Teresa Melo

Novas crises exigem novas soluções. O saldo das manifestações e pronunciamentos do último dia 7 de setembro, para além dos efeitos políticos já noticiados pela mídia e analistas especializados, abrange uma figura quase desconhecida do estudo do controle recíproco entre os poderes da República: a devolução de medidas provisórias (MPs) pelo Legislativo.
Após pressão da sociedade civil, imprensa, deputados e senadores, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), devolveu ao remetente o texto da MP nº 1.068, de 6 de setembro de 2021, com o selo de “rejeição sumária” no envelope. O ato, que objetiva o reequilíbrio da balança dos poderes, não é um fato inédito e já foi adotado em pelo menos outras três ocasiões.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>No governo Lula, o senador Garibaldi Alves (PMDB/RN) <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/11/19/garibaldi-decide-devolver-ao-executivo-mp-das-filantropicas" target="_blank" rel="noopener noreferrer">devolveu ao Executivo a medida provisória que renovava automaticamente certificados de entidades filantrópicas</a> (MP nº 446/2008). O presidente do Congresso Nacional no governo Dilma, senador Renan Calheiros (PMDB/AL), também devolveu um texto ao Planalto: <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/03/devolucao-da-mp-da-desoneracao-provoca-debate-no-plenario" target="_blank" rel="noopener noreferrer">a medida provisória que reduzia a desoneração da folha de pagamento</a> (MP nº 669/2015).
O governo de Jair Bolsonaro teve outra medida rejeitada sumariamente pelo Legislativo, antes da atual MP nº 1.068/2021. No exercício da presidência durante a primeira sessão legislativa, o senador Davi Alcolumbre (DEM/AP) mandou de volta a MP nº 979/2020, que permitia a nomeação de reitores de universidades públicas e institutos federais sem consulta prévia ou lista tríplice.
A questão suscita vários debates: (i) ausência de oitiva do presidente da Câmara dos Deputados, casa legislativa que também participa da análise do mérito do projeto de lei de conversão mas, apesar disso, não influencia formalmente na decisão de rejeição sumária, uma vez que o presidente do Senado Federal edita o ato declaratório na qualidade de presidente do Congresso Nacional; (ii) ausência de um procedimento constitucional ou regimental, a exemplo da disciplina da tutela de urgência em processos judiciais (da competência dos relatores com posterior submissão da decisão à ratificação do órgão colegiado) e, no que aqui interessa; (iii) quais os efeitos jurídicos produzidos pela decisão legislativa.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou em outras palavras: a devolução da medida provisória pelo Congresso Nacional implica “perda de objeto”, com paralisação imediata da produção de efeitos jurídicos válidos?</blockquote>
A resposta, adianto, é negativa. Embora a interpretação sistemática da constituição admita a possibilidade em abstrato do ato e, no caso concreto, confira legitimidade à mensagem de retorno do texto ao Executivo, só deve ser adotada em casos teratológicos e com fundamentação própria, adesão política, além de repercussão social.
O Legislativo, como intérprete da Constituição, pode e deve realizar o controle de constitucionalidade em diálogo constitucional com o Judiciário. Mas, tal como a natureza da medida provisória, no direito brasileiro o controle político de constitucionalidade é a exceção, não a regra.
A análise unilateral da relevância e urgência das medidas provisórias pelo presidente do Congresso Nacional também retira dos demais parlamentares o juízo prévio sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais para a edição de MPs, em um processo que deveria ser representativo. Por isso, o novo instrumento do controle recíproco entre os poderes deve ser, ao mesmo tempo, celebrado e ponderado.
Há mais uma razão para isso: a Constituição de 1988 prevê que as medidas provisórias têm força de lei e produzem efeitos imediatos. Sendo assim, de acordo com a leitura do texto constitucional, a devolução de medidas provisórias pelo Legislativo, apesar de consistir em importante gesto político de bloqueio e rejeição, não tem força para suspender os efeitos jurídicos decorrentes da edição do ato.
Significa, politicamente, que não haverá discussão e votação do projeto de lei de conversão, ou seja, que a medida provisória necessariamente irá caducar. Isso não equivale a afirmar que a medida provisória perdeu seu objeto ou que deixou de produzir efeitos jurídicos.
Não à toa que a própria Constituição prevê, no art. 62, § 3º, a competência do próprio Congresso Nacional para editar decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas decorrentes da vigência temporária de medida provisória rejeitada ou que perdera a eficácia.
E mais: após 60 (sessenta) dias da rejeição ou da caducidade do texto, “as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”, conforme comando expresso do art. 62, § 11, da CF. Sem alteração formal dessas regras constitucionais, o presidente do Congresso Nacional não tem autorização constitucional para, sozinho, retirar a validade jurídica de uma medida provisória.
Como consequência, o STF precisa conferir eficácia jurídica à decisão já dotada de efeitos políticos. Vale dizer, as ações diretas de inconstitucionalidade propostas contra a MP nº 1.068/2021, devolvida pelo Congresso Nacional, não perderam o objeto e precisam ser apreciadas pelo Supremo (ADIs 6.991, 6.992, 6.993, 6.994, 6.995, 6.996 e 6.998, respectivamente propostas pelo PSB, Solidariedade, PSDB, PT, NOVO, PDT e Conselho Federal da OAB, todas sob a relatoria da ministra Rosa Weber).
A presunção de constitucionalidade, todavia, já foi afastada por um dos Poderes da República e pode-se falar, ao contrário, em verdadeira presunção de inconstitucionalidade da medida provisória.
Novas crises, de fato, exigem novas soluções. Mas em um Estado de Direito as únicas soluções admitidas são aquelas que observam o texto da constituição. Mesmo quando estamos de acordo com o resultado.
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Plenário do Congresso

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JOTA

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