Gabriel Silveira Braga

É fato público e notório a crise sanitária atravessada por toda a sociedade em decorrência da pandemia de Covid-19. Apesar de não ser tida mais como novidade, a pandemia continua sendo uma conjuntura excepcional, dado que toda a população ainda sofre com seus reflexos por não ter sido apresentado uma solução concreta, rápida e eficaz para a sua contenção.
Com o aumento exponencial no número de casos, embora decorrido pouco mais de um ano do início pandêmico, até mesmo os hospitais privados especializados no tratamento desta síndrome gripal estão sofrendo com a falta de leitos de internação, sobretudo os de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em decorrência disso, são muitos os casos em que o titular do plano de saúde, apesar de estar assegurado por uma vasta lista de hospitais privados, não encontra leito disponível em redes credenciadas à sua seguradora, tendo que se submeter a filas de espera mesmo diante de um quadro grave da Covid-19.
Em consequência, está sendo extremamente comum situações em que o segurado do plano de saúde se sujeita à internação em hospitais não credenciados à sua operadora; não por considerar que o nível de excelência de um é superior ao de outro, mas pelo simples fato de não haver outra alternativa.
Eis, então, que o presente artigo tem a finalidade de esclarecer toda a discussão apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em torno das hipóteses excepcionais que ensejam o direito de reembolso ao beneficiário do plano de saúde que se submeteu à internação em hospitais não credenciados para o tratamento da Covid-19.
De início, cumpre esclarecer que o art. 12, VI, da Lei nº 9656/98 (Lei dos Planos de Saúde), determina que seja realizado o “reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras (...)”.
Acontece que a 3ª e a 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça interpretavam tal dispositivo de formas distintas, o que ensejava um conflito jurisprudencial acerca do tema, que só foi ser pacificado no EAREsp no 1.459.849, pela 2ª Seção do STJ.
<blockquote class="jota-article__eye">Em síntese, a 3ª Turma do STJ possuía uma interpretação extensiva do dispositivo em questão, de modo que a urgência ou emergência, bem como a insuficiência de estabelecimento credenciado à operadora, seriam hipóteses meramente exemplificativas, e não requisitos restritivos para a fruição do direito de reembolso.</blockquote>
Para a 3ª Turma, esta forma de interpretação promoveria o equilíbrio contratual entre as partes, uma vez que o plano de saúde não arcaria com nenhum prejuízo, em razão de o reembolso ter que ocorrer nos exatos termos de sua tabela de referência; e o consumidor escolheria o hospital ou o profissional de sua preferência, ainda que não integrante da rede credenciada.
Além disso, de forma análoga ao Tema no 345 do Supremo Tribunal Federal (STF), outro argumento aludido por esta Turma foi no sentido de que, se a operadora do plano de saúde é obrigada a reembolsar o Sistema Único de Saúde quando o tratamento de seu beneficiário é realizado na rede pública, esse raciocínio também deveria ser aplicado ao caso de reembolso do beneficiário que utiliza serviços médicos em rede privada não credenciada.
Em contrapartida, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que o art. 12, VI, da Lei 9656/98 deve ser interpretado de forma restritiva, admitindo o reembolso das despesas médicas gastas em hospitais não credenciados tão somente quando preenchidos os seguintes requisitos: comprovação de urgência ou emergência, e insuficiência dos serviços próprios ou credenciados ao plano de saúde.
De acordo com esta Turma, a interpretação restritiva do dispositivo não acarreta nenhuma violação ao direito do beneficiário, pois o objeto do contrato de plano de saúde é justamente propiciar, mediante o pagamento de um preço, a cobertura de custos e atendimentos médico-hospitalares de rede de hospitais e laboratórios próprios ou credenciados; não devendo o Poder Judiciário compactuar com exageros na forma de interpretar a norma.
Então, com o intuito de uniformizar a jurisprudência, a 2ª Seção do STJ, por meio do EAREsp no 1.459.849, decidiu, nos mesmos termos da 4ª Turma, que o beneficiário do plano de saúde terá direito ao reembolso excepcionalmente nos casos de urgência e emergência, em que não se afigurar possível a utilização dos serviços médicos próprios ou credenciados, limitado aos valores da tabela de referência da seguradora.
Aplicando este posicionamento em um caso de Covid-19, o cumprimento do requisito da situação emergencial depende da comprovação de que a vítima da síndrome gripal possuía um dos fatores de risco suscetíveis de complicações; ou de que apresentava, à época da internação, sintomas graves da doença, tais como desconforto respiratório, saturação de O2 menor que 95%, pressão persistente no tórax, coloração azulada de lábios ou rosto, entre outros.
Isso porque, em se tratando da Covid-19, não há óbice de que a presença de uma dessas particularidades acima mencionadas se encaixa perfeitamente com a definição de “emergência” auferida pelo artigo 35-C, I, da Lei 9.656/98: “[...] risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente [...]”.
Já no tocante ao requisito da indisponibilidade de serviços médicos próprios ou credenciados ao plano de saúde, o seu preenchimento depende do segurado comprovar que, à época da sua internação, não havia leito disponível nessas unidades, bastando demonstrar a resposta negativa da seguradora quanto à disponibilidade de vaga em seus leitos.
Não obstante, diante de um estado de emergência, pode acontecer do segurado não possuir tempo suficiente para aguardar o plano de saúde dar a resposta sobre a disponibilidade ou não de vaga em seus leitos, tendo que se submeter à internação em hospital não credenciado sem ter a resposta negativa da seguradora em mãos.
Nessa ocasião, como meio de satisfazer o requisito em questão, é ideal que haja, a depender do caso, o requerimento da inversão do ônus probatório, nos moldes do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, com o intuito de transferir à seguradora o encargo de comprovar a existência de leito disponível na época do fato.
Ademais, também pode o magistrado aplicar as regras de experiência comum, autorizada pelo artigo 375 do Código de Processo Civil, utilizando-se do seu conhecimento e daquilo que comumente acontece para a formulação do seu convencimento.
Isso significa que o juiz, considerando as provas e as particularidades do caso concreto, bem como o estado pandêmico vivenciado pela sociedade, – este causador da superlotação nos hospitais – pode se convencer da indisponibilidade de vaga em leitos de hospitais credenciados mesmo sem ter sido apresentado a resposta negativa do plano de saúde.
Assim, com a observância dos dois requisitos excepcionais, é incontroverso o direito de reembolso ao beneficiário do plano de saúde que custeou as despesas médicas realizadas em rede não credenciada.
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JOTA

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