Fabio Fialho

Imaginem a seguinte situação hipotética: Marinaldo da Costa apresenta pedido de candidatura almejando o cargo de prefeito para as eleições que se avizinham agora no ano de 2016. A coligação De Mãos Dadas Com o Desenvolvimento Municipal apresentou impugnação ao pedido de candidatura, apontando a incidência de uma causa de inelegibilidade e ausência de determinada condição de elegibilidade.
O juízo de primeiro grau reconhece a existência da causa de inelegibilidade e indefere o registro de candidatura. Porém, afasta a alegação de ausência da condição de elegibilidade. Marinaldo recorre. Pede a reforma do julgado com o afastamento da incidência da causa de inelegibilidade e o deferimento do seu pedido de registro.
Suponhamos, ainda, que a fundamentação adotada para afastar a alegação de ausência da condição de elegibilidade está em descompasso com a jurisprudência do tribunal de segunda instância do caso de Marinaldo. Mais: que a discussão envolvendo a causa de inelegibilidade não está pacificada, de modo que as chances de provimento do recurso eleitoral interposto pelo candidato são consideráveis.
Não concordando com o afastamento da alegação de ausência de determinada condição de elegibilidade – e temerosa com a possibilidade de provimento do recurso eleitoral e o deferimento do registro de candidatura –, a coligação impugnante decide devolver ao conhecimento do tribunal ad quem a questão relativa à ausência da condição de elegibilidade.
Dentro deste contexto hipotético, qual deverá ser a providência adotada pelo patrono da coligação impugnante?
Segundo a jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, a falta de sucumbência não legitima a parte a recorrer, a teor do que dispõe o art. 499, CPC/73. O NCPC, em seu artigo 996, basicamente reproduziu a norma anterior, de modo que a probabilidade de o Tribunal Superior Eleitoral reafirmar este entendimento é alta.
Realmente, são vários os julgados proferidos pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE, assentando a ausência de sucumbência que legitime a parte impugnante a apresentar recurso autônomo, uma vez que a sua pretensão já teria sido alcançada com o indeferimento do registro de candidatura, muito embora não tenham sido acolhidos todos os argumentos da parte.
Neste sentido, não é difícil encontrar julgados do TSE assentando que o interesse recursal pressupõe a sucumbência da parte quanto ao seu pedido, que se verifica no dispositivo da decisão e não em seus fundamentos.
Realmente, não se ignora que a procedência da ação de impugnação de pedido de registro de candidatura atende aos interesses do impugnante, muito embora não tenham sido acolhidos todos os argumentos do autor da ação.
Parece-nos que o Tribunal Superior Eleitoral deve manter o entendimento de ausência de interesse recursal da parte que sagrou-se vencedora na demanda, mesmo que todos os seus argumentos não tenham sido acolhidos.
Inexistindo interesse recursal que legitima a interposição de recurso autônomo, cabe analisar qual deve ser o instrumento mais adequado para que, no caso do exemplo acima posto, a coligação possa levar o seu inconformismo ao conhecimento da instância ad quem.
Conforme a jurisprudência do TSE, o eventual não acolhimento de um fundamento pela Corte de origem suscitado pelo autor da impugnação não o torna parte vencida e não o legitima para recorrer, nos termos do art. 499 do CPC, o que não impede, todavia, de que possa a questão ser arguida em contrarrazões a eventual recurso da parte contrária<a href="https://www.jota.info/wp-admin/post-new.php#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Ou seja, a coligação impugnante deverá utilizar as contrarrazões ao recurso eleitoral não apenas para rebater os argumentos suscitados pelo recorrente/candidato –deverá, também, utilizar este instrumento de defesa como se recurso fosse, atacando, neste aspecto, os fundamentos adotados no decisum que indeferiu o pedido de registro para modificar a parte da decisão que afastou a alegação de ausência da condição de elegibilidade.
A questão ganha novos contornos com a entrada em vigor do NCPC. Com efeito, o artigo 1009 do novo código dispõe que as questões decididas na fase de conhecimento deverão ser suscitas em sede de apelação ou de contrarrazões, conforme o caso. Esta sistemática já era de certa forma familiarizada dos operadores do direito eleitoral, eis presente a irrecorribilidade das decisões.
Contudo, é importante perceber que o legislador do NCPC acabou por esgotar as hipóteses que podem ser abordadas em caráter dúplice nas contrarrazões. A primeira delas é a de rebater o pedido feito pelo recorrente. E a segunda é a de suscitar as questões resolvidas durante a fase de conhecimento. Com efeito, nas contrarrazões, o pedido que o recorrido faz se limita a rebater o pedido feito pelo recorrente e [...] não devem ser vistas, estas contrarrazões, como um recurso, cuja existência e cujo procedimento seja ‘dependente’ da apelação do vencedor<a href="https://www.jota.info/wp-admin/post-new.php#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Deste modo, as contrarrazões somente poderão ter efeito de “recurso” quando voltadas contra questões suscitadas na fase de conhecimento, como se fosse uma espécie de agravo retido reunido num único ato processual. O legislador ordinário não emprestou às contrarrazões a possibilidade de se insurgir contra fundamentos de decisum que põe fim ao processo.
