Luca Schirru

Miguel Alvarenga

Marina Pita

Allan Rocha de Souza

No ano de 2021, tivemos algumas movimentações importantes no governo federal quanto à regulação e implementação da Lei de Direitos Autorais no Brasil. Neste artigo vamos recordar algumas delas para vislumbrar as tendências, pressões e tensões neste campo e tentar compreender as escolhas em andamento em termos de políticas públicas no campo dos direitos autorais.
<h3>Reconfiguração do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI)</h3>
O governo federal <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Decreto/D10617.htm#art1">recriou, em fevereiro, o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual </a>e modificou sua atribuição. Agora, o GIPI tem a finalidade de coordenar a atuação do governo no tema propriedade intelectual e a implementação da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, bem como assessorar os órgãos que o compõem em relação a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, bilaterais e multilaterais, em matéria de propriedade intelectual. Vale destacar que o GIPI também tem a finalidade de realizar consultas junto ao setor privado sobre o tema propriedade intelectual.
Curiosamente, a despeito do consenso acerca da importância do tratamento multissetorial na governança de temas que envolvem a internet, apenas este setor foi privilegiado para manifestação acerca das políticas públicas sobre propriedade intelectual, que tem uma abrangência muito maior.
O grupo interministerial selecionou, em julho, 10 entidades da sociedade civil para acompanharem as reuniões, sem direito a voto. A participação da sociedade civil nos trabalhos ocorria, até então, de modo informal e pontual, porém seus representantes não tinham participação nas reuniões plenárias, tampouco um acompanhamento dos trabalhos por um mandato específico e formalizado. A partir da vigência da <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-gipi/me-n-1-de-1-de-julho-de-2021-329486877">Resolução GIPI/ME n. 1</a>, de 1º de julho de 2021, as instituições selecionadas pelo grupo, a partir de chamado público para inscrições, terão mandato de um ano para participar dos trabalhos do GIPI e acompanhar as reuniões plenárias.
Entre as selecionadas, representam o setor privado e empresas a <a href="https://croplifebrasil.org/sobre-croplife/">CropLife Brasil</a>, <a href="http://www.abifina.org.br/">Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina)</a>, <a href="https://abpi.org.br/en/abpi-home/">Associação Brasileira de Propriedade Intelectual</a>, <a href="https://anpei.org.br/">Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI)</a>, <a href="https://www.googleadservices.com/pagead/aclk?sa=L&amp;ai=DChcSEwiF2tX70p31AhUHgJEKHftzB10YABAAGgJjZQ&amp;ae=2&amp;ohost=www.google.com&amp;cid=CAESQeD2j1XesoqntwFyvqMMdrHLIj_rqwR4z2YfTIIiG0u75NGSyxd6J4kH-x8rh87-Z5sjw9Y_-Xtjlp49H7Yos6E7&amp;sig=AOD64_2b1-98r-I9k33YCdYPjXr9VNy_-A&amp;q&amp;adurl&amp;ved=2ahUKEwi_qsv70p31AhUfqpUCHcZPDbkQ0Qx6BAgCEAE">Câmara Americana de Comércio (Amcham)</a>, <a href="https://www.camara-e.net/">Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net)</a>, <a href="https://www.portaldaindustria.com.br/cni/">Confederação Nacional da Indústria (CNI)</a> e <a href="http://novo.febrafar.com.br/nove-industrias-farmaceuticas-nacionais-criam-o-grupo-farmabrasil/">Grupo FarmaBrasil (GFB).</a>
Representam gestores o <a href="https://fortec.org.br/">Fórum Nacional de Gestores de Inovação de Transferência e Tecnologia (Fortec)</a>, cujos associados são majoritariamente entidades públicas de pesquisa e inovação, que, no entanto, não parecem estar de fato comprometidos com a defesa do interesse público no que tange à propriedade intelectual. Enquanto entidade do setor acadêmico, apenas o <a href="https://www.gedai.com.br/11187-2/">Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industria (GEDAI)</a> foi selecionado.
A grande atenção e preocupação que devemos ter neste caso é o desequilíbrio entre os interesses públicos e os privados, cuja composição é intrínseca e necessária à propriedade intelectual, no que se refere à sua representação no GIPI. Não surpreende o desprezo pelo interesse público e coletivo, tônica desta gestão, mas os impactos negativos sobre a inovação em países em estágio mediano de desenvolvimento tecnológico, como o Brasil, ultrapassam até mesmo os interesses setoriais e corporativos.
<h3>Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual</h3>
Foi aprovado o Plano de Ação 2021-2023 da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual. Entre as metas apresentadas, quanto aos direitos de autor, estão participar de ao menos dois eventos, anualmente, sobre a temática de direitos autorais e finalizar o anteprojeto de lei para a reforma da LDA e iniciar trâmite da reforma da LDA.
Em dezembro foi publicado o <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.886-de-7-de-dezembro-de-2021-365433440">Decreto Nº 10.886</a>, para o período de 2021 a 2030.
Quanto aos direitos autorais, especificamente, constam do plano:
(i) O estímulo e encorajamento ao atendimento e aconselhamento jurídico gratuito ou a custo reduzido exclusivamente aos inventores independentes, startups, produtores (audiovisuais ou musicais), escritores e demais sujeitos detentores de direitos autorais;
(ii) A inserção de tópicos de propriedade intelectual em feiras literárias, nas quais circulam obras protegidas por direitos autorais, conscientizar os visitantes sobre a importância da proteção dos direitos do autor e assim incentivar o acesso lícito a obras protegidas;
(iii) Estimular os escritórios a aprofundarem a cooperação internacional e bilateral, além de coordenarem missões brasileiras no exterior para acompanhamento e aconselhamento sobre assuntos relacionados à propriedade intelectual, inclusive em matéria de gestão coletiva de direitos autorais;
