Tathiane Piscitelli

Na noite de terça-feira, o Senado Federal vivenciou um momento histórico: Renan Calheiros houve por bem devolver a medida provisória 669/2015, que tratava da redução da desoneração da folha de salários, presente em nosso ordenamento desde 2011. O objetivo da presidência, aqui, seria o de dar continuidade ao ajuste fiscal em andamento e assegurar mais receitas à União.
A derrota do governo no Senado pode custar até R$ 25 bilhões para os cofres públicos, em vista da renúncia tributária já implementada. O argumento do presidente do Senado para a devolução da MP foi o de que esse instrumento não seria adequado para a promoção de aumento de tributos ou redução de benefícios fiscais, já que não estaríamos diante de matéria relevante e de caráter urgente.
Do ponto de vista jurídico, o argumento é bom e procede. De fato, o artigo 62 da Constituição, ao disciplinar as medidas provisórias, menciona que apenas “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei” submetendo-as de imediato ao Congresso Nacional.
Há muito se sabe que aumento de tributo não é medida urgente. Se assim o fosse, o princípio da anterioridade, segundo o qual as leis tributárias devem aguardar um prazo mínimo para produzir efeitos, não seria a regra no nosso ordenamento. Porém, apesar disso – e dos brados incessantes dos tributaristas – a verdade é que o presente governo não é o primeiro e nem será o último a propor modificações à carga tributária pelas mãos de medidas provisórias. E isso nunca pareceu um problema para o Legislativo. Ao contrário, as medidas provisórias são usualmente acolhidas e convertidas em lei.
Do ponto de vista da constitucionalidade de tal providência, também não é novo o entendimento do Supremo: desde que observado o prazo de anterioridade, é possível, sim, a utilização de medida provisória para criar e majorar tributos.
Contudo, não obstante todo o histórico relacionado com as medidas provisórias em matéria tributária, a MP 669/2015 foi devolvida – providência essa que sequer consta da Constituição; caberia ao Congresso ou rejeitá-la após o prazo de validade (60 dias) ou convertê-la em lei.
Diante disso, a pergunta que passa assolar o meio tributário é: estaríamos diante de uma mudança de postura do Legislativo, em direção à moralização dos abusos cometidos pelo Poder Executivo, especialmente no que concerne à nossa já tão elevada carga tributária? A resposta só pode ser negativa, como, aliás, certamente mostrará a postura do Congresso após o eventual apaziguamento dos ânimos políticos.
Trata-se, como é evidente, de uma simples retaliação política à Presidente. Infelizmente, estamos bem distantes de as questões tributárias serem tratadas com o devido zelo, especialmente diante da premente necessidade de conter o progressivo aumento da tributação em face da constatada ineficiência e ausência de controle dos gastos públicos.
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* Tathiane Piscitelli é professora da FGV DIREITO SP. Doutora em Direito pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado e Desenvolvimento do Mestrado Profissional da FGV DIREITO SP.

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