Gabriel Magalhães Borges Prata

O Supremo Tribunal Federal concluiu, em 19 de outubro de 2016, o julgamento do RE 593849, em que se discutiu o direito de restituição do ICMS nas hipóteses em que a base de cálculo do fato gerador na operação com consumidor final ocorre em valor menor que o presumido, na chamada substituição tributária “para frente”. 
 Após quase dez anos do início do julgamento sobre o tema, o voto final do ministro Ricardo Lewandowski[1] sacramentou o entendimento de que o artigo 150, §7º da Constituição Federal[2] garante o direito à imediata e preferencial restituição do ICMS pago indevidamente não apenas nas situações em que o fato gerador presumido simplesmente não ocorrer, mas também nos casos em que a base de cálculo da efetiva operação é inferior à presumida. 
Em tal julgamento, o tribunal constitucional terminou por afastar o entendimento até então vigente, firmado quando do julgamento da ADI 1.851/AL, quando a Corte acolheu a tese de que o fato gerador presumido seria definitivo, de modo a não permitir a restituição ou impor a complementação do imposto pago.
Em que pesem as peculiaridades da legislação objeto da ação direta de inconstitucionalidade acima citada, o que por si só permitira a diferenciação dos casos em confronto, o fato é que o tribunal houve por bem rever o seu entendimento, outorgando nova interpretação ao artigo 150, §7º da Constituição Federal. Nesse sentido, três são os argumentos principais que fundamentam o voto do Ministro Lewandowsky, os quais podem ser assim resumidos:
<ol>
<li style="font-weight: 400;">O direito de restituição deve ser interpretado segundo os princípios gerais do direito, “dentre os quais se encontra a regra que estabelece ser lícito ou exigível o menos, quando o texto autoriza o mais”;</li>
<li style="font-weight: 400;">A interpretação restritiva encontra óbice nos princípios que vedam o enriquecimento sem causa e garantem a repetição do indébito;</li>
<li style="font-weight: 400;">A proibição da restituição do imposto, na hipótese, implicaria em afronta aos princípios constitucionais da moralidade, legalidade e não-confisco, eis que o ICMS recolhido antecipadamente somente se torna efetivo com a ocorrência do fato gerador, de modo que a sua não ocorrência parcial impõe a devida adequação da regra ao fato.</li>
</ol>
Embora a tese pela qual os contribuintes tanto ansiavam tenha sido vencedora, o Tribunal houve por bem modular os efeitos de sua decisão outorgando-lhe eficácia prospectiva, ou seja, somente em relação a casos futuros, exceção feita aos casos pretéritos que estejam em trâmite judicial. 
Em outros termos, o entendimento que encampou a tese da definitividade do fato gerador presumido continua a vigorar em relação aos fatos pretéritos – salvas, por óbvio, as exceções acima apontadas. De aí decorrem algumas implicações que, embora não tenham sido objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal, são conclusões a que se chegam pelo mesmo caminho lógico percorrido pela E. Corte.  Vejamos:
Como visto, ficou decidido que os contribuintes substituídos (ou pessoas legitimadas pelo sistema) que não propuseram medidas judiciais a fim de garantirem a aplicação da regra constitucional acerca da restituição estavam impedidos de reaver o montante pago indevidamente, nos casos em que o valor da operação efetiva ocorresse em valor menor que o presumido. Isso significa dizer que, nessas situações, a base de cálculo utilizada para fins de substituição é definitiva, não comportando, pois, qualquer discussão.
O principal desdobramento dessa ordem de raciocínio diz respeito ao direito de crédito daqueles contribuintes consumidores finais que, situando-se no fim da cadeia prevista pela sistemática da substituição tributária, adquirem mercadorias com a retenção do imposto e as utilizam como insumos em sua atividade industrial. Por inferência, logo surge o questionamento sobre o valor da operação a ser considerado para fins de cálculo do imposto, se a base de cálculo presumida ou a base de cálculo efetiva praticada pelo contribuinte substituído.
  No Estado de São Paulo, o artigo 272 do RICMS traz regra fixando o primeiro critério, como se pode ver a seguir: 
O contribuinte que receber, com imposto retido, mercadoria não destinada a comercialização subseqüente, aproveitará o crédito fiscal, quando admitido, calculando-o mediante aplicação da alíquota interna sobre a base de cálculo que seria atribuída à operação própria do remetente, caso estivesse submetida ao regime comum de tributação
Ocorre que tal dispositivo, a exemplo do regramento acerca da restituição em matéria de substituição tributária, conforme decisão do STF, tem vigência futura (para fatos futuros), de modo que aos fatos pretéritos, nas hipóteses em que não esteja pendente de julgamento na esfera judicial pedido de restituição do contribuinte substituído, deve-se aplicar, para fins de cálculo do crédito do imposto por parte do adquirente do insumo, a base de cálculo presumida!
Trata-se da aplicação do mesmo critério firmado pelo STF, mas com vieses diferentes: se a base de cálculo presumida é definitiva até a data do julgamento do RE 593849, de modo a vedar o pedido de restituição por parte do substituído, ela também o é para fins de cálculo do crédito a ser apropriado pelo adquirente da mercadoria. Exemplificando o quanto exposto acima:
