A poucas semanas das eleições municipais, o momento brasileiro é de curioso contraste: apáticas campanhas para prefeito e vereador, feitas pelas sucessivas reformas das regras sobre propaganda quase tão atrativas quanto a leitura de uma bula de remédio, disputam a atenção dos cidadãos com a agitada trama novelística que vem se desenrolando a meses no cenário político em nível nacional. Enquanto carismáticos heróis e vilões calculistas – vale preencher os papéis ao gosto do espectador – desfilam portentosamente em capítulos das prisões-surpresa da Lava-Jato, do impeachment da presidenta Dilma e das desventuras do governo Temer e sua prometida Ponte Para o Futuro [sic], candidatos aos cargos em disputa nos Municípios esforçam-se por decifrar o segredo para fazer uso correto de seu exíguo tempo de televisão e lutam pelo sagrado direito de agitar bandeiras móveis com mais de meio metro quadrado.

A disputa é desleal e a mais recente evidência do desinteresse pela eleição municipal ocorreu no último dia 12 de setembro. Na data em que se concluía o catártico processo de cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha, na Câmara dos Deputados, findava, igualmente, o prazo para que fossem julgados, inclusive em grau de recurso junto aos Tribunais Regionais Eleitorais, os registros de candidatura aos cargos de prefeito e vereador[1]. Mas, se na Câmara o final apoteótico da votação por 450 a 10 pode ter trazido a sensação de etapa cumprida, nos Tribunais Regionais Eleitorais ainda se aguarda a subida do volume mais significativo de recursos. E, se aquele fato tomou conta dos noticiários, este não deve ter merecido uma notinha de jornais locais.

Essa linha de abertura do texto não é mais que um desabafo de uma eleitoralista que, sem jamais desmerecer a atenção dada aos episódios de alcance nacional acima referidos, apenas lamenta que o desenho do cenário político local não esteja a inspirar igual interesse do cidadão. Confesso que, por meses, projetei que haveria inquietação ante o não cumprimento do prazo de julgamento dos recursos. Isso porque desde a tramitação do projeto que culminou na Lei 13.165/2015, a realização de parcos cálculos matemáticos permitiu-me constatar a absoluta impossibilidade de cumprimento da data limite para julgamento dos processos de registro até o dia 12 de setembro, novidade da citada lei. Afinal, a data limite para o requerimento do registro de candidatura foi também alterada – de 5 de julho para 15 de agosto – e, a partir daí, incidiriam prazos legais destinados a dar publicidade aos requerimentos, viabilizar as impugnações respectivas e assegurar a ampla defesa aos candidatos. Somados, esses prazos fariam com que registros de candidatura requeridos em 15 de agosto, uma vez impugnados, fossem julgados pelos juízes eleitorais, na melhor das hipóteses, já em 2 de setembro. Havendo necessidade de provas, esse prazo subiria para 16 de setembro. No primeiro caso, a expectativa seria de recursos sendo conclusos aos Relatores nos TREs em 11 de setembro e, no último, essa data subiria para o dia 25 de setembro[2]. E, isso, no chamado caminho feliz – aquele sem idas e vindas desnecessárias, anulações, incidentes e, nem mesmo, ausência de movimentação dos autos entre as providências cabíveis.

Diante desse cenário, minha expectativa foi que, advindo a data supostamente fatal, a sociedade reivindicaria explicações e seria preciso esclarecer a cruel antinomia[3] em que a Justiça Eleitoral fora colocada por obra da última Minirreforma Eleitoral. Caberia, pensava eu, demonstrar que o cumprimento do prazo era missão natimorta, vez que somente poderia ser alcançada com violação do devido processo legal, mas esta, de forma circular, ensejaria a nulidade do julgamento e demandaria a devolução dos prazos legais descumpridos no afã de agilizar as decisões.

Não houve, porém, tal alvoroço e esse artigo talvez se fizesse dispensável – não fosse a mais recente tese que começou a ocupar os tribunais e que promete, enfim, gerar alguma inquietude que ponha em discussão a necessidade de repensar os prazos relacionados ao registro de candidatura.

