Cláudio Jannotti da Rocha

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pergunte-ao-professor"># pergunte ao professor</a>
Neste episódio de nº 83 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► STF e a dispensa em massa: quais os impactos nas relações trabalhistas e sindicais?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Cláudio Jannotti da Rocha<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 8.6.2022, julgou o Recurso Extraordinário (RE) 999.435 e nele decidiu ser imprescindível a participação prévia de sindicatos para a dispensa coletiva de trabalhadores. Eis tese aprovada: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Antes de analisarmos o precedente vinculante constituído pela Suprema Corte, torna-se fulcral para a devida a devida compreensão toda a historiografia do leading case e seu respectivo objeto.
Com efeito, o caso retrata a dispensa injustificada de 4.200 trabalhadores no ano de 2009 pela Embraer, contingente que na época correspondia a 20% dos seus empregados. Tal desligamento em massa ganhou notoriedade social, haja vista que, ocorrendo logo no começo da crise iniciada em 2008, já de maneira fulminante atingiu, por meio de um único ato, esse alarmante contingente de empregados.
Na ocasião, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região instaurou um dissídio coletivo (autos nº 309/2009) em desfavor a Embraer no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, que foi julgou a demanda parcialmente procedente, determinando o pagamento de uma compensação financeira para cada trabalhador demitido, vez que a dispensa foi declarada abusiva por ausência de negociação coletiva prévia.
Importante destacar que o acórdão registrou que países como Argentina (Ley n. 24.013/91), Espanha (Ley del Estatuto de los Trabajadores, de 1995), França (Lei do Trabalho, de 1995), Itália (Lei n. 223/91), México (Ley Federal del Trabajo) e Portugal (Código do Trabalho) regulamentam a dispensa em massa e determinam a negociação coletiva prévia como validade para a dispensa coletiva. Consignou ainda que outros Estados como Alemanha (Kündigungsschutzgesetz - KSchG) e o Reino Unido (Employment Rights Act, de 1996), bem como a União Europeia (Diretivas nsº 56, 59 e 129), também possuem normas quanto ao tema.
A controvérsia chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio de recurso ordinário, sendo julgado pela Seção de Dissídios Coletivos (SDC) que, dando provimento parcial ao apelo da Embraer, decidiu e ao mesmo tempo fixou um precedente para os casos futuros, criando, então, um leading case na temática, ao a assim dispor: “As dispensas coletivas de trabalhadores, substantiva e proporcionalmente distintas das dispensas individuais, não podem ser exercitadas de modo unilateral e potestativo pelo empregador, sendo matéria de Direito Coletivo do Trabalho, devendo ser submetidas à prévia negociação coletiva trabalhista ou, sendo inviável, ao processo judicial de dissídio coletivo, que irá lhe regular os termos e efeitos pertinentes”.
E para os casos futuros, a SDC fixou tal premissa (embora a d. Maioria, para o caso vertente nos autos, não reconheça abusividade ou falta de boa-fé objetiva na dispensa massiva perpetrada – até mesmo porque a premissa fixada não era ainda acolhida na jurisprudência até então dominante). A premissa ficou assim posta: “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”.
A empresa Embraer então apresentou um Recurso Extraordinário (RE) que, a partir da sistemática da repercussão geral, foi julgado pelo Plenário do STF, constituindo-se num precedente vinculante à luz do art. 927, V, do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">CPC de 2015</a>.
O julgamento começou no dia 19.5.2021, discutindo-se a necessidade ou não de negociação coletiva para o desligamento coletivo de trabalhadores como requisito de validade para da dispensa - premissa constituída pelo Supremo Tribunal Federal.
Imperioso destacar que o Brasil, ao contrário dos países ora mencionados, traz em seu ordenamento jurídico brasileiro um verdadeiro hiato normativo sobre o tema, deixando de regulamentar tal matéria que ultrapassa os umbrais epidérmicos até do direito individual e transcende para os três modais dos direitos coletivos estabelecidos no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC (individuais homogêneos, coletivos stricto sensu e difusos), e ao mesmo tempo, até do próprio Direito, alcançado a Economia, diante do tamanho impacto econômico que causa aos trabalhadores e a sociedade.
O novo art. 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CL) se atém a estabelecer que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Mas, afinal, o que é uma dispensa individual? O que é uma dispensa plúrima? O que é uma dispensa coletiva? Quais são os critérios estruturantes de cada uma delas? Quais são as características de cada uma delas? Qual o numerário de trabalhadores que devem ser dispensados para caracterizar uma dispensa plúrima e uma dispensa coletiva? Todas estas questões, até a presente data, permanecem sem respostas normativas, o que desencadeia deletérios efeitos sociojurídicos.
Por isso o STF, ao dar provimento ao RE interposto pela Embraer, declarando que a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo, pouco altera o que decidiu a SDC/TST, vez que de uma forma ou outra impõe a realização do diálogo social para validade da dispensa coletiva.
Além disso, implicitamente a Suprema Corte declarou que o novel art. 477-A da CLT como inconstitucional, diferenciando as dispensas individual e coletiva, bem como destinou um tratamento peculiar à dispensa coletiva, determinando a intervenção sindical prévia como instrumento de validade das dispensas coletivas.
