saneamento - avanços e desafios

Desenho regulatório e expectativa sobre novos projetos

Contexto atual é de atenção à engenharia institucional e aprimoramento dos novos certames licitatórios

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Crédito: Unsplash

Não obstante os avanços recentes do setor, verdade é que em torno de metade da população no país permanece sem acesso à rede de esgoto, assim como 16% ainda não possui abastecimento regular de água potável, o que representa 35 milhões de pessoas. Após a conclusão do período de comprovação da capacidade econômico-financeira das prestadoras, o momento é propício à reflexão acerca da modelagem dos futuros projetos e consequente tratamento regulatório.

Dentre as estratégias de modelagem bem-vindas nesse novo momento do setor de saneamento, é possível destacar a utilização de receitas provenientes da comercialização da água de reuso pelas operadoras dos serviços de saneamento básico. Isto é, para além dos benefícios ambientais, o reuso pode representar importante fonte de receita alternativa, apresentando finalidades em diversas áreas: irrigação, industrial, construção civil, limpeza urbana e desobstrução das redes de esgotamento, por exemplo.

Apesar de os novos editais terem passado a prever tratamento regulatório específico aplicável às receitas acessórias, autorizando o auferimento de receitas adicionais por meio da exploração de fontes de receitas alternativas e determinando expressamente o percentual de compartilhamento entre Poder Concedente e Concessionária, para fins de modicidade tarifária, conforme o caso, fato é que o compartilhamento adequado das receitas deve garantir atratividade ao concessionário, definindo tratamento regulatório distinto a depender das atividades efetivamente executadas.

A título de exemplo, é possível citar o projeto Aquapolo, grande empreendimento para a produção de água de reuso, que foi considerado pela ARSESP como atividade de impacto socioambiental, não sujeita ao compartilhamento das receitas.

Ainda no que tange à modelagem dos projetos, ao tratar sobre os serviços de drenagem de águas pluviais, resta claro que a legislação buscou encontrar caminhos para as fragilidades institucionais, como a dificuldade mensuração de demanda dos usuários e autonomia dos prestadores. Como se sabe, as soluções estruturais de drenagem estão relacionadas especialmente à disponibilidade de recursos financeiros e organização institucional, devendo os projetos serem modelados visando a criação de soluções sustentáveis, com ações integradas, em particular nos municípios com maior déficit.

Até o momento, poucos foram os progressos atinentes às infraestruturas para drenagem pluvial. Apesar de já haver alguma movimentação, como a contratação de estudos para estruturação de projetos de PPPs e concessões na área de drenagem urbana (e.g. Porto Alegre e Teresina), para que os projetos se tornem atrativos ao parceiro privado, é necessário garantir 1) contratos de longo prazo; 2) fluxo de caixa que viabilize a obtenção de financiamentos pelo concessionária; 3) aderência à regionalização; 4) taxa de retorno sobre o investimento adequada; 5) modicidade tarifária; e 6) depreciação e amortização dos sistemas e equipamentos.

Será necessário que os novos editais lancem mão de modernas soluções para a prevenção de inundações e enchentes, com foco na implementação de drenagem sustentável, sistema de compensação, retrofit das redes já implantadas, alternativas de impermeabilização, evitando o aumento da poluição difusa, causada pelo chamado escoamento superficial, aspectos que podem e devem ser pormenorizados nos instrumentos jurídicos e editais.

Particularmente no que tange às PPPs, com o objetivo de garantir maior segurança jurídica aos projetos, um ponto de aprimoramento possível aos novos editais é garantir a segregação das contas relativas à alocação das garantias e ao pagamento da contraprestação ao parceiro privado, de forma que os recursos sejam administrados por meio de uma Conta Vinculada e de uma Conta Garantia, sendo exigido o estabelecimento de saldo mínimo a ser mantido na Conta Garantia.

Para além dos aspectos relativos à modelagem dos projetos, as normas de referência deverão ser utilizadas como ferramenta para o desenvolvimento sustentável no setor de saneamento. Sobre esse aspecto, como já observado pelos agentes do setor, durante a auditoria do Tribunal de Contas (TCU) que analisa a implementação do novo Marco Regulatório do Saneamento constatou-se que há atraso na agenda regulatória para publicação das normas de referência pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), fato que pode prejudicar a universalização dos serviços.

Sem prejuízo da necessária veiculação das normas e aderência pelas agências subnacionais – que deverá ser fiscalizada pelos órgãos de controle – o desejado sucesso do Novo Marco perpassa, em especial, a regulação contratual. A regulação contratual é a fonte para garantir as condições de previsibilidade dos investimentos, positivando no instrumento jurídico as principais disposições de forma a afastar interpretações discrepantes sobre aspectos tarifários, equilíbrio econômico-financeiro, reversibilidade de bens, matriz de risco, dentre outros.

Ao unir a regulação contratual, a regulação discricionária e a chamada soft regulation pela ANA, idealmente será possível caminhar para um modelo regulatório que utilize ferramentas inovadoras de regulamentação, objetivando diminuir custos com resolução de conflitos e garantir eficiência na resolução de problemas regulatórios.

Por outro lado, atualmente parte do setor observa com preocupação a existência de problemáticas de desenho institucional – cujos desfechos ainda não são possíveis de prever, inclusive envolvendo as intenções políticas dos gestores – como as teses que vêm sendo ventiladas por algumas CESBs para perpetuar a prestação de serviços sem que seja realizado nenhum certame licitatório, tais como a estratégia de constituir SPEs com participação acionária de municípios e CESBs.

Ao considerarmos que a regionalização tem como objetivo principal os ganhos de escala, respeitada a titularidade dos municípios, o fato é que a partir de agora os Estados devem focar seus esforços na realização dos processos de licitação e nas providências necessárias para a formação dos blocos regionalizados, mitigando o risco de que municípios atuem isoladamente buscando alternativas para a prestação de serviços limitada ao âmbito do seu próprio território, se esquivando daquilo que preconizou o novo Marco Regulatório do Saneamento.logo-jota

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