Welton Correia Alves

A alfa-alglicosidase integra o tratamento da doença de Pompe, uma condição rara que provoca danos musculares potencialmente irreversíveis e que pode levar à insuficiência respiratória, perda da função motora e morte prematura[1],[4]. O medicamento repõe a enzima que falta aos pacientes, e está disponível no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a> para os chamados pacientes de início precoce – ou seja, cujos sintomas se apresentaram no primeiro ano de vida. Mas esse não é o meu caso.   
Eu faço parte dos 70% de pacientes[6],[7] que manifestaram os sintomas após o primeiro ano de vida – ou que pelo menos descobriram a doença depois disso (estima-se que o diagnóstico demora, em média, entre sete e nove anos para ser firmado).[5] Para mim e para todas as pessoas com a doença de Pompe de início tardio, essa terapia de reposição enzimática não está disponível na rede pública.   
A<a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/o-que-e-a-conitec-e-como-ela-define-as-novas-tecnologias-no-sus-05062023"> Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) avaliou a inclusão do medicamento para esse público em três ocasiões</a>: em 2019, 2021 e 2022. Foram três diferentes justificativas para as respostas negativas. 
Em 2019, quando houve parecer favorável especificamente para a forma precoce, a recomendação desfavorável para a forma tardia da doença teve como base o alto custo da terapia e o elevado impacto orçamentário. Isso mesmo com o consenso de que as evidências clínicas justificariam o tratamento também para esse grupo.
Em 2021, a Conitec reconheceu que o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde confirmaram que o gasto somado pelos estados e pela União por causa da judicialização era similar ao impacto proposto para a incorporação do medicamento. No entanto, para surpresa de todos, o relatório final ainda assim defendeu a não incorporação pelo impacto orçamentário e, para piorar, reabriu a discussão sobre a qualidade das evidências científicas que avaliaram os benefícios do medicamento.  
Em 2022, o cenário se repetiu. Os <a href="https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2022/20220707_relatorio_alfaalglicosidase_cp_46.pdf">membros da Conitec emitiram um parecer</a> preliminar desfavorável com base nas evidências científicas. Especificamente sobre esse aspecto, ficou marcada na minha cabeça uma conversa recente que tive com o amigo Gustavo San Martin, diretor geral da associação Crônicos do Dia a Dia (CDD), que tem esclerose múltipla, outra doença rara. Ele me disse o seguinte: “O marco legal dos processos de avaliação de tecnologias para incorporação no SUS não se baseia apenas na ciência e na técnica, mas também em aspectos éticos. Por motivos bem conhecidos, não é ético exigir que tecnologias indicadas para tratamento de doenças raras e para tratamento de doenças mais prevalentes apresentem a mesma qualidade de evidência”.   
Estima-se que 1 a cada 40 mil pessoas tenham doença de Pompe[3]. Ela é uma doença progressiva, de caráter degenerativo – em outras palavras, seus danos são acumulados ao longo de anos. Diante disso, é extremamente desafiador produzir estudos clínicos com muitos voluntários e que atestem benefícios objetivos. Ainda assim, há outras evidências disponíveis. E eu sinto o que eu sinto.  
Mas eu e os outros pacientes com doença de Pompe não fomos ouvidos. No último dia 31 de agosto, a Conitec decidiu mais uma vez não incorporar a alfa-alglicosidase entre as medicações disponíveis no SUS. Isso apesar do desconto sugerido pelo proponente, que representaria uma redução de 54% do preço do medicamento e geraria ao governo uma economia estimada de R$ 116,7 milhões no decorrer de cinco anos.   
São 15 anos de registro dessa terapia de reposição enzimática pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão responsável por atestar a segurança e a eficácia de medicamentos – que recentemente mostrou sua seriedade com as aprovações das vacinas da Covid-19. A própria Conitec já considerou a alfa-alglicosidase segura e efetiva para a doença de Pompe de início tardio. Mesmo assim, não foi concedido a nós sequer uma audiência pública para expressarmos nossa indignação e trazermos nossos argumentos.   
Resta a nós, os pacientes que sofrem com uma doença para o qual o tratamento está tão perto, mas tão longe, a judicialização que tanto é criticada pelas autoridades públicas.
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[1] Van der Ploeg AT, Reuser AJ. Pompe's disease. Lancet. 2008;372:1342‐1353.
[2] Ausems MG, Verbiest J, Hermans MP, Kroos MA, Beemer FA, Wokke JH, et al. Frequency of glycogen storage disease type II in The Netherlands: implications for diagnosis and genetic counselling. Eur J Hum Genet. 1999;7(6):713-6.
[3] Kishnani PS, Steiner RD, Bali D, et al. Pompe disease diagnosis and management guideline. Genet Med. 2006;8(5):267-288
[4] Hirschhorn, Rochelle and Arnold J. J. Reuser. Glycogen Storage Disease Type II: Acid Alpha-Glucosidase (Acid Maltase) Deficiency. In: Scriver C, Beaudet A, Sly W, Valle D, editors. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease. 8th Edition. New York: McGraw-Hill; 2001; 3389-3420.
[5] van Capelle C. I. et al, Orphanet J Rare Dis. Childhood Pompe disease: clinical spectrum and genotype in 31 patients. May 2016; 11: 65.
[6] Ausems MGEM, et al. Community Genet. 1999;2:91-96
[7] Hirschhorn R, et al. In: The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease. 2001:3389-3420

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JOTA

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