(iv) Estímulo à cooperação entre as entidades de gestão coletiva de direitos autorais e o órgão da administração pública federal encarregado da habilitação e do monitoramento dessas entidades com vistas ao aperfeiçoamento da gestão coletiva no Brasil, mediante a adoção das melhores práticas internacionais em gestão coletiva;
(v) Aprimoramento, atualização e elaboração de um anteprojeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, para a reforma da Lei de Direitos Autorais, considerando principalmente as novas tecnologias e os modelos de negócios na internet e a responsabilidade dos provedores de serviços de internet em relação a violações de DPI;
(vi) Aprimoramento da regulamentação sobre as entidades de gestão coletiva de direitos autorais de maneira a tornar a fiscalização mais eficiente, bem como contribuir para com a efetividade da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil;
(vii) Realização de estudos sobre o impacto da indústria criativa, especificamente dos direitos autorais e conexos, para a economia brasileira, visando à reunião de dados e informações necessários para a atuação e a formulação de políticas públicas; realização de seminários anuais para a discussão do impacto dos direitos autorais na economia brasileira e os seus desafios, incluindo a existência de métricas adequadas e difusão de informações entre os atores do sistema;
(viii) Realização de eventos anuais nos principais mercados internacionais para a divulgação no exterior dos acordos de coprodução audiovisual internacional entre o Brasil e outros países, bilaterais e multilaterais, a fim de estimular a cooperação entre empresas de audiovisual brasileiras e estrangeiras com vistas à produção conjunta de obras audiovisuais e à exploração dos seus direitos autorais no Brasil e no exterior.
A aprovação da estratégia é importante para estabelecer um conjunto de diretrizes que guie as políticas públicas voltadas à propriedade intelectual no país — especialmente quando se constata a falta de políticas coordenadas para o assunto e a continuidade de um cenário de amplo desconhecimento das questões de propriedade intelectual por parte de empresas, criadores, usuários e outras entidades no Brasil. Contudo, vale lembrar que diversos pontos entre os destacados no plano já figuravam no recém-findo Plano Nacional de Cultura, sem muito progresso.
Um exemplo é a formulação do anteprojeto para reforma da Lei de Direitos Autorais: as últimas consultas públicas nesse sentido tiveram alcance prático deveras limitado. Os maiores progressos se deram em questões relativas à gestão coletiva de direitos, enquanto outras preocupações, como direitos dos usuários e modelos de consumo e produção de conteúdo via internet, permaneceram, em grande parte, preteridas.
Nota-se na estratégia, inclusive, a continuidade desse desequilíbrio. Diversas metas se concentram diretamente sobre os titulares e intermediários e questões de registro e violação, ignorando dois pontos. O primeiro é que os consumidores e usuários são também beneficiários do direito de autor, além de criadores — e não criminosos — em potencial: produção e acesso são dois lados de uma mesma moeda. O segundo ponto é que qualquer iniciativa de propriedade intelectual que vise promover a inovação de forma concreta deve passar, necessariamente, pela regulação de temas como os produtos da inteligência artificial, e a mineração de dados e textos, sobretudo para fins de pesquisa científica.
A resolução das principais problemáticas que afetam o ambiente cultural, científico e tecnológico do Brasil na atualidade passa necessariamente pelo enfrentamento desses pontos — o que está sendo feito, inclusive, por países que vão de Estados Unidos e Japão a Equador e África do Sul. Qualquer chance de trazer resultados concretos com a estratégia e reduzir o abismo científico e tecnológico entre nós e os países mais ricos não pode se furtar de incluir essas discussões na pauta do dia.
<h3>Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial</h3>
A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), alterada em 13 de julho de 2021 pela <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mcti-n-4.979-de-13-de-julho-de-2021-332164912">Portaria MCTI nº 4.979</a> e instituída pela <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm-n-4.617-de-6-de-abril-de-2021-*-313212172">Portaria MCTI nº 4.617</a>, de 6 de abril de 2021, é bastante tímida no que diz respeito à propriedade intelectual. Sob o pilar de “Legislação, Regulação e Uso Ético”, é destacada a importância de uma regulação para a propriedade intelectual que considere as especificidades dos usos de materiais protegidos em aplicações envolvendo sistemas de inteligência artificial.
Apesar de bastante pontual e sem maior aprofundamento, o texto da EBIA, fazendo referência direta às reuniões sobre inteligência artificial e propriedade intelectual conduzidas na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), destaca a importância de se alterar a legislação de direitos autorais para inserir uma nova limitação que considere a legitimidade da prática de mineração de textos e dados.
Além disso, o documento ressalta a relevância da proteção autoral aos bancos de dados e o papel dos diferentes direitos de propriedade intelectual nos processos envolvendo sistemas de inteligência artificial. Por fim, ao tratar da explicabilidade das decisões automatizadas, é apontada a necessidade de cuidados adicionais para que não ocorra o vazamento de segredos comerciais e industriais e/ou a violação de direitos de propriedade intelectual.

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JOTA

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