Davi Tangerino

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"Basta que o crime de lesa-majestade seja vago para que o governo degenere em despotismo" 
<footer class="jota-article__quote-cite">(Montesquieu, O Espírito das Leis, L. XII, cap. VII).</footer>
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Breve consulta ao sítio institucional do Supremo Tribunal Federal (STF) revela que a Lei de Segurança Nacional só teve aplicação confirmada por aquela Corte em pouquíssimas ocasiões. Nos primeiros anos após sua promulgação, discutiu-se a punibilidade dos crimes contra a honra de algumas autoridades - tipificados na versão antiga da Lei de Segurança Nacional (LSN) - que migraram para a Lei de Imprensa; ao longo de vários anos o quanto fosse crime político para fins de extradição, e, mais recentemente, alguns casos afastando a LSN em casos de militares importando ou exportando armas de uso restrito.
Central o quanto julgado pelo STF no Recurso Ordinário Criminal n. 1.68-5, oriundo do Rio de Janeiro, relator o min. Maurício Corrêa, em 23 de março de 2000. O caso concreto: importação de trinta mil cartuchos de fuzis AR-15 e Ak-47 para traficantes do Rio de Janeiro. Ali, em síntese, decidiu o Supremo que: (i) compete à Justiça Federal comum e não à militar julgar os crimes políticos, expressão que, na redação da Constituição Federal de 1988, substitui a expressão "crimes contra a segurança nacional", no arremedo constitucional de 1969; (ii) "só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2o. da Lei de Segurança Nacional", isto é, "a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta seja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política". Não encontrei nenhum caso em que os requisitos tivessem sido confirmados pelo STF (descartadas as extradições, que ficaram fora da análise). Interessante que o placar foi 6 a 5.
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Duas as discussões jurídicas mais relevantes: a incompetência da Justiça Militar por força do redesenho dado pela Constituição Federal de 1988 e a necessidade, ou não, de que os crimes definidos na LSN atendessem, cumulativamente, à motivação política e exposição a perigo da segurança nacional.
Nelson Hungria, ainda sob a égide da LSN de 1953, em seus comentários ao Código Penal, propunha que crimes políticos fossem aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais (Rio de Janeiro: Forense, vol. 1, 4. ed., p. 187). Com efeito, Heleno Fragoso, pouco antes de 1983, afirmava "não há crime contra a segurança nacional sem que a ação seja praticada com especial fim de agir (dolo específico) que é, no caso, o propósito de atingir a segurança nacional" (Jurisprudência Criminal: 1. Vol. 4. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1982, pp. 390/391).
Havia, no STF, duas correntes: a que entendia que a motivação política e a exposição a perigo ao bem jurídico segurança nacional estavam implícitos naqueles tipos próprios da LSN; apenas àqueles tipos que também existissem fora da LSN seria preciso aferir motivação/perigo de maneira autônoma, precisamente para diferenciá-los daqueles. A outra, que preponderou, entendia que motivação/perigo deveriam estar presentes sempre.
Havia, pois, consenso que os crimes previstos no Código Penal só alcançariam as figuras da LSN se cumulassem, no caso concreto, a motivação política e o risco efetivo à segurança nacional.
Desenhada a questão jurídica, indago: a facada que Adélio Bispo de Oliveira deu em Jair Bolsonaro pode ser enquadrada no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional?
Na linha do quanto decidido pelo STF, é preciso enfrentar, primeiro, a questão da motivação.
É muito pouco dizer que houve motivação política; se não por outro motivo, porque em sentido lato toda atuação do cidadão no espaço público é política, em maior ou menor grau. Quem recolhe da calçada, voluntariamente, lixo deixado por terceiro age politicamente; quem protesta nas ruas, idem.
Na linha da lição de Fragoso, é preciso haver motivação concreta de abalar as estruturas institucionais do Estado de Direito.
