Fabricio Trindade de Sousa

A competência para apreciação de litígios envolvendo atletas menores de dezoito anos em formação desportiva é um tema que tem gerado grande controvérsia no âmbito do Direito Desportivo-Trabalhista.
Não se discute ser a Justiça do Trabalho competente para apreciar os processos decorrentes dos contratos de aprendizagem (a partir de 14 anos) e de trabalho (a partir de 16 anos) firmados por atletas menores de dezoito anos. O cerne do debate envolve a formação desportiva de crianças e adolescentes que frequentam e, em alguns casos, residem, nos clubes ou entidades de prática de esportes, em diversas modalidades, sem a formalização de contratos.
A definição legal vigente classifica a criança como a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, conforme artigo 2º do Estatuto da Criança e Adolescente. O mesmo Estatuto autoriza, ao menor de quatorze anos, a concessão de “bolsa aprendizagem”, que não se confunde com as verbas trabalhistas inerentes ao contrato de aprendizagem.
Para prevenir eventuais abusos contra as crianças e os adolescentes há uma integração entre as Varas da Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos desse grupo.
Tal integração é amparada na formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência.
A Constituição Federal conferiu à Justiça do Trabalho a autoridade para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. A formação desportiva não se trata de trabalho, mas sim de atividade voluntaria para aprimoramento físico e técnico, com possibilidade de habilitação profissional (a grande maioria dos adolescentes não se torna profissionais).
Compreensão diversa resultaria, ao menos, no reconhecimento do conceito legal de trabalho educativo, assim compreendido como atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo, sendo que a remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos não desfigura o caráter educativo.
Entretanto, não parece salutar sequer adentrar na celeuma de avaliar se há ou não relação de trabalho entre atleta e clube. Isso porque a controvérsia inerente à competência deve ser dirimida sob a ótica da eficácia da decisão judicial para as crianças e adolescentes envolvidos.
Neste particular, a complexidade e multidisciplinariedade dos temas que norteiam a formação desportiva de crianças e adolescentes demandam a atuação das Varas Especializadas da Justiça Comum, principalmente quando há legislação que expressamente confere a tal autoridade judiciária a competência para autorizar a participação desses jovens em espetáculos públicos e seus ensaios, observando para tal ato, sem prejuízo de outros, os princípios da legislação protetora, as peculiaridades do local, a existência de instalações adequadas, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo.
A Lei Pelé, alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, exige do clube formador as seguintes obrigações: fornecer aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional, garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar, manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade, ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a 4 horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento, entre outros.
A Justiça do Trabalho é composta por Juízes e servidores de indiscutível competência e qualificação, entretanto, carentes de formação especializada e do auxílio de profissionais habilitados para o exame das múltiplas variáveis que afetam crianças e adolescentes.
Logo, é forçoso concluir que a melhor jurisdição, assim entendida como a mais eficaz na defesa de crianças e adolescente, para as controvérsias envolvendo os atletas inscritos em escolinhas, categorias de base e demais modalidades de formação desportiva é a Justiça Comum, no âmbito das Varas da Infância e da Juventude.

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Direito em jogo - Formação desportiva de crianças e adolescentes

A quem compete julgar?