Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“A arte limpa da alma o pó da vida cotidiana."
<footer class="jota-article__quote-cite">Pablo Picasso</footer>
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Um antigo provérbio chinês diz que não se deve temer a lentidão no desenvolvimento das coisas, mas sim deve-se temer a estagnação, o ficar parado. O ano de 2023, ao que parece, nada tem a temer: já em sua primeira semana começa a todo o vapor.  
Talvez seja o último suspiro de 2022, ano do tigre que, no horóscopo chinês, simboliza o princípio de expansão do cosmos, o yang, com sua energia de velocidade, inquietude e produtividade. A partir de 22 de janeiro, segundo o calendário lunar, adentraremos no ano do coelho, que simboliza o princípio oposto, o de retração do cosmos, o ying, que traz consigo uma energia de calma, fluidez e contemplação. Oxalá.  
No último dia 2, dei uma entrevista ao jornalista Guilherme Menezes, do programa “Direito Sem Fronteiras”, da TV Justiça. O vídeo da entrevista pode ser acessado <a href="https://www.youtube.com/watch?v=jtT9iC4GFW4&amp;list=PLVwNANcUXyA9UNW7nPyG7Z_xKcDmNdpHV">aqui</a>. Tivemos uma excelente conversa sobre Direito Internacional e Patrimônio Cultural, no contexto <a href="https://istoe.com.br/devolvam-nosso-ouro/">da recente notícia</a> de que Portugal pretende devolver patrimônio cultural e obras de arte para suas ex-colônias, dentre elas o Brasil. O movimento se insere em um contexto de amadurecimento do instituto da repatriação de bens artísticos e culturais, proveniente de ações de devolução de diversos países, como França, Reino Unido, Alemanha e Holanda.  
O instituto da repatriação de bens artísticos e culturais é relativamente recente no Direito Internacional Público. A principal razão pela qual o patrimônio cultural é retirado de seu lugar de origem se dá por pilhagens em tempos de conflitos. Ao longo da maior parte da história humana, a pilhagem foi reconhecida como uma prerrogativa legítima do vencedor ou conquistador, uma parte significativa dos despojos de guerra.  
Durante o século 20, contudo, em especial após o episódio conhecido como “a pilhagem nazista”, tido como “<a href="https://magazine.artland.com/nazi-plunder-a-history-of-missing-and-recovered-art-treausures/">o mais monumental roubo de arte da história</a>”, pelo qual o Terceiro Reich de maneira sistemática e organizada saqueava e confiscava obras de arte ao redor do mundo, a opinião jurídica internacional evoluiu para a consciência de que a pilhagem de bens culturais não poderia ser lícita de forma alguma.  
Assim, em 1954, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi assinada a Convenção da Haia para a Proteção de Patrimônio Cultural em Situações de Conflito Armado, que em seu artigo 4(3) estabelece um dever dos Estados-Parte de proibirem, prevenirem e impedirem atos de roubo, pilhagem ou apropriação indébita de bens culturais. A Convenção instituiu o “escudo azul”, emblema de efeito similar ao da cruz vermelha para a proteção do patrimônio cultural.  
A partir dessa evolução da opinião jurídica internacional, então, e na esteira dos processos de descolonização das décadas de 1960 e 1970, iniciou-se um movimento de requisição por parte dos países de origem das obras para elas que sejam retornadas ou repatriadas. A questão se reverte de maior complexidade jurídica, como a leitora bem pode apreciar, em casos que antecedem a 7 de agosto de 1956, data da entrada em vigor da Convenção da Haia de 1954, uma vez que os seus termos não têm efeito retroativo em relação à retiradas que ocorreram em épocas em que a pilhagem de bens artísticos e culturais era tolerada.  
Não existe, dessa maneira, um tratado internacional que regule de maneira abrangente os pedidos de repatriação de bens culturais. Nem tampouco há um tribunal internacional especializado, como no caso do Direito do Mar. Cada pedido é analisado ad hoc, de maneira individual e geralmente tramitado pelos canais diplomáticos. Formas alternativas de solução de controvérsias, como a mediação, a arbitragem e os bons ofícios podem ser utilizadas. Em âmbito privado internacional, já existe uma câmara arbitral especializada, a <a href="https://www.cafa.world/">Court of Arbitration for Art (CAfA)</a>, com sede em Roterdã, nos Países Baixos, uma iniciativa conjunta do Instituto de Arbitragem Neerlandês e da Fundação da Autenticação de Arte, da qual este escriba faz parte do pool de árbitros e mediadores.  
Um dos pontos mais importantes nos pedidos de repatriação de bens culturais é o que diz respeito à capacidade local de receber as obras com segurança e dentro de um arcabouço técnico satisfatório. No caso específico do Brasil, nosso país precisa urgentemente de um choque de gestão no setor cultural, com o objetivo de elevar a profissionalização do setor aos mais altos padrões internacionais. Isso inclui investimento em recursos humanos, na formação de profissionais especializados como restauradores, peritos, curadores, etc., e também em recursos técnicos, no sentido de prover a infraestrutura necessária de segurança e acessibilidade para recepção de obras de arte, que terá o condão de alavancar o setor de seguros especializados em patrimônio cultural, do qual nosso país é altamente carente.  
O ano de 2023, assim, inicia-se com a abertura de oportunidades, em especial para a área de arte e cultura, que sê na possibilidade de dar um salto qualitativo em sua formação humana e na sua infraestrutura material para se posicionar no mais alto nível internacional de circulação de obras e de espetáculos artísticos. O ano do coelho de água, como vimos, antecipa uma energia de fluidez e contemplação. Nada mais auspicioso para um país que, como o Brasil, exala arte e cultura, de norte a sul, do Oiapoque ao Chuí. Inventas vitam iuvat excoluisse per artes [1].
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[1] “Melhoremos a vida por intermédio das ciências e das artes”, Virgílio (70-19 a.C.)

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JOTA

Nosso país precisa urgentemente de um choque de gestão no setor cultural

A repatriação de bens culturais e as oportunidades para a cultura no Brasil

Um dos pontos importantes nos pedidos de repatriação de bens culturais é a capacidade local de receber as obras de arte com segurança