O acórdão proferido pelo STF efetivou o art. 8º, III, da Constituição Federal, estabelece que ao sindicato cabe à defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Muito além da terminologia intervenção sindical prévia ou negociação coletiva prévia, deve-se observar o conteúdo que ambas estabelecem: a realização do diálogo social entre empresa e sindicato ou entre sindicatos, para que os efeitos da dispensa coletiva sejam atenuados ou até mesmo que a dispensa não seja realizada.
O diálogo social é um dos principais pilares do Estado Democrático de Direito, sendo que a partir dele ocorre a interlocução entre os sujeitos de diferentes níveis econômicos, políticos e jurídicos. A intercambialidade de ideias, opiniões e conhecimentos, tudo, em síntese, é fulcral para que a sociedade evolua e permita a inclusão social e a melhoria de vida das pessoas.
A título exemplificativo das medidas que podem ser alcançadas através da intervenção sindical prévia tem-se: (i) a redução da jornada de trabalho e o redirecionamento dos empregados para outros setores da empresa, em período não superior a 6 meses; (ii) suspensão do contrato de trabalho em período não superior a 6 meses, sendo que durante este período a empresa deverá ofertar cursos de capacitação aos empregados que tiverem seus contratos de trabalho suspensos, devendo, inclusive, recolher contribuição previdenciária sobre este período; devendo também, neste interregno, ficarem mantidos os planos de saúde, odontológico, fornecimento de ticket alimentação e demais benefícios contratuais; (iii) estabelecimento de uma ordem e um prazo para a realização das dispensas, o critério de escolha dos trabalhadores que serão dispensados, os direitos trabalhistas e assistenciais dos empregados, devendo levar em consideração o estado civil de cada um deles, bem como a idade e o tempo que falta para a respectiva aposentadoria, devendo, neste caso, ser dispensados os trabalhadores com menos idade, os solteiros, aqueles com o menor tempo de vínculo empregatício e ainda os mais distantes de se aposentarem; (iv) alcançado o prazo de 6 meses previsto nas hipóteses (i) e (ii), a empresa e o sindicato devem se reunirem novamente para decidir pela realização ou não da dispensa coletiva; caso entendam pela não realização da dispensa coletiva, o estado anterior deverá retornar, sendo que caso fique acordado pela ocorrência da dispensa coletiva, as partes deverão elaborar a procedimentalização prevista na hipótese (iii) e; (v) na hipótese da dispensa coletiva ser realizada, a empresa não poderá, no prazo de 120 dias, realizar qualquer contratação, salvo tratando-se de um empregado que tenha sido dispensado.
Ao que se percebe, o STF importou o que a Kündigungsschutzgesetz – KSchG determina na Alemanha - intervenção prévia entre a empresa e o Comitê de Empresa que engloba um compromisso de interesses (Interessenausgleich), além de um plano social (Sozialplan), formalizando-o com uma manifestação escrita da proposta apresentada pela empresa.
Por isso, tem-se que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 999.435, significa um avanço jurídico por destinar à dispensa coletiva uma proteção jurídica que o art. 477-A da CLT não oferta. A intervenção prévia dos sindicatos deve ser obrigatória, até porque se a dispensa está atingindo uma coletividade de trabalhadores ao mesmo tempo, tais pessoas devem ser escutadas e seus direitos defendidos por quem a Carta da República reconhece ser o legítimo para atuar: os sindicatos.
A partir desse precedente vinculante constituído pelo Supremo Tribunal Federal, doravante todo desligamento coletivo deverá ser obrigatoriamente ser precedido pela intervenção sindical prévia, sob pena da nulidade da dispensa em messa. E, por corolário lógico, ocorrerá a reintegração de todos os trabalhadores dispensados até que seja realizada a intervenção sindical prévia.
O diálogo social prévio, portanto, determinado pelo STF para que a dispensa coletiva seja reputada como válida, representa a consolidação de um entendimento jurisdicional iniciado em 2009, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (autos nº 20281.2008.000.02.00-1, quando 1.300 empregados foram dispensados nas cidades de Osasco, Hortolândia e Cruzeiro), e que depois foi encampado por diversos Tribunais Trabalhistas de todo o Brasil, bem como pelo próprio TST.
Bem por isso, com este novo precedente vinculante firmado pelo Pleno do STF a dispensa coletiva passa a receber uma proteção normativa que até então não possuía: a intervenção sindical como requisito de validade. Ficou claro que a Suprema Corte, a um só tempo, efetivou o art. 8, III, da Constituição Federal, assim como fortaleceu o Direito do Trabalho, principalmente o Direito Coletivo e, de igual sorte, destinou um tratamento jurídico especial à dispensa coletiva que o art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho não oferta.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal caminhou muito bem no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 999.435, vez que a tese constituída representa uma verdadeira e significativa efetivação de diversas garantias e direitos constitucionais.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Coordenador do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Seguridade Social e Processo: Diálogos e Críticas” (UFES-CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa “Relações de Trabalho na Contemporaneidade” (UFBA-CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania” (UnB-CNPq). Pesquisador. Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior. Endereço eletrônico: claudiojannotti@hotmail.com.

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

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JOTA

Neste episódio, o professor responde a pergunta 'STF e a dispensa em massa: quais os impactos nas relações trabalhistas e sindicais?'

Dúvida trabalhista? Pergunte ao professor!

Neste episódio, o professor responde a pergunta "STF e a dispensa em massa: quais os impactos nas relações trabalhistas e sindicais?"