Elisabeth Lewandowski Libertuci

Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Com a devida licença poética e feitas as honras de estilo, mas por óbvio sem a devida genialidade, adaptamos renomada obra de Dante Alighieri para, dessa forma, buscarmos demonstrar as angústias que assombram contribuintes que aderiram ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), um dia após o prazo final, feita a opção pela "declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, (...)." (Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016).
Nosso personagem principal é Dante, contribuinte que se atreveu a manter recursos no exterior e não declará-los às autoridades competentes, por motivos que não nos cabe aqui justificar. Quanto mais o tempo passa, mais Dante se atormenta com essa situação. Mais ou menos aquela sensação de estar largado à própria sorte em meio a uma floresta.
É então atraído por uma possibilidade legislativa de regularizar sua vida financeira junto ao Fisco. Só que até então nem imagina que para atingir esse objetivo terá um longo caminho a percorrer, passando pelo Inferno, atravessando o Purgatório até finalmente alcançar o Paraíso.
O Inferno é encontrado por Dante no ambiente do Congresso Nacional. Interesses, duelos entre oposição versus situação e manobras regimentais se afiguravam entre uma e outra légua da tortuosa jornada. Nos bastidores tudo era permitido, enquanto no Plenário tudo fora proibido, ou obstruído.
Mas eis que o projeto é convertido na Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016, com prazo fatal para a conclusão da viagem regulatória aos 31 dias de outubro de 2016. Pensaria Dante, então, que a travessia pelo Inferno teria sido concluída. Ledo engano. O Fisco reclama mais do que uma moeda para promover a travessia de Dante até o outro lado da regularização dos ativos mantidos no exterior, o RERCT. E o faz por intermédio de um alfarrábio concebido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em forma de parecer apoiado pelo Executivo, como o próprio Lúcifer o teria feito.
Dante reinvidica a foto para a regularização, mas insaciável o Fisco lhe reclama o filme da vida financeira. Vem-lhe então o Legislativo mais uma vez em socorro. Agora com um substitutivo, num ato de desespero e como a dizer - dedo em riste - ao Fisco, sempre faminto: não ouses tributar mais do que o devido, tu sanha - arrecadatória - é para própria ganha. Não é justo!
Nesse momento, desloca-se Dante ao Purgatório, acreditando piamente que atravessada essa jornada finalmente encontraria o Paraíso.
Que nada! Intrigas são sussurradas aos agora moucos ouvidos do Legislativo pelo enxofrado Executivo. Dante os enxerga lá debaixo, aguardando uma oportunidade para concluir sua desventura tributária regulatória, como que tomado por um sentimento de arrependimento tardio.
Pagando por seus pecados cambiais alienígenas, segue ansioso Dante em sua jornada, sob os olhares do Executivo que quer lhe arrancar o último fôlego de vida, e do Legislativo, que agora negocia com outros atores uma modalidade de mais caixa fazer.
O substitutivo, que como lamparina interpretativa a Dante iria servir na escura estrada legislativa, fez-se comédia, tendo o Executivo comemorado o suposto insucesso do choroso pagador de tributos. Quem dera!
Despediu-se então Dante de promessas do Legislativo e, após banhar-se em suas lágrimas de frustração, decidiu prosseguir viagem rumo à regularização e repatriação, agora mãos dadas com competente assessoria jurídica, sem o que lhe parecesse impossível despedir-se do Purgatório rumo ao Paraíso. Carinhosamente, Dante passou a denominar a assessoria jurídica de Beatriz, que metaforicamente é como se tivesse descido do Céu para possibilitar que Dante finalmente pudesse encontrar o Paraíso.
Só que essa Beatriz - diferentemente daquela criada por Alighieri - está longe de ter os seus divinos poderes. E é nesse momento em que Dante se encontra. De mãos dadas com Beatriz saber se finalmente conseguirá atingir em sua plenitude o fim de sua jornada: o Paraíso.
É que findo o prazo e enviado a declaração eletrônica de regularização de recursos remetidos ou mantidos no exterior (RERCT), Dante, daqui para frente (e de preferência contando com o auxílio jurídico de Beatriz), terá de ficar atento a eventuais questionamentos pela Receita Federal do Brasil e/ou Ministério Público Federal, uma vez que incertezas legais interpretativas é o que mais se verificou durante o trajeto de Dante do Inferno rumo ao Paraíso.
Certezas como a de que a regularização se satisfaz com a foto de 31/12/2014 dos ativos mantidos no exterior, ou não. Além disso, quais seriam os efeitos não só de ordem tributária, como cível societária ou até familiar essa tal regularização pode provocar.  A ex-mulher de Dante, que ao se divorciar desconhecia a existência desses ativos poderá agora pleitear a sua quota parte? Aquela reclamação trabalhista, há tempos mantida arquivada, porquanto ex-funcionário de Dante não localizou bens para exigir o adimplemento tem agora chance de ser reativada? O ex-sócio de Dante, que se sentiu prejudicado na dissolução da sociedade poderá reivindicar se os recursos regularizados por Dante não são resultado de desvios da empresa enquanto Dante encabeçou a gestão?
Exemplos não faltam para se ter certeza do que ainda falta para Dante encontrar o Paraíso.
Certamente não queremos, muito menos gostaríamos, que se Dante indagado for, como o foi Dante de Alighieri pelos santos em sua "Divina Comédia" sobre suas posições filosóficas e religiosas, certo está nosso Dante-Contribuinte que, findo possível interrogatório, irá gozar de plena vida fiscal-cambial-tributária de um legitimado repatriado.

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JOTA

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