Fabricio Trindade de Sousa

O Governo do Estado de São Paulo e a Federação Paulista de Futebol anunciaram, no mês de abril, que todos os clássicos envolvendo os quatro maiores times de São Paulo serão com torcida única, ou seja, o acesso ao estádio será restrito aos torcedores de apenas um dos times em campo. A medida, aparentemente salutar, amparada na premissa de impedir a violência entre torcidas, em verdade, é extremamente nociva para sociedade, além de ilegal. 
 
​Nociva para sociedade em razão da iniciativa revelar-se em irrefutável atestado de óbito da segurança pública. Sem contar o dano à formação de crianças e jovens, que sob a égide da “torcida única”, serão doutrinados na repudiável certeza da impossibilidade de convivência de torcedores de diferentes bandeiras. 
 
​Não é necessário maior esforço para compreender que houve opção por não enfrentar o problema e, por conseguinte, permitir que os maus torcedores, ainda que apenas de uma torcida, permaneçam comparecendo aos estádios. É a exaltação da violência em detrimento da harmonia e do convívio pacífico. Réquiem para a paz. 
 
​A segurança pública, ao invés de enfrentar o problema, implementando rotinas de efetivação dos ditames do estatuto do torcedor, prefere adotar a medida mais fácil impedindo que outros torcedores, que nunca se envolveram em qualquer ato criminoso, frequentem o estádio. Há uma piada que ilustra a precariedade da medida, consubstanciada no marido que flagra sua mulher o traindo no sofá e opta por retirar o sofá de casa. 
 
​A iniciativa é frágil e não impede que o marginal, revestido de torcedor, renuncie, temporária e oportunamente, ao uniforme de seu time ou de sua torcida organizada e compareça ao jogo para um ato de violência. 
 
​A fiscalização contundente, em contrapartida, efetivamente impede que o marginal volte a praticar o ato criminoso, único meio eficaz de combater a violência entre “torcedores”. A responsabilidade também é dos clubes, que devem investir em suas arenas ou só mandar seus jogos em estádios que disponham de segurança eletrônica e/ou vigilância ostensiva, permitindo a rápida identificação dos baderneiros. 
 
​Paralelamente, é urgente a necessidade de aproximação e implementação de um programa de educação dos líderes das torcidas organizadas. Um exemplo simples de tal iniciativa foi ilustrado em programa da televisão por assinatura, chamado “dia de clássico”. Destaco o episódio que envolveu o jogo entre os clubes Atlético Paranaense e Coritiba, realizado no estádio do Atlético. A presença de uma equipe de televisão permitiu que um membro cadeirante da torcida organizada do Coritiba fosse ao jogo (a família só permitia o comparecimento aos jogos no estádio do Coritiba). Pelo lado do Atlético, digno de nota que um dos líderes da torcida organizada mencionou a mudança de postura e a tendência de cânticos em suporte ao time, diminuindo aqueles em provocação ao adversário. 
 
​A ilegalidade da iniciativa também é manifesta. A adoção de torcida única contraria o fundamento republicano da cidadania, o objetivo de criar uma sociedade livre e, não menos relevante, impede o gozo dos direitos à liberdade e à segurança. O texto constitucional também garante aos cidadãos a liberdade de não serem coagidos a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), prerrogativa obstaculizada com a proibição de comparecimento ao estádio de futebol. 
 
​A frustração ainda é maior quando se verifica que o Estatuto do Torcedor é rico e até mesmo pedagógico na orientação das autoridades públicas e privadas para combater a violência nos estádios. As medidas são de simples adoção, tais como o cadastro dos membros das torcidas organizadas e a obrigação do “mau torcedor”, devidamente julgado, comparecer em local previamente definido (delegacia de polícia, por exemplo) duas horas antes do jogo e lá permanecer até duas horas após o término da partida. 
 
​Não faltam bons exemplos, internacionais e nacionais. Não é demérito ou humilhação buscar na Inglaterra referências para combater a violência nos estádios brasileiros. No Brasil, o clássico gaúcho, envolvendo Grêmio e Internacional, adota a prática da torcida mista. Inicialmente limitada a dois mil torcedores, no último clássico já atingiu dez mil, conforme divulgado pelo site “ZH Esportes” em 01/03/2016. 
 
​O objetivo deve ser a paz no futebol, não incubar a violência durante os 90 minutos de jogo.

paca_em_sp3

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A medida amparada na premissa de impedir a violência entre torcidas é extremamente nociva para sociedade, além de ilegal

Direito em Jogo - Torcida única: mal não necessário

A medida amparada na premissa de impedir a violência entre torcidas é extremamente nociva para sociedade, além de ilegal