Refiro-me à alegação de que, não havendo a Justiça Eleitoral cumprido o prazo limite que lhe cabia para o julgamento dos registros de candidatura, deve ser assegurado aos partidos e coligações, por simetria, realizar substituições das candidaturas que venham a ser indeferidas também fora do prazo que a lei fixa para tanto. A tese foi encampada por decisão liminar proferida em 13/09/2016, no âmbito do TRE de Rondônia[4], por meio da qual a Relatora suspendeu o prazo para substituição de um determinado candidato “até o julgamento da impugnação interposta contra tal candidato pelas instâncias ordinárias”. Segundo fundamento da decisão, “a probabilidade do direito reside justamente no não cumprimento do prazo de julgamento pela Justiça Eleitoral, [...] o que impossibilitou, logicamente, a coligação requerente ao cumprimento do prazo do art. 13, §3º da LE”.

Note-se que a substituição de candidatos, nos termos do art. 13, §3º da Lei 9.504/97[5], somente pode ser efetivada até 20 dias antes do dia da eleição – termo que recai, justamente, no fatídico dia 12 de setembro. Logo, haveria no caso algo similar ao que se denomina, no direito das obrigações, exceptio non adimpleti contractus: a parte se exime de cumprir sua obrigação se a contraparte, à qual cabia primeiramente cumprir a sua, não o faz. Contudo, a mera coincidência de datas não faz surgir uma relação lógica entre os prazos assinalados à Justiça Eleitoral, para julgar, e aos partidos e coligações, para substituir candidatos.

Em verdade, não é possível divisar uma relação de causalidade, pela qual a inviabilidade da substituição dentro se seu respectivo prazo decorre de não haver a Justiça Eleitoral logrado cumprir o prazo legal que lhe era assinalado para concluir os julgamentos. A substituição de candidaturas é premida pela conjugação de dois fatores, que são independentes de estar ou não a Justiça Eleitoral sujeita a concluir julgamentos até determinada data: 1) a duração necessária do processo de registro de candidatura, que, como já visto, na mais célere possibilidade, consome praticamente um mês até que seja possível julgar um eventual recurso interposto; 2) o limite temporal para a efetivação da substituição, previsto em norma autônoma. Cabe explicar como esses dois fatores já interagiam antes da Lei 13.165/2015, para demonstrar que a fixação da data limite para julgamento de registros não impactou sobre a dinâmica existente.

Até as eleições de 2014, a anterior redação da Lei 9.504/97 estabelecia que os registros de candidatura poderiam ser requeridos até 5 de julho e que as substituições em caso de indeferimento do registro ou renúncia poderiam ser efetivadas até 60 dias antes da eleição[6]. Tem-se que, no caso mais otimista de tramitação do registro de candidatura impugnado, o recurso era julgado em 4/08/2016, sendo que, havendo qualquer dilação (o que é a regra), sequer o julgamento do pedido teria ocorrido até essa data. Por sua vez, a substituição, contada em retrospecto a partir do dia da eleição (05/10/2014), estava limitada a 6/08/2014.

A alteração da data limite para a substituição de candidaturas não foi realizada pela Lei 13.165/2015, mas pela Lei 12.891/2013, que, todavia, não se aplicou às eleições 2014 por ter sido publicada com menos de um ano de antecedência em relação a esta. A ironia foi que a alteração, a princípio, beneficiava os partidos, que disporiam de intervalo maior para decidirem-se pela substituição ou pela persistência no recurso. Ocorre que, como a Lei 13.165/2015 postergou também a data limite para o registro de candidatura – de 5 de julho para 15 de agosto –, acabou-se por neutralizar o impacto da Lei 12.891/2013. Na prática, ficou-se como dantes: quando impugnado, o julgamento do registro de candidatura, não apenas em grau de recurso, mas ainda pelo órgão originário, encavala-se com a data limite para a substituição em caso de indeferimento e renúncia.

Assim, demonstra-se que não foi a fixação de um prazo para julgamento dos recursos que fez com que, na maioria dos casos, a substituição se mostre inviável. Essa já era a realidade com a qual tinham que lidar os partidos e coligações. E sempre estiveram cientes de que, apenas excepcionalmente, um registro era indeferido em prazo hábil para a substituição. A solução mais freqüente, então, era solicitar a renúncia a candidatos que tivessem sofrido impugnação por razões substanciais. O cálculo quanto ao risco a ser assumido ou evitado sempre foi ônus dos partidos e coligações.

