Luiz Carlos Santos Junior

Inicialmente, faz-se imprescindível esclarecer que inexiste quaisquer tendências ou manifestações políticas consubstanciadas neste artigo, o qual busca ressaltar e perquirir a efetividade do direito à saúde na sua dimensão negativa e traçar um paralelo entre a atuação do Poder Público, na figura do Presidente e o descumprimento da Constituição.
Pois bem, como é sabido desde o ano 2020 o mundo foi atingido por uma pandemia ocasionada pelo coronavírus, e, em virtude de sua alta contagiosidade, diversas medidas de restrições foram implementadas nos diversos âmbitos, federal, estadual e municipal, com vistas a salvar vidas e tentar amenizar os efeitos nefastos decorrentes da doença. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Vale ressaltar, que embora pouco se conheça sobre o vírus, já existem estudos seguros e referendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), dispondo sobre a ineficácia de alguns tratamentos e medicamentos, como por exemplo a hidroxicloroquina e a eficácia do uso de máscaras, de medidas de distanciamento social, dentre outras.
Nesse contexto breve e sucintamente relatado, restou ainda mais evidente a insuficiente prestação do serviço público de saúde, materializada pela falta de leitos de UTI, de cilindro de oxigênio e outros materiais médicos necessários ao tratamento da doença, na medida em que muito se questionou também a efetividade do direito à saúde e a sua exigibilidade perante o judiciário para tê-lo concretizado.
Destarte, tem-se que a saúde é um direito fundamental, de caráter programático e eficácia limitada, eis que além de preconizar uma tarefa, uma finalidade a ser atingida, diferentemente dos direitos fundamentais de defesa que preveem uma abstenção do Estado, esse requer a intervenção do poder legislativo infraconstitucional para que o direito alcance a sua eficácia plena, por meio de prestação positivas por parte do Estado.
De tal sorte, por ser um direito de prestação positiva, demanda o emprego de recursos públicos, influenciando tanto na esfera socioeconômica do Ente Público, quanto na esfera de sua competência, porquanto este é que detém a legitimidade para a implementação das políticas públicas, dentro de sua possibilidade técnica, orçamentária e financeira, caracterizando-se esses fatores como atributos do princípio da reserva do possível, o qual pode vir a representar óbice à realização da plena efetividade da norma constitucional.
Contudo, em que pese o direito a saúde seja considerado norma programática, de eficácia limitada, convém destacar que a doutrina majoritária, quiçá unanime, preleciona que todas as normas constitucionais são dotadas de um mínimo de eficácia e aplicabilidade, conforme o seu grau de densidade normativa, sendo possível a sua aplicação direta nos limites da sua normatividade, não constituindo as normas de eficácia limitada meros conselhos, advertências e/ou proclamações de cunha ideológico.
A esse respeito, trazemos a lição do Professor Ingo Wolfgang Sarlet, o qual em seu livro a eficácia dos direitos fundamentais, assim apregoa: “todas as normas de direito fundamentais são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa. [...] aqui repisamos para espancar toda e qualquer incompreensão para com a nossa posição, todas as normas de direitos fundamentais são direta (imediatamente) aplicáveis na medida de sua eficácia, o que não impede que se possa falar de uma dimensão “programática” dos direitos fundamentais”.
Nessa esteira, certo da eficácia mínima dos direitos fundamentais, verifica-se que esta contempla como consequências, dentre outras, a revogação de atos normativos anteriores contrários ao direito fundamental positivado e a possibilidade de serem utilizados como parâmetros não só para o controle de constitucionalidade, mas para interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas, vinculação ao legislador quanto à concretização dos programas e finalidades estabelecidos, além de possuir a chamada dimensão negativa.
Para Jorge Miranda, a denominada dimensão negativa dos direitos a prestações, dispõe que “as normas programáticas, ainda que essencialmente se caracterizem como  preceptivas (e não proibitivas), também possuem um sentido complementar negativo (ou proibitivo), visto que, além de vedaram a emissão de atos normativos contrários, proíbem a prática de comportamentos que tenham por objetivo impedir a produção dos atos destinados à execução das tarefas, fins ou imposições contidas na norma programática”.
<blockquote class="jota-article__eye">Desta sorte, essa dimensão negativa acaba por atribuir às normas programáticas, características do direito fundamental de defesa, no que tange a exigir do Estado uma abstenção de atuar contrariamente ao conteúdo da norma constitucional que prevê direitos fundamentais.</blockquote>
Nessa vereda, a doutrina nacional consagra, inclusive, que tal exigência de abstenção representa um direito subjetivo do cidadão. Assim, entendem Meirelles Teixeira, Luís Roberto Barroso e Celso Antônio Bandeira de Mello, os quais reconhecem ao indivíduo o direito de se opor judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição de atos contrários ao sentido do preceito constitucional que o atingem pessoalmente.
Do exposto, não restam dúvidas acerca da eficácia mínima do direito fundamental a saúde e da sua dimensão negativa, cabendo salientar a importância do papel da dimensão supracitada no momento de pandemia vivenciado atualmente, porquanto a sua aplicação não pode ser elidida pelo princípio da reserva do possível, e, principalmente como meio de frear possíveis arbitrariedades no que tange à atuação do Estado de forma geral, em específico do Presidente da República.
Como é sabido, e não sendo conveniente listar aqui exaustivamente todas as condutas realizados pelo Chefe do Poder Executivo Federal de forma contumaz, pois são muitas, cita-se apenas a não utilização de máscaras em eventos oficiais, no exercício do seu cargo; a propagação e incentivo da utilização de medicamentos sem a eficácia comprovada; pronunciamentos desqualificando a relevância da doença; a imposição de obstáculos à aquisição de vacinas nacionais; dentre tantas outras.
Nesse diapasão, da análise das poucas condutas descritas ante a concretização do direito fundamental à saúde, em que pese esta seja uma norma programática, de eficácia limitada, consubstanciada na realização de uma prestação positiva por parte do Estado, constata-se que tais fatores não eximem o Estado de realizar o direito à saúde em sua dimensão negativa, devendo abster-se de praticar condutas que contrariem tal preceito constitucional, como por exemplo as citadas alhures, porquanto foram praticadas pela autoridade máxima do Executivo, não na sua vida privada, mas no exercício de suas atribuições constitucionais, sendo manifestamente inconstitucionais.
Ademais, como exposto anteriormente, grande parcela da doutrina advoga a favor do nascimento de um direito subjetivo diante de uma violação à dimensão negativa dos direitos fundamentais, admitindo-se àqueles que se achem prejudicados, a possibilidade de acionar o judiciário a fim de ver cessadas tais condutas ou de que o Estado se abstenha de praticá-las.
Por fim, embora pouco explorada na prática a dimensão negativa do direito fundamental à saúde, inegável é a sua relevância para a vida em sociedade e para a efetiva concretização da saúde, sobretudo na atualidade pandêmica, na qual a abstenção de condutas do Presidente da República poderia contribuir para salvar mais vidas, razão pela qual a eficácia negativa dos direitos fundamentais indubitavelmente serviria de instrumento de apoio ao enfrentamento do covid-19.
<hr />
O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
<hr />

plano de saúde

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Da inconstitucionalidade de atos do Presidente da República ante à atuação no combate ao Covid-19

Combate à pandemia: da eficácia negativa do direito constitucional à saúde

Direito à saúde: da inconstitucionalidade de atos do Presidente da República ante à atuação no combate ao Covid-19