica foi implantada em todo o país de uma eleição para outra. Além disso, a norma é insuficiente para tratar muitos fatores envolvendo a impressão do voto e que não foram devidamente refletidos, como é o caso do eleitor que, ao perceber que votou errado ou que os votos não conferem, não sabe se poderá votar novamente ou se terá o seu voto anulado. Ou seja, novamente estamos tratando uma questão extremamente complexa como algo simples e que poderá ainda mais problemas nos moldes trazidos pela Lei 13.165/15.

As verdades nunca são absolutas. E estas medidas de impressão de voto podem vir para confirmar a segurança das urnas, não como forma de fomento de sua desconfiança. Não se deseja abandonar o sistema eletrônico de voto. Reconhecem-se as suas virtudes. Contudo, tanto para aviões quanto para carros, há um desenvolvimento e aprimoramento paulatino que acompanha os novos tempos. É isso que se busca.

A terra sempre foi redonda, mas antes não se podia falar isso, sendo obrigatório considerá-la plana. Afinal, isso mudaria tudo. E no final, tudo mudou.