Deve-se ponderar que a substituição não é um direito adquirido dos partidos e coligações em face de qualquer indeferimento ou renúncia. É, antes, uma medida voltada para a eficiência do processo eleitoral. E, se falamos de eficiência, não falamos de resultados necessários, os quais se ligam à noção de efetividade, mas de resultados otimizados, para os quais é perfeitamente justificável estabelecer condicionantes que impeçam que a medida se torne contraproducente.

E é contraproducente deixar em aberto a possibilidade de requerer substituições a qualquer tempo antes das eleições. A definição das candidaturas até dia 12/09/2016 é crucial para o fechamento do sistema CAND com os dados de todos aqueles que poderão ser votados, tarefa que a princípio está em curso, em todos os Cartórios Eleitorais, nesta semana. A antecedência é justificada para atender à logística que se segue, com geração das mídias e posterior alimentação individual de todas as urnas eletrônicas[7]. Em outras palavras, a preparação material das eleições não avança se o sistema permanecer aberto.

Pode-se argumentar que é possível deferir a substituição sem que se suspenda o fechamento do sistema, o que inclusive é uma leitura passível de ser extraía da decisão liminar do TRE-RO supor ter sido. De fato, há previsão de como tratar essa situação: deverá o substituto concorrer com os dados – nome, foto e número – do substituído[8]. Mas se trata de uma medida excepcionalíssima, aplicável aos casos de falecimento ou de atraso pontual no processamento de substituições requeridas a tempo. O comprometimento à correta informação do eleitor, que é consequência inafastável dessa medida, indica que não pode ela virar a regra.

Assim, quando partidos e coligações escolhem seus candidatos em convenção, têm direito a ver julgados os requerimentos respectivos, bem como a ter assegurada a participação desses candidatos no pleito, até o trânsito em julgado da decisão de indeferimento. É este o resultado necessário a ser alcançado, e que é materialmente possibilitado pela inclusão na urna dos dados de candidatos indeferidos, mas ainda aguardando julgamento de recurso. Já a substituição das candidaturas inicialmente requeridas é mera expectativa – uma possibilidade a ter lugar, como um resultado otimizado, dependendo da convergência de requisitos estipulados pela lei para tanto.

Diante de tudo isso, conclui-se que não é nenhuma novidade que partidos e coligações se vejam obrigados, em uma data na qual a maioria dos registros sequer foi julgado em grau originário, a escolher entre persistir nas candidaturas impugnadas ou apresentar candidatura substituta. A criação irrefletida de um prazo para julgamento dos recursos, desde sempre inatendível, não comparece como fato superveniente apto a acarretar uma desmesurada proteção da faculdade de substituição de candidaturas, ao custo do comprometimento da eficiência global da preparação das eleições.

Não obstante, se algo há de se colher desse episódio é o alerta contra a trágica via das reformas eleitorais casuísticas e impulsivas que presenciamos há 10 ciclos eleitorais. Uma reforma legislativa consciente não pode abdicar de um esforço de sistematização que honestamente busque dar conta da complexidade do processo eleitoral. Especificamente no que concerne ao registro de candidatura, etapa crucial de habilitação dos partidos e candidatos que disputarão a preferência do eleitorado, nada há que justifique seu estrangulamento no prazo de parcos 50 dias antes das eleições.

Qualquer reforma minimamente comprometida com a fundamentalidade dos direitos políticos, especialmente a elegibilidade, deve caminhar no sentido reverso: ampliar a antecedência do registro em relação à data das eleições, possibilitando que a definição das candidaturas, inclusive das requeridas em substituição, ocorra no espaço do devido processo legal e sem consequências trágicas para a condução dos trabalhos eleitorais e, sobretudo, para a livre e consciente escolha dos eleitores.

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[1] Consta do Calendário Eleitoral (Resolução TSE 23.450/2015): “12 de setembro – segunda-feira (20 dias antes): 1. Data em que todos os pedidos de registro de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, inclusive os impugnados e os respectivos recursos, devem estar julgados pelas instâncias ordinárias, e publicadas as decisões a eles relativas (Lei nº 9.504/1997, art. 16, § 1º)”.

