Vanessa Rahal Canado

No dia 02 de abril <a style="color: #ff0000;" href="https://jota.info/artigos/reforma-do-piscofins-quais-mudancas-sao-esperadas-02042017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">publiquei no JOTA um breve resumo das modificações propostas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil</a> (RFB) na reforma da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Destaquei que não estava prevista alteração do fato gerador, mantendo-se a receita total como base de incidência, o que representaria a perda de uma excelente oportunidade para o governo mitigar discussões acerca do PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Isto porque muitas das discussões travadas sobre o conceito de receita são solucionadas pelo argumento insuficiente de que a tributação das contribuições ocorre sobre a receita “total” ou, ainda, que elas incidem sobre “todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica”. Essas expressões indevidamente propiciam que as discussões sobre o conceito de receita em determinada situação sejam encerradas com uma “marretada”: não se discute se determinando fluxo de dinheiro é ou não receita, como se a referência à receita “total” ou a “todas as demais receitas auferidas” dispensasse essa necessidade. É isso que se observa na Solução de Consulta n. 268, de 2017 (SC 268).
Na SC 268, a empresa-consulente questionou a RFB acerca da incidência de PIS e COFINS sobre montantes recuperados após as investigações de corrupção na assinatura de contratos com fornecedores. Segundo as informações fornecidas pela empresa, o esquema ilícito desvendado demonstrou que os contratos firmados resultaram em pagamentos a maior que o devido pelos serviços prestados e bens adquiridos, em razão das propinas envolvidas.
Já durante a fase de investigação, mas antes da recuperação dos valores desviados, informou a empresa na consulta que “reconheceu em suas demonstrações financeiras uma baixa (redução de valor) de gastos capitalizados (ativados), referentes aos valores que foram pagos indevidamente na aquisição de ativos imobilizados”, o que tecnicamente é chamado pela contabilidade de impairment. Em outras palavras, o que fez a empresa foi, ao testar a recuperabilidade dos valores investidos, concluir que os gastos incorridos para a produção de determinado ativo não seriam capazes de gerar resultados futuros suficientes (obviamente, em razão do superfaturamento).
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Essa “baixa”, ou seja, o reconhecimento dessas perdas, também resultou no estorno dos créditos de PIS e COFINS que foram calculados e aproveitados sobre os custos e despesas registrados para composição do ativo imobilizado testado. Embora não conste da consulta, esse estorno não deveria decorrer propriamente do impairment, mas da razão dele – pagamentos não relacionados com a construção do ativo e que, por isso, não poderiam ser considerados nas hipóteses legais de creditamento. De qualquer modo, fica claro que a empresa-consulente neutralizou os efeitos do esquema de corrupção na base tributável passada do PIS e da COFINS.
O primeiro argumento da RFB a favor da tributação dos valores recuperados, a despeito do estorno dos créditos, vem sutilmente na transcrição dos artigos 1o das Leis n. 10.637 e n. 10.833, em que se grifa a expressão “todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica”.
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Imediatamente após essa transcrição, como uma decorrência lógica e instantânea, segue-se o seguinte parágrafo:
<a href="/wp-content/uploads/2017/08/pro2.jpg"><img class="aligncenter wp-image-88754 size-full" src="/wp-content/uploads/2017/08/pro2.jpg" alt="" width="592" height="107" /></a>
Há algum esforço posterior que não cumpre a função precípua para se chegar à conclusão de incidência do PIS e da COFINS: o que é receita? Se há, qual a diferença entre receita, cujo conceito original vem da contabilidade, e a receita tributável (ou, o conceito jurídico de receita)? De acordo com os dois parágrafos seguintes (itens 18 e 19), o que importou para a conclusão foi que (i) os valores devolvidos tiveram origem no pagamento a terceiros, com ânimo definitivo, em decorrência de negociações empresariais pactuadas e materialmente executadas, e (ii) os montantes devolvidos se incorporaram definitivamente ao patrimônio da beneficiária (essa questão da definitividade retorna no item 23).
Quanto ao primeiro ponto, presumo que os valores pagos nunca influenciaram a base de cálculo do PIS e da COFINS, que não admite a dedução de custos e despesas (com exceção da mecânica da não-cumulatividade, que foi neutralizada pela consulente). Aliás, isso também torna incabível a utilização da legislação do imposto de renda para fundamentar a tributação pelo PIS e pela COFINS (item 24), uma vez que, no caso da tributação do lucro, tais gastos importam para a apuração do montante tributável.
O segundo ponto admite a suficiência de um critério indefinido: a definitividade do valor recebido, cujo significado não consta no contexto da consulta. Tomando por base argumentos dessa natureza que foram construídos por parte dos contribuintes, é possível assumir que tenha a conotação de titularidade, ou seja, não seria repassado a terceiros. A titularidade é de fato um critério importante, que integra uma das condições para o reconhecimento da receita contábil, inclusive<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Se o dinheiro recebido não pertencer à pessoa jurídica ele não representa receita para ela (e, provavelmente, representará para o terceiro titular). Entretanto, esse critério não é suficiente, pois, se fosse, os empréstimos também seriam receitas tributáveis!
Essa indefinição na tributação do PIS e da COFINS, que só aumenta quanto mais situações são oferecidas ao debate, decorre não só das incisivas expressões utilizadas pela legislação (“todas”, “demais”, “independente de sua denominação ou classificação contábil”), mas também da eleição de um fato gerador (receita total) indefinível. Não há dogmática jurídica que seja capaz de construir uma definição geral, pois ela prescinde do olhar para a operação que lhe deu origem. A receita é produto de uma atividade e, por isso, é imprescindível que haja clareza quanto às atividades terão seu produto tributado. Só isso resolverá os problemas de vagueza e ambiguidade da legislação atual, causa da interpretação que foi exposta na solução de consulta aqui analisada.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Este assunto foi explorado nos primeiros artigos da série “Direito e Contabilidade” do JOTA, que pode ser encontrado em <a href="https://jota.info/artigos/receitas-de-terceiros-25012017">https://jota.info/artigos/receitas-de-terceiros-25012017</a>.

Silvana Comugnero

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Devolução de propina e o conceito de receita

Incidência de PIS e COFINS?