Renata Alvares Gaspar

Felipe S. Vivas de Castro

O direito potestativo não é novidade para os juristas e o seu conceito vem sendo historicamente construído ao longo dos séculos, desde os primórdios romanos. Na contemporaneidade, é compreendido como direito que autoriza o ingresso do seu detentor na esfera jurídica de outrem, independentemente da sua vontade. Nesse sentido, é certo, o direito potestativo inaugura verdadeiro estado de sujeição de uma pessoa à outra, que, embora não precise adotar conduta alguma, não terá como evitar, sobre si, os efeitos do exercício de tal direito que, efetivado, poderá criar, alterar ou extinguir situações jurídicas das mais diversas.
No Brasil, até 2010, a Constituição Federal previa que o casamento só poderia ser dissolvido após a separação judicial por tempo superior a um ano ou a separação de fato por período superior a dois anos. Ou seja: para que o Poder Judiciário decretasse o divórcio de um casal, seria necessário que estivessem separados há, no mínimo, um ano.
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Em 2010, entretanto, com a Emenda n.º 66, o texto constitucional sofreu profunda modificação, alterando a redação do § 6º do seu artigo 226 para remover qualquer requisito condicionante, estabelecendo, tão somente, que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. A partir de então, a jurisprudência e a doutrina, de forma quase uníssona, estabeleceram que o divórcio é direito potestativo a ser exercido, autonomamente, por qualquer dos cônjuges, dissolvendo o casamento sem a exigência de qualquer requisito prévio.
Muito recentemente<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o Tribunal de Justiça de São Paulo precisou conceder solução jurídica a situação muito interessante envolvendo o direito de divórcio.
No caso, a esposa requereu ao juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Itaquaquecetuba que, em ação de divórcio litigioso, decretasse, liminarmente, em tutela de evidência, o divórcio em relação ao seu cônjuge que, acusado de diversos crimes – inclusive de abuso sexual – está foragido em lugar incerto, provavelmente no estado de Pernambuco.
Afirmou, para justificar o pedido, que a manutenção do casamento lhe causa vergonha e o sentimento de constrangimento em relação à comunidade, pois se sente traída e humilhada, ademais de temer represálias das vítimas do seu, então, marido.
O pleito tutelar, entretanto, foi negado pelo juiz de primeiro grau. Por essa razão, foi interposto Agravo de Instrumento que, distribuído à 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal paulista, recebeu provimento, modificando a decisão a quo.
Em descompasso com a posição majoritária daquela E. Corte Estadual, de que, sem a integração da parte ré ao processo, é inviável a concessão da tutela provisória para decretar o divórcio do casal litigante, o Desembargador Piva Rodrigues, muito acertadamente, concedeu a tutela de evidência pleiteada, decretando liminarmente o divórcio das partes.
Para tanto, justificou que o inciso II do artigo 311 do Código de Processo Civil (combinado com o seu parágrafo único), autorizou a concessão liminar da tutela de evidência quando, havendo tese repetitiva ou súmula vinculante, for possível comprovar documentalmente os fatos alegados.
O julgador explicou em seu voto que, embora inexista tese firmada sob o rito dos recursos repetitivos e súmula vinculante, a norma autorizadora é ainda mais evidente, pois, é a própria Constituição Federal (artigo 226, § 6º, CF).
A decisão é incorrigível, pois concedeu às normas sua correta dimensão e alcance, interpretando sistematicamente os dispositivos legais em referência, de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Afinal, não se poderia mesmo compreender o inciso II da indigitada norma processual de forma diversa: a concessão da tutela de evidência exige que se combine a comprovação documental dos fatos e a existência de entendimento jurídico que torne certo o direito da parte.
Ora, se o divórcio é direito potestativo que pode ser exercido pelo cônjuge sem nenhuma possibilidade de defesa ou resistência da parte contrária, qual seria a razão de se exigir a prévia integração do contraditório para a concessão da tutela de urgência? Negar a tutela de evidência seria, indubitavelmente, afrontar os mais fundamentais princípios informadores do processo civil, como a celeridade e a efetividade.
No mais, ainda que a particularidade do caso sub examine justifique, nem se poderia alegar a ausência de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, pois a tutela de evidência dispensa tais requisitos (art. 311, caput, CPC). Veja-se, outrossim, que a tutela de evidência, ao contrário da tutela de urgência (art. 300, § 3º, CPC), não exige a reversibilidade da medida e, no caso em comento, fundada no inciso II do artigo 311 do Código de Processo Civil, poderia mesmo ser concedida liminarmente (art. 311, § único, CPC).
A decisão representa importante avanço para a realização do regime das tutelas de evidência, insculpido no Código de Processo Civil, em relação ao direito de divórcio que, historicamente, vem enfrentado óbices dos mais diversos e pelas mais variadas razões.
Sem dúvida, o adequado e sistemático manuseio da tutela de evidência nas ações de divórcio representa a realização, ademais do direito constitucional ao divórcio, importante garantia fundamental: um processo judicial célere e efetivo (art. 5º, LXXVIII e art. 226, § 6º, CF).
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Agravo de Instrumento n.º 2168110-30.2020.8.26.0000 relatado pelo Desembargador Piva Rodrigues à 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 23/07/2020.

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JOTA

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