Marina Pita

Está na pauta do plenário virtual da Câmara dos Deputados, para apreciação com urgência, o PL 4513/2020, <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2262422">projeto de lei que institui a Política Nacional de Educação Digital</a>. O texto tem como objetivos a inclusão digital, com a previsão de estratégias formais e não formais que alcancem todas as camadas da população, e o desenvolvimento de competências e habilidades, com uso de tecnologias, no ambiente escolar.
É mais uma proposta bem intencionada para garantir que os estudantes tenham acesso a recursos educacionais adequados ao atual contexto socio-técnico. Mas que esquece o básico: é preciso reformar a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm">Lei de Direitos Autorais de 1998</a> para permitir que, no processo ensino-aprendizagem, tais recursos estejam, de fato, disponíveis.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Atualmente, professores e alunos têm de enfrentar a carência regulatória acerca da aplicação dos direitos autorais na educação. São apenas dois incisos de um artigo tratando de como obras protegidas podem ser usadas na educação sem autorização ou remuneração ao titular sem que isso signifique uma infração legal.
Infelizmente aqueles dedicados a ensinar crianças e jovens no Brasil também têm de enfrentar a inadequação da legislação para tratar das questões no ambiente digital (nenhuma atualização neste sentido desde 1998) e na urgência, incerteza e excepcionalidade do momento, conforme apontam os especialistas na temática Allan Rocha de Souza e Theo Amiel em <a href="http://remix.internetlab.org.br/GuiaEAD-PerguntasRespostas.pdf">"Guia de Direito Autoral e Educação Aberta e a Distância"</a>.
Uma mudança na legislação de direitos autorais no Brasil poderia responder à urgente necessidade de ampliar os casos de acesso legítimo a obras protegidas para fins educacionais, o que permitiria que professores pudessem oferecer recursos e materiais atualizados e relevantes aos alunos sem onerar tanto o Estado — ou o próprio bolso.
Enquanto tal mudança não acontece, é necessário um esforço para formar professores da perspectiva do direito de acesso e compartilhamento de <a href="https://www.youtube.com/watch?v=WNlf7jZz8P8">toda e quaisquer obras protegidas por direitos autorais durante a aula</a>, desde que na medida justificada para o fim específico da disciplina e pertinente ao que se está lecionando. Ainda que a legislação não diga isso expressamente — até porque as atividades de formação inovam continuamente —, o poder judicial tem decidido, com consistência, que o direito à educação e acesso à informação se sobrepõem, nestes casos, ao direito ao monopólio na exploração da obra.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão paradigmática e unânime proferida no <a href="https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/866321547/recurso-especial-resp-964404-es-2007-0144450-5/inteiro-teor-866321549?ref=feed">Recurso Especial 964.404/ES de 2011,</a> estabeleceu que as limitações e exceções dos artigos 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais são exemplos de usos livres, devendo ser interpretadas extensivamente. Decisões posteriores do tribunal seguiram e solidificaram esse entendimento, que obrigatoriamente deve ser espelhado pelos tribunais inferiores, estaduais e federais.
Para não restar dúvidas, mais recentemente a interpretação e aplicação das L&amp;E (limitações e exceções) foram consolidadas no Enunciado 115 da III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF) da seguinte forma: “ENUNCIADO 115 – As limitações de direitos autorais estabelecidas nos artigos 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais devem ser interpretadas extensivamente, em conformidade com os direitos fundamentais e a função social da propriedade estabelecida no artigo 5o, XXIII, da CF/88”. Portanto, as limitações e exceções constantes no rol dos artigos 46, 47 e 48 não concentram as únicas situações e usos livres legalmente permitidos, mas servem como parâmetro e criam as bases para situações análogas de usos livres.
Infelizmente, a oferta de informação, pelo poder público acerca dos direitos autorais, não está focada em oferecer aos professores instrução que os permita fazer o uso mais amplo possível de obras protegidas por direito de autor sem infringir a lei. Pelo contrário, temos visto uma série de campanhas públicas e privadas cujo foco é conscientizar os consumidores “para que saibam dos riscos a sua integridade e dos efeitos sociais e econômicos nocivos para sociedade como perda de emprego, renda tributária e o combate ao crime organizado” <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> decorrente das violações de propriedade intelectual e, em contrapartida, poucas – para não dizer nenhuma – dedicadas a elucidar usos legítimos.
Com isso, o poder público deixa de contribuir para uma educação de qualidade aos brasileiros. Uma ação de conscientização de educadores e estudantes sobre usos legítimos de obras protegidas, mais do que projetos de leis mirabolantes, poderia garantir, sem grande investimento, maior disponibilidade de recursos educacionais aos estudantes.
É sabido que existe um grande número de obras disponíveis em licenças públicas, como as Creative Commons <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Há também um universo de recursos especificamente educacionais disponíveis de forma aberta (cursos, imagens, simulações, jogos, vídeos, livros etc.), conhecidos como Recursos Educacionais Abertos (REA). Sendo aberto, o recurso pode ser baixado e reutilizado por terceiros em diferentes contextos e formatos. As licenças abertas utilizadas nos REA podem, por exemplo, permitir adaptações e remix da obra, e até mesmo o uso comercial.
Qualquer política educacional que se preze deveria tratar não apenas da criação de repositórios, mas da ampliação das obras disponibilizadas em licenças abertas pelo poder público. A título de curiosidade, o projeto de iei que pretende instituir a Política Nacional de Educação Digital não trata desse tema, apesar de incluir dispositivos para o fortalecimento da “ciência aberta”, ignorando que não há ciência aberta ou mesmo ampliação das atividades de ciência e tecnologia sem ampliação do acesso ao conhecimento e à informação.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A título de exemplo, ver: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Conselho Nacional de Combate à Pirataria lança campanha de conscientização para o consumidor. Outubro 2019. Disponível em: &lt;<a href="https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/conselho-nacional-de-combate-a-pirataria-lanca-campanha-de-conscientizacao-para-o-consumidor">https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/conselho-nacional-de-combate-a-pirataria-lanca-campanha-de-conscientizacao-para-o-consumidor</a>&gt;. Acesso em: 01 nov. 2021 e FANTASTICO. Pirataria digital de filmes e séries causa prejuízo de mais de R $15 bilhões por ano ao Brasil. G1, maio 2021. Disponível em: &lt;<a href="https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/05/23/pirataria-digital-de-filmes-e-series-causa-prejuizo-de-mais-de-r-15-bilhoes-por-ano-ao-brasil.ghtml">https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/05/23/pirataria-digital-de-filmes-e-series-causa-prejuizo-de-mais-de-r-15-bilhoes-por-ano-ao-brasil.ghtml</a>&gt;. Acesso em 1 nov. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Saiba mais em: <a href="https://br.creativecommons.net/licencas/">https://br.creativecommons.net/licencas/</a>

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JOTA

É preciso reformar a Lei de Direitos Autorais para permitir que recursos estejam, de fato, disponíveis na aprendizagem

Fortalecer políticas de educação requer atenção ao acesso ao conhecimento

É preciso reformar a Lei de Direitos Autorais para permitir que recursos estejam, de fato, disponíveis na aprendizagem