Alexis Borowik

Recentemente o mercado de criptoativos teve uma notícia relevante com a publicação pela Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) do Ofício Circular CVM/SSE 4/2023, que orienta os prestadores de serviço envolvidos na atividade de tokenização sobre a caracterização de Tokens de Recebíveis ou Tokens de Renda Fixa (TR) como valores mobiliários.
O Ofício Circular vem como um complemento ao Parecer de Orientação CVM 40, de 11 de outubro de 2022, que consolidou o entendimento da CVM sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários, mencionando alguns processos administrativos julgados pela autarquia, dentre eles o processo da ICONIC Intermediação de Negócios e Serviços Ltda., <a href="https://www.gov.br/economia/pt-br/orgaos/orgaos-colegiados/conselho-de-recursos-do-sistema-financeiro-nacional/acesso-a-informacao/noticias/2023/crsfn-julga-primeiro-caso-de-processo-sancionador-da-cvm-envolvendo-criptoativos">recentemente julgado pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional</a> (CRSFN) como o primeiro caso de processo sancionador envolvendo criptoativos, em que o CRSFN confirmou a decisão proferida pelo colegiado da CVM.
No Parecer de Orientação a CVM destacou, resumidamente, os seguintes pontos sobre tokens: (i) A CVM entende que a tokenização em si não está sujeita a prévia aprovação ou registro na CVM, contudo, o token referenciado a um ativo poderá ou não ser um valor mobiliário; (ii) um token pode representar ativos, direitos de remuneração, direitos de voto ou direitos a receber relacionado a estruturas assemelhadas às de securitização, o que pode aproximar esses tokens emitidos do conceito de valor mobiliário; e (iii) a CVM incumbe ao agente de mercado analisar se o criptoativo não está incluído entre os valores mobiliários citados nos incisos do art. 2º da Lei 6.385/76, ou seja, se é a representação digital de um dos valores mobiliários previstos nos incisos I a VIII ou pode ser caracterizado como um contrato de investimento coletivo, conforme previsto no inciso IX do citado artigo.
Além disso, o Parecer de Orientação orientou que os <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/criptoativos">criptoativos</a> que sejam caracterizados como valores mobiliários devem observar as normas sobre (i) registro e prestação de informações periódicas pelo emissor, nos termos da Resolução CVM 80/22; (ii) as ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários e a sua negociação dos valores mobiliários ofertados nos mercados regulamentados; (iii) serviços de depósito centralizado de valores mobiliários; (iv) serviços de compensação e liquidação de valores mobiliários; e (v) serviços de escrituração de valores mobiliários e de emissão de certificados de valores mobiliários.
No último mês, aprofundando esse entendimento, a CVM publicou o Ofício Circular definindo que os tokens de recebíveis são valores mobiliários por poderem ser enquadrados como operação de securitização ou contrato de investimento coletivo ofertados publicamente, isso em razão de possuírem as seguintes características: (i) são ofertados publicamente por meio de exchanges, tokenizadoras ou outros meios; (ii) conferem remuneração fixa, variável ou mista ao investidor; (iii) podem ser representativos, vinculados ou lastreados em direitos creditórios ou títulos de dívida; (iv) os pagamentos de juros e amortização ao investidor decorrem do fluxo de caixa de um ou mais direitos creditórios ou títulos de dívida; (v) os direitos creditórios ou títulos de dívida representados pelos TR são cedidos ou emitidos em favor dos investidores finais ou de terceiros que fazem “custódia” do lastro em nome dos investidores; e (vi) a remuneração é definida por terceiro que pode ser o emissor do TR, o cedente, o estruturador ou qualquer agente envolvido na operação.
Nesse sentido, considerando essa definição de tokens de recebíveis como valores mobiliários, o Ofício Circular estabeleceu que as ofertas via tokenização abaixo de R$ 15 milhões poderão ser realizadas por meio de crowdfunding, de acordo com os requisitos da Resolução CVM 88/2022, ou securitização, nos termos previstos na Lei 14.430/2022.