[2] Para entender a projeção feita, acompanhe as seguintes etapas, consideradas disposições do Calendário Eleitoral (Resolução 23.450/2015) e os prazos previstos nos arts. 3º a 10 da LC 64/90:

1) JULGAMENTO ANTECIPADO: situação em que não há necessidade de instrução processual

DATA	ATO	PRAZO INICIADO
15/08	Data limite para partidos requererem o registro de candidatos (RRC)	Para publicação do edital respectivo, que pode ocorrer até dia 18/08
18/08	Publicação do edital	48h para RRCI (requerimento de registro de candidatura individual) e 5 dias para AIRC (ação de impugnação ao registro de candidatura).
23/08	AIRC	Contestação - 7 dias
30/08	Contestação	Julgamento antecipado – 3 dias para a sentença (esse prazo não é alterado se o juiz proferir sentença antes, pois o prazo recursal só começa a fluir após o tríduo seguinte à conclusão).
02/09	Sentença	Prazo recursal – 3 dias
05/09	Recurso	Prazo de contrarrazões – esse prazo é alterado* se o recurso for apresentado antes.*
08/09	Contrarrazões	Processo seria remetido* ao tribunal a partir desse dia (chegando ao tribunal, abre-se vista ao procurador – 2 dias)*
11/09	POSSÍVEL CONCLUSÃO AO RELATOR

1) PRAZO MAIS DILATADO

DATA	ATO	PRAZO INICIADO
15/08	Data limite para partidos requererem o registro de candidatos (RRC)	Para publicação do edital respectivo, que pode ocorrer até dia 18/08
18/08	Publicação do edital	48h para RRCI e 5 dias para AIRC
23/08	AIRC	Contestação - 7 dias
30/08	Contestação	Julgamento antecipado ou instrução – inquirir testemunhas em 4 dias
03/09	Inquirição realizada	Diligências pelo juiz – 5 dias
08/09	Diligências realizadas	Alegações finais – 5 dias (comum)
13/09	Encerramento da instrução	Prazo para sentença – 3 dias (esse prazo não é alterado se o juiz proferir sentença antes, pois o prazo recursal só começa a fluir após o tríduo seguinte à conclusão).
16/09	Sentença	Prazo recursal – 3 dias
19/09	Recurso	Prazo de contrarrazões – esse prazo é alterado* se o recurso for apresentado antes.*
22/09	Contrarrazões	Processo seria remetido* ao tribunal a partir desse dia (chegando ao tribunal, abre-se vista ao procurador – 2 dias)*
25/09	POSSÍVEL CONCLUSÃO AO RELATOR

Obs: as duas projeções consideram apenas os prazos relacionados ao RRC. No caso de apresentação de RRCIs, devem ser acrescentados mais 4 dias, considerada a data limite do edital respectivo (22/08).

[3] A antinomia real, segundo Norberto Bobbio (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Polis, 1989), consiste na “situação de normas incompatíveis entre si”, que gera um impasse: não é possível cumprir uma norma se não pelo descumprimento da outra.

[4] PET 151-86.2016.6.22.0000, de Relatoria da Juíza Jaqueline Conesuque Gurgel do Amaral.

[5] Art. 13, § 3^o , Lei 9.504/97: “Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo.”

[6] Esse limite de 60 dias se aplicava aos cargos disputados em eleição proporcional, como o caso de deputados e vereadores. Já os cargos majoritários, como o de prefeito, não estava sujeito a prazo expresso na lei. Contudo, a reforma caminhou, justamente, para por fim a isso e prestigiar o direito do eleitor à informação correta, exatamente porque, feita a substituição após o fechamento do sistema, o substituto concorria com os dados de urna do substituído.

[7] Aliás, nem se diga que a eleição manual, por urna de lona, resolveria a questão. O nome dos candidatos deve também ser inserido nos sistemas de totalização e em listas contendo os nomes dos candidatos, disponibilizadas nos locais de votação.

[8] Art. 67, §4º, Resolução 23.455/2015: “§ 4º Se ocorrer substituição após a geração das tabelas para elaboração da lista de candidatos e preparação das urnas, o substituto concorrerá com o nome, o número e, na urna eletrônica, com a fotografia do substituído, computando-se àquele os votos a este atribuídos.”

Agora é tarde para mudar de candidato

A Culpa não é da Justiça Eleitoral