Nesse momento, tem-se pouca informação concreta quanto à motivação de Adélio; todavia, os primeiros indicativos são no sentido de alguém com a saúde mental abalada, o que per se parece contradizer o especial fim de agir esperado desse tipo penal específico. A preponderar que seja alguém com reduzida capacidade de organizar-se conforme o entendimento da proibição, descarta-se a motivação necessária para o artigo 20 da LSN. 
Isso porque o mais provável, nesse cenário, seria um agir destemperado motivado por ódio ou mesmo por política partidária. O que não se confunde com querer abalar o Estado brasileiro, por meio de um homicídio calculado, certeiro, buscando desestabilizar as eleições, quiçá na esperança de uma intervenção divina, ou militar, ou de outro grupo organizado.
Resta, ainda, indagar-se se matar o candidato mais bem colocado nas pesquisas de intenção de votos para o pleito presidencial teria o condão de abalar a segurança interna; invocando, uma vez mais, a lição de Fragoso, a segurança interna "compreende a inviolabilidade do regime político vigente, a existência e incolumidade dos órgãos supremos do Estado". 
Tenho que matar um importante candidato presidencial, tão próximo ao pleito, teria sim o condão de expor a perigo concreto a ordem institucional, sobretudo em tempos tão conflagrados, em que a higidez da Constituição é desafiada - inclusive pelo Judiciário -, de maneira recorrente. 
Ausente, porém, o especial fim de agir, tenho que - pelo que se conhece do caso até o momento - o caminho mais adequado seria julgar Adélio por crime comum, provavelmente homicídio qualificado tentado, perante o Tribunal do Júri. 
Quanto à competência, entendo, como decorrência do quanto exposto, que, por não se tratar de crime político - no sentido assumido pelo STF, de herdeiro do crime contra a segurança nacional -, que toque à Justiça comum processar e julgar Adélio Bispo (relembre-se que o STF excluiu da Justiça Militar o julgamento por tais crimes, por conta da dicção expressa da Constituição Federal).
Proporia, por fim, a reflexão quanto à necessidade de ter-se uma Lei de Segurança Nacional em tempos democráticos.
Antes da presente LSN, o Brasil teve outras quatro: a Lei n. 38, de abril de 1935, promulgada por Getúlio Vargas, reforçada ao longo do Estado Novo, em alterações em 1938 e 1942; a Lei n. 1.802, de 1953, novamente sob a presidência de Getúlio Vargas; o Decreto-Lei n. 314, de 1967, e o Decreto-Lei n. 898, de 1969, esses últimos produzidos pela Ditadura Militar instaurada em 1964. Nascem, sempre, de tempos pouco democráticos. 
Com efeito, a chamada doutrina da segurança nacional, inspiradora, entre outros do famigerado Serviço Nacional de Informação (SNI), lastreia-se na ideia de inimigo interno. No Decreto-Lei n. 314, de 1967 (uma das LSN que tivemos), lia-se, por exemplo, que "a guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais". A criminalização do opositor, da divergência, da resistência.
Exemplo concreto disso é que o uso recente da mais importante LSN foi a criminalização do Movimento dos Sem Terra como terroristas, antes da lei que tipificou o terrorismo, em 2016 (cf. Tangerino/D'Ávila/Carvalho, O direito penal na "luta contra o terrorismo", Revista Sistema Penal &amp; Violência, v. 4, n. 1, 2012). 
Não vejo espaço para os inimigos internos em tempos democráticos; para os criminosos de lesa-pátria, há diversos tipos penais, tanto no Código Penal Militar, como no Código Penal. Adélio Bispo, tudo indica, é um criminoso comum, de motivação política, quiçá mesmo embotada por uma saúde mental debilitada; não é um inimigo interno e a ele não se deve aplicar a Lei de Segurança Nacional. Nem a ele, nem a ninguém.

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JOTA

Adélio Bispo, tudo indica, é um criminoso comum, de motivação política, quiçá mesmo embotada por uma saúde mental debilitada

Deve-se aplicar a Lei de Segurança Nacional ao esfaqueador de Bolsonaro?

Adélio Bispo, tudo indica, é um criminoso comum, de motivação política, quiçá mesmo embotada por uma saúde mental debilitada