José Eduardo de Castro Álvares

Marina Machado Marques

A CFEM, apesar de não possuir natureza tributária, em muito se assemelha às exigências dessa natureza. Do ponto de vista conceitual, trata-se de uma prestação pecuniária compulsória instituída em lei e exigida mediante atividade administrativa plenamente vinculada. No entanto, conforme decidido pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/supremo-tribunal-federal">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 228.800-5, a exação possui natureza jurídica de receita patrimonial – diferente dos tributos, caracterizados como receitas derivadas.  
Essa distinção, há muito debatida pela doutrina e importante para fins de definição do regime jurídico aplicável às exações, não é relevante ao cotidiano das mineradoras que, na prática, para além de efetuarem o pagamento da exigência, precisam investir tempo e dinheiro na apuração, controle de informações e preenchimento de deveres instrumentais relacionados ao exercício da atividade minerária, como o Relatório Anual de Lavra (RAL)[1] e as Fichas de Registro da Apuração da CFEM[2], assim como fazem em relação aos tributos. 
E, em que pese a existência dessas duas obrigações, a Agência Nacional de Mineração (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anm">ANM</a>) pretende instituir a Declaração das Informações Econômico-Fiscais da CFEM (DIEF-CFEM) por meio da Minuta de Resolução ANM 6435169/2023, submetida à Audiência Pública 2/2023 para diálogo com os stakeholders.  
De acordo com o órgão, há dois principais motivos para a criação da nova obrigação acessória. Primeiramente, diante da evolução tecnológica, as Fichas de Registro da Apuração da CFEM – em relação às quais inexiste obrigatoriedade de entrega, sendo apenas necessário seu arquivamento no estabelecimento minerador – precisariam ser disponibilizadas em meio digital. Em segundo lugar, aponta-se que a periodicidade de envio do RAL geraria uma defasagem no acesso às informações de até um ano e três meses.  
Mesmo diante das razões apontadas, a instituição do novo dever instrumental preocupa as empresas não apenas por impactar a complexidade do sistema jurídico, mas por interferir diretamente em sua liberdade e em seu patrimônio. Isso porque a periodicidade mensal implica em aumento de custos para as organizações, representando um retrocesso no que diz respeito ao pleito de simplificação fiscal, amplamente discutido no país[3]. Além disso, há previsão de penalidades em caso de não apresentação ou apresentação fora do prazo.  
Vale dizer que, no contexto do Estado democrático de Direito, a democracia, a ética e os deveres de informação e colaboração devem impactar as relações de direito público, exigindo-se uma abertura ao exercício negociado do poder público. Assim, os deveres de informação e colaboração devem ser equilibrados, sendo inadequada a mera transferência dos custos das atividades de gestão administrativa para os sujeitos passivos. 
Neste particular, ressaltamos que muitas das informações exigidas nessa nova obrigação acessória coincidem com informações já prestadas anualmente no RAL. Ou seja, o controle das informações sobre exploração mineral e recolhimento da CFEM já existe na legislação atual, de modo que a exigência de informações repetidas representa um aumento da burocracia e dos custos de conformidade sem qualquer justificativa. <span data-ccp-props="{&quot;134233117&quot;:false,&quot;134233118&quot;:false,&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559738&quot;:0,&quot;335559739&quot;:160,&quot;335559740&quot;:259}"> 
Outro aspecto importante é que a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14514.htm">Lei 14.514/2022</a> inseriu o §5º no artigo 2º-A da Lei 8.001/90, prevendo que “a entrega pelo contribuinte da declaração que reconhece débito da CFEM constitui o crédito”. No mesmo sentido, o artigo 8º da minuta estabelece que a DIEF-CFEM “constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos créditos da CFEM nelas consignados”.  
A mudança possibilita o envio imediato da CFEM declarada e não paga para inscrição em dívida ativa, sendo desnecessária a lavratura de auto de infração. Assim, a cobrança pode ser feita diretamente na esfera judicial, pela via da execução fiscal, instrumento previsto na Lei 6.830/80 para a exigência da dívida ativa da União, estados, Distrito Federal, municípios e as respectivas autarquias.  