Não fosse o bastante, é imperioso verificar que apresentadas as contrarrazões, os autos deverão ser encaminhados à instância ad quem, caso não haja retratação pelo juízo sentenciante (art. 267, §6º, CE). Isso significa dizer que, em última análise, o contraditório e a ampla defesa do recorrente estariam flagrantemente prejudicados, pois ficará o recorrente impossibilitado de rebater os argumentos suscitados e pedir que a Corte ad quem não conheça ou acolha aquele fundamento que foi afastado anteriormente. Não há como negar que o impugnado não terá a devida oportunidade de questionar e rebater os pontos da impugnação que será agitada em sede de contrarrazões.
Neste caso, o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa inevitavelmente será violado, pois apresentadas as contrarrazões, não será dada nova vista à parte contrária para que dele se manifeste. Em outras palavras, não há apresentação de contrarrazões das contrarrazões que, em última análise, seria um recurso com outra roupagem.
Além do mais, existem ainda sérias dúvidas se o princípio do devido processo legal igualmente não será afetado, levando-se em consideração a técnica de argumentação e contra-argumentação desenvolvida pelas partes.
Por não existir previsão legal no sentido de ser cabível suscitar questão decidida em decisum que põe fim ao processo, e ainda levando em consideração que atacar os fundamentos em sede de contrarrazões viola o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, nos parece não ser este o instrumento mais adequado para que a parte que se sentir prejudicada com uma parte da decisão possa se insurgir contra ela.
Por outro lado e em recente julgado do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes, nos autos do RO nº 1171-46, reafirmou jurisprudência reconhecendo a ausência de interesse recursal da parte ante a falta de sucumbência.
Porém, ao analisar a jurisprudência de que o interessado deverá apresentar a sua insurgência em sede de contrarrazões, reconheceu que esta sistemática viola o princípio do devido processo legal, apresentando como solução a interposição de recurso adesivo condicionado, que nos parece ser realmente a saída mais adequada para os processos que inevitavelmente vierem a nascer nas próximas eleições.
No julgamento supracitado, o voto do ministro Gilmar foi acompanhado por unanimidade, porém é cedo dizer que houve uma mudança de jurisprudência para reconhecer que a parte deve trazer pontos não acolhidos em recurso adesivo e não mais em sede de contrarrazões.
A interposição de recurso adesivo condicionado atende aos interesses dos envolvidos, pois somente será possível a sua interposição no caso de o impugnado ter o seu registro indeferido e daí emergirá o interesse recursal decorrente da outra parte, hipótese que garantirá o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa por ambas as partes.
Não se desconhece que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido do não cabimento de recurso adesivo em tais hipóteses. Porém, consideradas essas premissas, seria de todo oportuno que a questão fosse reexaminada sob esta nova ótica, eis que, não sendo cabível a interposição de recurso autônomo, bem como atacar decisum que põe fim ao processo em sede de contrarrazões, a saída mais adequada que se apresenta é a interposição de recurso eleitoral condicionado, tal como decidido pelo ministro Gilmar Mendes.
Voltando à análise da situação hipotética posta, parece mais adequado que a coligação apresente o seu inconformismo em sede de contrarrazões, apenas por excesso de zelo, e que simultaneamente interponha recurso adesivo condicionado, de modo a garantir de uma forma ou de outra que a questão não acolhida pela instância a quo seja efetivamente enfrentada, se eventualmente se fizer necessário.
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<a href="https://www.jota.info/wp-admin/post-new.php#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>REspe 35-395, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 2.6.2009.
<a href="https://www.jota.info/wp-admin/post-new.php#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Wambier, Teresa Arruda Alvim; Conceição, Maria Lúcia Lins;Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva; Mello, Rogério LicastroTorresde,Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil.

Tof.

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JOTA

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