Fredy Albuquerque

As recentes decisões do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a> em matéria de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/icms-entenda-os-aspectos-fundamentais-13052021">ICMS</a> mostram quão equivocadas são as escolhas dos estados em pretender arrecadar o tributo sob o pálio de evidente ilegalidade, há anos conhecida por seus órgãos de controle e gestão.
Em novembro de 2021, a Corte Constitucional decidiu o óbvio: não ser possível cobrar a majoração de ICMS sob bens/serviços de notória essencialidade, como energia elétrica e comunicações, fato conhecido pelos estados desde a promulgação da Constituição Federal. Não há novidade alguma no assunto, mas a discussão percorreu décadas de incansável recalcitrância judicial e aposta dos entes federativos na postergação do problema, até a decisão do RE 714.139, julgado sob o tema 745 do STF, que foi modulado para ter eficácia somente a partir de 2024.
Ainda no último ano, o Supremo reconheceu a notória e não menos conhecida inconstitucionalidade da exigência do <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/difal-entenda-o-que-e-por-que-causa-polemica-15032022">Difal</a>, devido em operações entre estados diferentes que remetem mercadoria a consumidor final não contribuinte do ICMS, devendo ser pago ao estado de destino o complemento do imposto recolhido pelo estado de origem. Os entes federativos sempre souberam da necessidade da existência de Lei Complementar para cobrar o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/difal">Difal</a>, com normas gerais de alcance nacional previamente aprovadas, contudo, mantiveram a cobrança ilegal baseada em normas agora declaradas inconstitucionais.
Mesmo conhecendo a ilegalidade praticada e após serem vencidos em fevereiro/2021 no julgamento do RE 1.287.019 (tema 1093, com repercussão geral) e <a href="https://www.google.com/url?sa=t&amp;rct=j&amp;q=&amp;esrc=s&amp;source=web&amp;cd=&amp;ved=2ahUKEwiK0eeSuuH2AhVMZzABHeRvDzwQFnoECAQQAQ&amp;url=https%3A%2F%2Fredir.stf.jus.br%2Fpaginadorpub%2Fpaginador.jsp%3FdocTP%3DTP%26docID%3D755955431&amp;usg=AOvVaw3MSeqt1tnrDEB2zhC9HxXX">ADI 5.469</a>, fizeram forte movimento para que o STF autorizasse a absurda manutenção dessas cobranças por todo o ano de 2021 – ainda que a decisão reconhecesse a inconstitucionalidade da cobrança –, além de requererem que os contribuintes ficassem impedidos de reaver os valores pagos indevidamente. Receberam da Corte o beneplácito da modulação dos efeitos da decisão, sob o color da pretensa perda de arrecadação, mesmo que o fundamento da cobrança fosse inconstitucional.
As ilegalidades se perpetuam. Os estados mantêm a cobrança do ICMS majorado sob outros bens essencialíssimos (que o digam as alíquotas dos combustíveis) e reiteram os mesmos erros em relação ao Difal, uma vez que, em razão da recém-publicada <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-190-de-4-de-janeiro-de-2022-372154932">LC 190/2022</a>, deveriam respeitar os prazos previstos na Constituição para a respectiva cobrança, os quais exigem que a criação ou majoração de tributos deve atender a uma anterioridade nonagesimal e, ainda assim, condicionados ao exercício seguinte, ou seja, 2023.
Não obstante, todos os estados já informaram que irão desrespeitar o princípio da anterioridade anual e já começam a cobrar o Difal no primeiro semestre deste ano, apostando em mais um ciclo de décadas de novos embates judiciais, bilhões de arrecadação ilegal e na futura alegação de modulação das perdas.
Aliás, anote-se que os governadores de Alagoas e do Ceará propuseram novas ações no STF no início deste ano para tentar afastar qualquer tipo de anterioridade à cobrança do Difal do ICMS, como se vê, respectivamente, nas ADIs 7070 e 7078, ainda que a Constituição Federal impeça a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, respeitado, inclusive, o período de noventa dias da data em que haja sido publicada a lei. Pedem, inclusive, o direito de cobrar o tributo desde janeiro de 2022, quando foi publicada a Lei Complementar 190, ou sejam, poderiam até realizar a cobrança antes mesmo dos 90 dias previsto na Constituição e na própria LC.
Essa tentativa de impulsionar uma cobrança ilícita de tributo sem cumprimento da anterioridade não representa uma rota adequada. Espera-se que o STF garanta que o debate já esgotado após décadas de embates judiciais não seja renovado com novas incertezas jurídicas. A própria Advocacia-Geral da União (AGU) produziu parecer favorável à cobrança do Difal do ICMS somente a partir de 2023, sem prejuízo de que se reconheça também a anterioridade nonagesimal.
A teimosia só é útil quando pautada na licitude! Não há virtude, muito menos espírito público, em admitir o erro como estratégia arrecadatória, tanto quanto não é plausível pressupor desconhecimento das travas legislativas com base em recomendações técnicas que se baseiam em inexatidões conceituais, valendo-se de argumentos reconhecidamente inconstitucionais para justificar a exigência de tributos.
Importa registrar, ainda, que não há sentido lógico em alegar que as medidas propostas são necessárias para manter a robustez dos cofres públicos, pois os valores recolhidos ilegalmente nunca, em tempo algum, pertenceram licitamente aos estados. Tudo que se cobra do contribuinte sem autorização legal não é tributo, não é sequer penalidade, é verdadeira usurpação. Portanto, a pretensão de exigir do cidadão e das empresas o pagamento de haveres reconhecidamente não autorizados pelo ordenamento jurídico beneficia o infrator e representa enriquecimento sem causa de quem os reclama.
As soluções propostas pelos estados para convalidar a exigência do ICMS em situações de reconhecida inconstitucionalidade pelo STF apontam caminhos errados e merecem análise que pressuponha respeito à legalidade, à eficiência e às limitações constitucionais ao poder de tributar. Não podem apostar no erro e em suas pretensas modulações. A tentativa estatal de simplificar o debate sob o argumento retórico da perda de arrecadação relembra as palavras do jornalista americano Henry Louis Mencken, para quem “explicações existem, sempre existiram todo o tempo; para todo problema humano, há sempre uma solução simples, plausível e errada”.
Errar é humano; permanecer nele é escolha.

crédito de ICMS

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JOTA

Estados já informaram que irão desrespeitar princípio da anterioridade anual e já começam a cobrar o Difal

A teimosia na exigência inconstitucional do ICMS

Estados já informaram que irão desrespeitar princípio da anterioridade anual e já começam a cobrar o Difal do ICMS