A previsão toma por empréstimo uma prática comum no direito tributário. Na esfera federal, por exemplo, a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) é considerada declaração hábil a dispensar o lançamento de ofício pelo ente tributante, medida referendada pelo Judiciário, cujo entendimento é pacífico no sentido de que a declaração do débito pelo contribuinte representa confissão de dívida apta a constituir o crédito tributário, conforme Súmula 436 do STJ[4]. 
Apesar de inexistir qualquer ilegalidade, a situação proposta não é desejável por representar uma supressão da esfera administrativa, etapa relevante na constituição de um crédito (tributário ou não tributário) porquanto permite que a Administração Pública exerça um controle interno de legalidade sobre seus atos após uma participação ativa do contribuinte.
Por outro lado, a inexistência de processo administrativo também é negativa porque as eventuais divergências interpretativas apenas poderão ser discutidas por meio de embargos à execução fiscal, ação judicial que exige o oferecimento de garantia para sua oposição, aumentando-se os custos para desenvolvimento da atividade minerária no país. Ademais, a medida gera um contencioso judicial que poderia ser evitado. 
A respeito de tributos declarados e não pagos, o STJ possui outro entendimento sumulado relevante à nossa análise. Trata-se da Súmula 360, segundo a qual “o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo”.  
O instituto da denúncia espontânea permite ao devedor confessar à Fazenda que cometeu uma infração e pagar os tributos que deixaram de ser recolhidos sem as penalidades correlatas, conforme artigo 138 do CTN[5]. Ao mesmo tempo em que valoriza o comportamento do contribuinte, o instituto representa uma forma de reduzir os custos para a Administração Tributária, que não mais precisará realizar um procedimento de fiscalização.  
Nas situações em que o débito é declarado pelo contribuinte, mas pago com atraso, o STJ entende que não há qualquer custo administrativo com a fiscalização, uma vez que o tributo se encontra em condições de cobrança por ter sido foi constituído pelo próprio contribuinte. Assim, diante da inexistência de qualquer vantagem ao fisco, a denúncia espontânea não se aplicaria à hipótese. 
A legislação da CFEM não trata da denúncia espontânea, existindo, portanto, um desincentivo à regularização dos débitos pelas mineradoras. Ainda que nos pareça adequada a utilização da legislação tributária por analogia, uma vez que a receita patrimonial e a receita tributária decorrem de relações de Direito Público, o instituto não é automaticamente aplicável à exação. 
Apesar disso, a minuta de Resolução segue silente quanto à possibilidade, dispondo somente a respeito da possibilidade de retificação da obrigação acessória, desde que o contribuinte não esteja sob procedimento de fiscalização ou processo de cobrança.  
Nesse contexto, a aplicação do instituto para a CFEM deve ser tratada expressamente, inclusive quanto ao débito declarado e não pago já que, apesar de ser dispensado o procedimento de fiscalização, a conduta do contribuinte representa uma redução de custos com a condução e acompanhamento do processo judicial de cobrança, que igualmente move a máquina pública e gera gastos relevantes. Em outras palavras, a aplicação da denúncia espontânea também para os débitos constituídos pelo minerador, em que pese o posicionamento do STJ, se justifica.  
Em conclusão, a criação de novos deveres instrumentais é uma exigência que acresce mais um custo à atividade do contribuinte, dificultando o seu exercício. Considerando que atualmente as empresas já são responsáveis por levantar dados, apurar os fatos e aplicar a lei para a maioria das exigências tributárias ou não tributárias, a instituição da DIEF-CFEM deve buscar alternativas que efetivamente aprimorem a cobrança da contribuição, sem gerar um ônus excessivo às mineradoras.
<hr />
[1] Artigo 47, XVI, do Decreto-Lei 227, de 1967. 
[2] Portaria 158/1999. 
[3] Como adiantamos, a CFEM não é tributo. Porém, a obrigação acessória ora analisada é muito similar às diversas obrigações tributárias já existentes. 
[4] “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.”  
[5] Artigo 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. 
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

mineração

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Medida aumenta custos da atividade minerária no país e gera contencioso judicial que poderia ser evitado

DIEF-CFEM: um novo dever instrumental para as mineradoras

Criação da DIEF-CFEM aumenta custos da atividade minerária no país e gera contencioso judicial que poderia ser evitado