É com assombro que se recebe a notícia de que o presidente do Cade determinou à Superintendência Geral a abertura de inquérito para apurar suposta conduta colusiva de institutos de pesquisa em razão de erros de previsão incorridos nos levantamentos de intenção de voto a candidatos à Presidência.
O Cade, que recentemente completou 60 anos como autoridade de defesa da concorrência, sobreviveu ao período de intenso dirigismo estatal da ditadura militar, revitalizou-se com a Lei 8.884/94, a reforma do Estado e criação das agências reguladoras, e vinha desempenhando a contento seu papel de defender e difundir a cultura da concorrência no Brasil. Era, por várias e diversas métricas, um caso de sucesso.
O desenho institucional do Conselho, fortalecido pelo compromisso de seus dirigentes e corpo técnico com o cumprimento das melhores práticas de governança, manteve-o infenso ao fenômeno que a literatura especializada denominou de captura. A reputação de qualidade técnica das decisões sempre inibiu indicações fundadas no apadrinhamento político.
Essas salvaguardas, contudo, podem começar a perder força quando as instituições que sustentam o Estado de Direito – como as eleições – sofrem continuado ataque.
Pois bem. A determinação para que a SG abra inquérito para apurar suposto cartel entre institutos de pesquisa não encontra qualquer fundamento na economia e no direito antitruste; os elementos econômicos básicos estão ausentes, a começar pela racionalidade da conduta: conluios, quando organizados, intencionam afetar artificialmente quantidades e preços, visando maximizar lucros conjuntos. Não há teoria do dano fundada em literatura ou jurisprudência de defesa da concorrência capaz de descrever, como hipótese, a inacreditável circunstância de institutos de pesquisa combinarem errar resultados de pesquisas de intenção de voto para, assim, maximizarem lucros no mercado de surveys de opinião.
A ilação de que haveria “ação orquestrada dos institutos de pesquisa na forma de cartel para manipular em conjunto o mercado e, em última instância, as eleições” (SEI/CADE – 1133237 – Oficio) revela desconhecimento da economia aplicada à defesa da concorrência, do escopo da legislação e das competências do Cade.
Estamos diante de flagrante desvio de finalidade e de vício de competência, o que arranha a reputação construída pela instituição em décadas de esforço coletivo de seus integrantes e da comunidade antitruste que a acompanha e respeita.
Este artigo já estava concluído quando sobreveio a notícia de que a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou sem efeito a decisão, entendendo haver usurpação de competência da Justiça Eleitoral e indícios de abuso de poder político. Determinou, ainda, o envio da decisão à Corregedoria-Geral Eleitoral e à Procuradoria-Geral para apuração das irregularidades cometidas.
Mais uma vez o instituto dos pesos e contrapesos, um dos pilares da engenharia que sustenta o Estado de Direito, vem em socorro de nossa jovem democracia. Que o episódio sirva de alerta à sociedade, para que esta atente à seriedade da exigência imposta pelo legislador quando estabeleceu requisitos de notório saber e ilibada reputação aos indicados pela Presidência e sabatinados e aprovados pelo Senado para exercer mandato, seja nas agências reguladoras, seja, afinal, no próprio Cade.