Imagine-se uma mercadoria adquirida como insumo na atividade agroindustrial, por exemplo, combustível (óleo diesel) a ser destinado às máquinas e equipamentos agrícolas empregados no processo industrial. Vale lembrar que tal crédito é admitido pela própria Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo com base nos artigos 59 e 61 do RICMS, que nada mais fazem do que reproduzir, em nível infralegal, o Princípio Constitucional da Não Cumulatividade. A apuração do crédito, contudo, fica submetido à regra do artigo 272 do RICMS, acima citado, ou seja, deve-se utilizar como base de cálculo o valor real da operação.[3]
Nesse sentido, se uma determinada operação teve a base de cálculo presumida em R$ 100,00, mas foi vendida pela distribuidora de combustível ao adquirente por R$ 95,00, não há imposto a ser restituído sobre a diferença (R$ 5,00); ou seja, essa incidência se tornou definitiva. Via de consequência, o crédito a ser tomado pelo adquirente deve ser apurado sobre essa mesma base de cálculo presumida (R$ 100,00), e, não, sobre o valor efetivo operação.
Trata-se, em verdade, da aplicação de um único peso e uma única medida para duas situações que são lados opostos da mesma moeda: o direito de restituição e o direito de crédito. Tais direitos são excludentes em função da modulação dos efeitos aplicada pelo STF, pois se para os fatos pretéritos a base de cálculo presumida – e, portanto, o imposto recolhido – é definitiva, o valor da operação efetiva é irrelevante, tanto para assegurar a restituição de eventual diferença, quanto para servir de referência ao cálculo do crédito a ser apropriado pelo contribuinte consumidor final.  É dizer, se critério a ser considerado é o valor da operação presumida, ele serve tanto como impedimento do direito à restituição da diferença, como critério quantitativo (base de cálculo) do direito de crédito.
Tal raciocínio encontra abrigo no próprio Princípio da Não Cumulatividade, porquanto o crédito apurado com base no valor da operação presumida corresponde exatamente ao imposto incidido.
Em linha de conclusão, é possível afirmar que, se de um lado a sistemática de restituição do ICMS vigente até a decisão do STF impede a restituição, pelo contribuinte substituído, da diferença do imposto nas hipóteses em que a operação ocorre em valor menor que o presumido; de outro garante ao adquirente, consumidor final, o direito de crédito sobre o valor da operação presumida, tida por definitiva, quando a mercadoria submetida ao regime de substituição tributária é por ele utilizada como insumo. 
Importante ressaltar, por fim, que é dado ao contribuinte recuperar eventuais diferenças não apropriadas referentes às operações ocorridas nos últimos cinco anos, conforme dispõe o artigo 23, parágrafo único da Lei Complementar 87/96.  
------------------------------- 
[1] A íntegra do voto pode ser conferida em: <a href="http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE593849LEWANDOWSKIICMS.pdf">http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE593849LEWANDOWSKIICMS.pdf</a> 
[2] O art. 150, §7º da CF foi inserido pela emenda 3/93, com a seguinte redação: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
[3] A respeito do tema, confira-se a Resposta à consulta nº 1013/2000, de 07 de junho de 2000 – SEFAZ/SP:
“1. O Consulente, produtor rural, pessoa física, de cana-de-açúcar, informa fornecer toda a sua produção para usina de álcool e açúcar localizada neste Estado e acumular créditos do ICMS, desde outubro de 1999, em decorrência da aquisição de óleo diesel, utilizado como combustível em seus caminhões, máquinas e implementos agrícolas, com fundamento na Decisão Normativa CAT-1/91.
(...)
<ol start="3">
<li> Com fundamento nos artigos 59 e 61 do Regulamento do ICMS, instituído pelo Decreto nº 45.490/2000 (RICMS/2000), e considerando que as saídas promovidas pela Consulente constituem operações tributadas, a despeito de se encontrarem amparadas pelo diferimento do imposto, entendemos legítimo o aproveitamento do crédito do ICMS decorrente das aquisições de óleo diesel, diretamente utilizado na sua atividade produtiva, sendo conveniente destacar, porém, que:</li>
</ol>
- o direito ao crédito do imposto extinguir-se-á após 5 (cinco) anos, contados da data da emissão do documento fiscal, que deverá ser regularmente escriturado (artigo 61, §§ 1º e 3º do RICMS/2000); e
- como o óleo diesel constitui mercadoria sujeita à substituição tributária, nos termos do artigo 412, II, do RICMS/2000, adquirindo-o de contribuinte substituído, a escrituração do crédito do imposto correspondente à sua entrada deverá seguir o disposto no artigo 272 do mesmo Regulamento. 
(...) 
Maria Alice Formigoni, Consultora Tributária. De acordo. Cirineu do Nascimento Rodrigues, Diretor da Consultoria Tributária"

bancoImagemFotoAudiencia_AP_282058

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Reflexos da decisão do STF sobre o direito de restituição do ICMS-ST recolhido a maior


Direito de crédito de ICMS sobre insumos no regime de ST

Reflexos da decisão do STF sobre o direito de restituição do ICMS-ST recolhido a maior