Fabricio Trindade de Sousa

Num sábado pela manhã, num clube de Brasília, um ex-jogador de futebol, consagrado nacionalmente, divulga uma escolinha que leva o seu nome. Trata-se, aparentemente, de uma franquia que será instalada naquela cidade. Depois da inauguração, restará só o nome do jogador, a escolinha do “craque”. Para o sucesso dos negócios, o ex-jogador deseja que os franqueados observem seus métodos de treinamento e os chama para uma apresentação dos procedimentos a serem observados. Inicia sua apresentação com um questionamento básico: quais os principais fundamentos do futebol? Silêncio. O nervosismo diante da presença do ídolo pode ter calado os franqueados. Ele tenta tranquiliza-los elucidando que não se trata de um teste de conhecimento, mas apenas uma forma de identificar o método de treinamento que os franqueados adotam. Silêncio. O ídolo, visivelmente surpreso, presente apenas para a grande inauguração, esclarece que não apenas observará, mas comandará o treino.
A narrativa é verídica e recente, motivadora da presente reflexão sobre a profissão de treinador. A Lei 8.650 de 1993 disciplina que o Treinador Profissional de Futebol é o empregado com a finalidade de treinar atletas de futebol profissional ou amador, ministrando-lhes técnicas e regras de futebol, com o objetivo de assegurar-lhes conhecimentos táticos e técnicos suficientes para a prática do esporte. O legislador sugere que os treinadores sejam contratados, preferencialmente, entre os portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou entre os profissionais que, até a data do início da vigência da lei, hajam, comprovadamente, exercido cargos ou funções de treinador de futebol por prazo não inferior a seis meses, como empregado ou autônomo, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional.
A mesma legislação fixa ser direito do Treinador Profissional a ampla e total liberdade na orientação técnica e tática da equipe de futebol, o apoio e a assistência moral e material, assegurada pelo empregador, para que possa bem desempenhar suas atividades e, por fim, exigir do empregador o cumprimento das determinações dos órgãos desportivos atinentes ao futebol profissional. Em contrapartida, o Treinador Profissional tem a obrigação de zelar pela disciplina dos atletas sob sua orientação, acatando e fazendo acatar as determinações dos órgãos técnicos do empregador e manter o sigilo profissional.
Denota-se, de imediato, a contradição do legislador ao conferir autonomia ao técnico e, ao mesmo tempo, fixar sua obrigação de acatar e fazer acatar as determinações dos órgãos técnicos do empregador. Não há autonomia. Não é à toa que tal legislação é ignorada e até mesmo desconhecida pelos treinadores, em sua maioria jogadores aposentados.
Os direitos trabalhistas não guardam identidade com os conferidos aos jogadores. A lei Pelé só trata das peculiaridades afetas à jornada de trabalho. É óbvio que há circunstâncias exclusivas dos jogadores, entretanto, alguns aspectos básicos, como a possibilidade de contratação por prazo determinado, observado o período mínimo de três meses e máximo de cinco anos, que não encontra amparo legal. O treinador é regido pela CLT que excetua as hipóteses de contrato por prazo determinado, hipóteses estas que não contemplam a realidade profissional dos treinadores. Outro ponto relevante seria a inserção da obrigação de fixação das cláusulas indenizatórias e compensatórias. Não são raros os casos de treinadores demitidos após uma sequência de resultados ruins. Não se está aqui defendendo a impossibilidade da dispensa, mas apenas a razoabilidade de uma reparação indenizatória para o profissional que aceitou a proposta do clube com um projeto de trabalho e, tendo recusado ou não outras propostas, se viu diante de uma interrupção abrupta do projeto, sem necessariamente ser o responsável pelos resultados da equipe. A observância da cláusula indenizatória também geraria uma razoável reparação ao clube na hipótese de uma outra entidade de prática desportiva fazer uma oferta financeira agressiva por seu treinador.
A ausência de formação em educação física não me parece um problema. As equipes profissionais demandam a formação de uma comissão técnica multidisciplinar, formada por preparadores físicos, nutricionistas, fisioterapeutas, massagistas entre outros. Cabe ao treinador dedicar-se a parte técnica e, principalmente, de gestão de pessoas. Todos os treinadores consagrados, além de dominarem a técnica do esporte, são reconhecidos por seus atletas como líderes, referência como pessoa e profissional.
A legislação, portanto, não deve limitar-se em reger os direitos trabalhistas, mas deve exigir a obrigação de uma formação mínima e compatível para atuar não apenas como uma referência técnica, mas como um gestor de pessoas. Sem prejuízo de outras opções, a CBF, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, desenvolve um curso de formação de treinadores, com diferentes níveis de formação, não sendo desproporcional exigir de quem deseja assumir a condição de treinador que se submeta a tal curso, ainda que tenha sido um atleta consagrado em sua modalidade desportiva.
A responsabilidade por treinar crianças e adolescentes é ainda maior, não estando em jogo apenas vitórias e derrotas, mas a formação da personalidade, tendo o esporte como instrumento para a consolidação dos valores da disciplina, respeito ao próximo, dedicação e empenho para a superação dos desafios da vida. O Treinador sempre deve ser profissional, ainda que os atletas sejam amadores, única maneira de evitar que situações como a narrada acima não mais se repitam.

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Direito em jogo: Treinador profissional - Direitos e Deveres

Direitos trabalhistas não guardam identidade com os conferidos aos jogadores