Um dos motivos para a utilização das regras de crowdfunding e securitização, como a própria CVM reconhece no Ofício Circular, é em razão dos “desafios operacionais para o registro de oferta de TR e a necessária compatibilidade da sua tecnologia com a infraestrutura do mercado de capitais, principalmente com relação às atividades de registro, escrituração, depósito e custódia”.
Ainda, sobre as atividades, a CVM regra que o simples registro em rede DLT (Distributed Ledger Technology) não equivale ao controle de titularidade, bem como o token não substitui o valor mobiliário em sua representação cartular ou escritural, tampouco atua como certificado desse valor. Não obstante, a CVM pontua que para os casos em que a Resolução 88/22 admite o controle de titularidade de valor mobiliário ou de participação societária pela própria plataforma de crowdfunding, a plataforma contratada poderá se valer dos registros na rede blockchain.
Contudo, não nos parece que o desafio é operacional, visto que uma rede DLT (ou seja, a infraestrutura), em regra, servirá para o registro, escrituração e depósito de um valor mobiliário, mas, no momento, o desafio é regulatório, uma vez que não há uma regulamentação específica para essa tecnologia ou para ofertas de criptoativos ou outros valores mobiliários que poderiam se utilizar dessa tecnologia para realizar o registro, a escrituração e depósito do token ou valor mobiliário.
O <a href="https://einvestidor.estadao.com.br/criptomoedas/criptoativos-brasil-maior-mercado-america-latina/">Brasil já é o principal mercado de criptoativos na América Latina</a>, de modo que se faz necessária uma atualização regulatória para endereçarmos a adoção dessa tecnologia no mercado de capitais nacional, visto que nos parece pacífico, do ponto de vista da CVM e do CRSFN, que uma oferta de criptoativos poderá ser considerada uma oferta de valor mobiliário se preenchido os requisitos para tanto.
Ainda assim, cientes que qualquer discussão de atualização regulatória demandará uma discussão ampla da CVM com os agentes de mercado, percebemos que a própria CVM aponta para uma solução temporária na oferta de criptoativos, que seria a utilização de agentes regulados de mercado, já autorizados a desempenhar as atividades de registro, escrituração, depósito e custódia, para validação/confirmação das informações constantes na rede DLT.
Essa situação de solução temporária e desafio regulatório, nos lembra da situação dos investimentos em condo-hotéis. No primeiro momento, existiam discussões se esses investimentos se enquadravam como valores mobiliários, tendo cessado tais discussões com a Deliberação CVM 734/2015, que enquadrou os condo-hotéis como contratos de investimento coletivo, modalidade de valor mobiliário, sujeitos, portanto, à regulação e fiscalização da CVM sempre que ofertados publicamente, sendo exigida, deste modo, que os ofertantes solicitassem a dispensa da oferta à CVM. Posteriormente, como forma de promover a segurança jurídica dessas ofertas, a CVM editou a Instrumento CVM 602/2018, regrando de forma adequada as ofertas públicas de distribuição de contratos de investimento coletivo – CIC hoteleiro.
Nos parece, até em comparação com a situação anterior com o CIC hoteleiro, que as discussões ainda estão embrionárias para um marco regulatório, mas enquanto não temos esse marco que regre a utilização da tecnologia DLT e a própria oferta de security tokens, a própria solução temporária apresentada pela CVM, por meio das disposições do Parecer de Orientação e Ofício Circular, é suficiente para a realização de ofertas de security tokens, uma vez que determinada oferta de criptoativo possa configurar um Contrato de Investimento Coletivo (CIC), caberia ao emissor e o coordenador líder da oferta submeter à CVM a aprovação da oferta, devendo nessa submissão apontar quais serão os agentes de mercado que farão a validação das informações constantes na rede DLT escolhida pelo emissor, de modo a endereçar as preocupações apontadas pela CVM no Parecer de Orientação e Ofício Circular, em especial, sobre a divulgação de informações e a valorização da transparência.

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