Patrícia Helena Marta Martins

Walter Alves de Souza Neto

A Estônia é um pequeno país europeu, com pouco mais de um milhão de habitantes, que se tornou independente da União Soviética em 1991. No ano de 2000, o parlamento estoniano aprovou uma lei que conferiu às assinaturas certificadas digitalmente a mesma validade das tradicionais assinaturas em papel. 
A população da Estônia passou a utilizar a certificação digital para grande parte dos atos que requerem uma identificação pessoal formal. A requisição de benefícios sociais junto ao governo, a prescrição de medicamentos e até mesmo o voto nas eleições nacionais podem ser realizados do conforto da sala de estar do cidadão estoniano – nas eleições parlamentares de 2015, 30% da população votou por meio da internet.
A tendência é mundial. Nos Estados Unidos foram promulgados o E-Sign Act e o UETA, no Canadá o PIPEDA e na União Europeia a Eletronic Signature Directive 1999/93/EC. A Comissão de Leis de Comércio das Nações Unidas (UNICITRAL) igualmente estabeleceu regras que regulamentam as assinaturas eletrônicas em contratos internacionais, via o MLEA. 
Mas, e o Brasil? Infelizmente ainda estamos longe da realidade estoniana mas nos últimos anos, contudo, houve uma evolução na forma como o governo e a sociedade brasileira têm tratado a certificação digital. 
A história da certificação digital no nosso país teve início no ano de 2001, com a edição da Medida Provisória 2002-2, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). A ICP-Brasil se tornou o sistema nacional de certificação digital e tem como objetivo garantir três atributos ao documento emitido em forma eletrônica: autenticidade, integridade e validade jurídica[1]. 
É certo que há outros mecanismos de assinatura eletrônica de documentos, com diversos níveis de segurança, mas este artigo aborda os contornos jurídicos dos documentos assinados digitalmente sob o sistema oficial de certificação digital ICP-Brasil.  
O artigo 10, § 1º, da aludida Medida Provisória estabelece que “as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm#art131">art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil” (artigo 219 do Código Civil de 2002</a>).
O artigo 411 do Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, equiparou a assinatura digital ao reconhecimento de firma por tabelião. Há previsão de que um documento é considerado autêntico quando sua autoria estiver identificada por meio legal de certificação, inclusive eletrônico – neste caso, o ICP-Brasil pode ser considerado como um meio legal de certificação[2].
A jurisprudência brasileira tem reconhecido a certificação digital como uma forma segura de identificação do signatário do documento eletrônico[3]. Há inclusive precedentes favoráveis à aceitação de contrato originalmente físico que fora digitalizado e certificado digitalmente por Cartório de Registros de Títulos e Documentos[4]. 
É pacífico o entendimento de que pode ser proposta ação monitória ou ação de cobrança com o objetivo de receber pagamento devido em virtude da celebração de contrato eletrônico que conta com assinatura certificada digitalmente. O ajuizamento de ação de execução, no entanto, ainda é controverso. 
O artigo 784 do Código de Processo Civil estabelece que o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas constitui título executivo extrajudicial. Parcos precedentes admitem a propositura da ação de execução com base em contrato assinado digitalmente pelas partes e também pelas testemunhas[5]. 
De outro lado, em decisão datada de 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo asseverou que se trata de “matéria embrionária que padece de estudos relacionados à força executiva de contrato eletrônico”, determinando “a adoção de meio de prova, sem qualidade de força executiva”[6]. Outros precedentes impõem óbices para a adoção da via executiva em razão da não apresentação dos elementos necessários à verificação da validade da certificação digital, tais como o endereço eletrônico da autoridade certificadora e o código verificador[7].
Quanto ao sistema notarial e registral, o documento que conta com assinatura certificada digitalmente é válido para fins de protesto em cartório, ressalvando-se que “sua validade jurídica, por si só, não impõe ao Tabelionato de Protesto que aceite obrigatoriamente o referido documento”[8]. Deve-se verificar a existência de norma estadual disciplinando a recepção eletrônica de tais documentos pelos Tabelionatos.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo vêm fixando o entendimento pela possibilidade de protesto e posterior execução de duplicatas e letras de câmbio emitidas de maneira virtual[9].
Em suma, a certificação digital é cada vez mais aceita no Brasil – vide, por exemplo, a possibilidade de sua utilização para a emissão de duplicatas. Contudo, a jurisprudência brasileira ainda não consolidou entendimento no que se refere à possibilidade da propositura de ação de execução lastreada em contrato cujas partes e testemunhas o tenham assinado por meio de certificação digital. 
Quem sabe nos próximos anos conseguiremos reduzir as distâncias entre Brasil e Estônia, ao menos quanto à certificação digital.
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[1] O ICP-Brasil funciona como uma cadeia hierárquica e de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) atua como Autoridade Certificadora e também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da cadeia, bem como supervisionar e fazer auditoria dos processos de certificação. (<a href="http://www.iti.gov.br/index.php/icp-brasil/o-que-e">http://www.iti.gov.br/index.php/icp-brasil/o-que-e</a>) 
[2] No ano de 2002, o Executivo apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.316 para disciplinar legalmente a certificação digital no Brasil. Em 2004, o ITI apresentou um substitutivo ao aludido Projeto de Lei. No entanto, o Projeto de Lei e seu substitutivo jamais foram votados conclusivamente pela Câmara dos Deputados. 
[3] “Diversa, no entanto, é a assinatura digital certificada digitalmente, a qual permite a identificação inequívoca do signatário do documento, que passa a ostentar o nome do detentor do certificado digital utilizado, o número de série do certificado, bem como a data e a hora do lançamento da firma digital, presumindo-se verdadeiro o seu conteúdo em relação ao signatário, na forma do art. 10º da Medida Provisória n. 2.200-2, de 2001, verbis:” (STJ, AgRg no AREsp 518.587/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/06/2014, DJe 01/08/2014). 
[4] “Como se vê às fls. 18/33 o contrato apresentado foi eletronicamente registrado e digitalmente certificado pelo 1º Cartório de Títulos e Documentos de Maceió/AL. (...) Esclarecendo melhor: uma vez digitalizado o documento e certificado no âmbito da cadeia da ICP-Brasil, este não poderá mais sofrer alterações. É justamente desse fato que emerge a presunção de autenticidade da certificação digital, que é semelhante a da cópia autenticada, extraída mecanicamente do documento original (TJSP, AI 0275596-89.2012.8.26.0000; Relator(a): Moura Ribeiro; Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 31/01/2013) 
[5] TRF2, AI 201302010129860, Relator: Jose Antonio Lisboa Neiva, Data de Julgamento: 18/12/2013. 
[6] TJSP, 0007081-75.2013.8.26.0153; Relator(a): Carlos Abrão; Comarca: Cravinhos; Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 15/04/2015 
[7] TJMG, Apelação nº 1.0024.13.035213-1/001, Relator(a): Newton Teixeira Carvalho, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/04/2014. 
[8] GARCIA, André Pinto. Curso de Direito da Certificação Digital [livro eletrônico]: com novo manual de perguntas e respostas jurídicas da ICP-Brasil; prefácio de Fábio Ulhoa Coelho. Brasília, Ed. do Autor, 2016. 
[9] STJ, Embargos de Divergência em REsp nº 1.024.691-PR, Relator Min. Raul Araújo,  2ª Seção, j. 22/08/2012; TJSP, Agravo de Instrumento nº 0028828-55.2013.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. J.B. Franco de Godoi, J. 24.04.2013; TJSP, Apelação nº 1028011-91.2015.8.26.0100; Relator(a): Alberto Gosson;  Órgão julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 18/08/2016

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